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DOIS CALANGOS, UM HOMEM E O SERTÃO
Meu primeiro conto, peguem leve comigo.
Kalliel

Resumo:
Um calango de chapéu nordestino vive no sertão paraibano e viverá diversas aventuras, principalmente relacionadas a fome, tristeza e predação.

I. Seca
Durante uma manhã, no meio do sertão paraibano, onde predomina-se grandes secas e um sol incandescente e fervoroso que ilumina majestosamente e intensamente toda a região, saía de uma pedra um calango, quase da cor do chão, usando um...pequeno chapéu nordestino? Sim, isso mesmo, um chapéu devidamente nordestino, semelhante aos chapéus de couro que os vaqueiros desse local usam, não pergunte o porquê, aceite, assim como o próprio aceitou não conseguir um par amoroso sequer durante toda sua vida de lagarto viril. Ele estava à procura de comida ou qualquer coisa para saciar sua bendita fome, a qual vinha o atacando a um tempo, ou um calango femea para fazê-lo companhia. Pela glória do nosso Senhor, após uma caminhada desgastante, o animalzinho, bastante ofegante, achou um animal de tamanho suficiente para encher o seu bucho por um tempo: um escorpião, animal artrópode, o qual possui um télson – isso não era nome de gente? – usado com fim de picar em qualquer ser vivo que for uma ameaça para o pequeno quelicerado.
– Finalmente, comida! comida! comida! – Esbravejou o calango.
Começou a arrancar em direção ao escorpião, este que preparava seu ataque mortal, o embate animalesco seria decidido em poucas etapas. O calango chegava perto do escorpião a cada momento que passara, balançava ainda mais a sua cabeça, como um embriagado em um fim de festa, mas também, fazia, rapidamente, o movimento de pôr a pata frontal direita a frente da esquerda e vice-versa (conhecido também como andar), ele tentava prever em qual direção o escorpião iria aplicar sua ferroada. O escorpião atacou-o, felizmente, o cabra peste do lagarto esquivou-se e meteu uma mordida fatal, comendo e pondo um fim na vida do escorpião.
O réptil, continuava sua caminhada, já havia saciado minimamente a sua fome, faltava até então um par amoroso para o pequeno lagarto. Ele caminhou, caminhou, caminhou e continuou caminhando até encontrar o calango femea mais lindo de todo o Nordeste, a princesa que a tanto tempo sonhava em ter. Contudo, depois de várias horas de caminhada, estava preso a realidade novamente: com fome e sem uma princesa para prestar-lhe companhia. Melancólico, perguntava-se a cada momento:
– Por que me desse vida, meu Deus? Por que não morri de fome ainda nesse fim de mundo?
Estava mais cansado a cada momento, andava sendo perseguido pelos raios luminosos do sol. Até que, olhou para à direita e avistou o que tanto almejava: um calango fêmea. Arrancando em sua direção, viu que ela estava saboreando alguns pequenos invertebrados que ela capturou, com isso, correu ainda mais rápido a fim de saciar sua fome. Ela o viu e perguntou:
– Quer algum desses?
Ele respondeu, suplicando:
– Sim, por favor, Vossa Alteza!
Friamente ela falou:
– Então, vá pegar alguns para você. – No mesmo instante comeu o último invertebrado que havia caçado.
O calango macho ficou triste e foi embora.
– Minha vida é um completo desastre, não aguento mais viver! – dizia o reptiliano
Enquanto ele ia embora, a fêmea disse:
– Se estás com tanta fome, por que não procuras teu próprio alimento?
O esfomeado respondeu:
– Estou procurando já faz horas, não tenho mais forças para continuar, desde manhã cedo estou aqui esfomeado, o máximo que encontrei foi um escorpião.
Após o que o calango disse, a fêmea sentiu remorso pelo seu compatriota e disse que o ajudaria na caçada. Antes de começar, porém, perguntou-lhe:
– Tens algum nome? Pode chamar-me de João. – Ele falou
– Calangos têm nome? Para mim isso é coisa de animalzinho dos centros urbanos, por isso nunca tive um. – Ela respondeu
– Meu antigo dono deu esse nome para mim, era um garoto jovem daqui da região. Posso dar-te um se quiseres – Falou o macho, olhando para o lado
– Para que ter um nome, quer desanimalizar-me? – Disse a fêmea
– Para dirigir-me melhor a você, nada demais. – Respondeu João, com um sorriso.
– Certo..., mas, por que tu não estás mais com teu antigo dono? Além disso, quem cuida de um animal da nossa espécie? Por que tem uma miniatura de chapéu em tua cabeça? – Ela perguntou
– Expulsaram-me de lá. Vamos esquecer desse assunto, bem, posso chamar-lhe de Maria? – Ele respondeu
– Nome bonito, gostei dele... contudo, por que te expulsaram? – Ela perguntou, olhando fixamente para os olhos dele
O calango macho ficou calado, disse que estava com fome e que depois responderia

II. Joel
Começaram a caça perto de onde estavam. Não acharam nada. Continuaram. Acharam um ninho de pequenos insetos, comeram alguns, todavia, rapidamente, o restante dos bichinhos fugiram. João sentia-se tonto e fraco a cada momento que passava. Durante sua caçada, avistaram um minifúndio, era a chance deles conseguirem comida, caso houvesse alguma praga na região. O Local tinha como dono o fazendeiro Joel, um rapaz de 22 anos que teve seus pais mortos por um cangaceiro há cerca de 6 anos atrás, com isso, tomou posse das pequenas terras ainda muito jovem, infelizmente, seu pai não teve muito tempo para ensiná-lo tudo que sabia sobre plantar, por isso, ainda era muito inexperiente, principalmente para lidar com vários insetos atacando sua pequeníssima e humilde plantação. Ele vivia de um cultivo de subsistência e o que sobrava, vendia num comércio em uma cidade próxima, assim, conseguia replantar novamente e guardar uma mísera quantidade de dinheiro. Contudo, seu ganha-pão estava com um futuro indefinido: uma praga de gafanhotos instalou-se lá. Ele estava com um semblante de depressão, se curvava no chão, batia-o e chorava dizendo:
– Desculpe papai, desculpe mamãe. Não sei como acabar com essas pragas. Meu Deus, ajude-me!
O casal de calangos, ao ver que poderiam se aproveitar da situação e ajudar o pobre fazendeiro, comeram as pragas uma por uma. O fazendeiro quando viu eles acabarem com as pragas, falou com um grande sorriso em seu rosto: “É um milagre! Obrigado meu Deus!”
Após terminarem o serviço o homem disse que retribuiria o favor aos calangos, disse-lhes que poderiam ficar na fazendinha, porque teriam comida e um lar para reproduzirem-se, contudo, não aceitaram. Enquanto saiam Maria perguntou se João conhecia o fazendeiro, ele respondeu que já o viu algumas vezes. Quando o sol se pôs, o lagarto propôs descansarem em uma rocha, a fêmea sorriu para ele e ali dormiram até o amanhecer.
Quando os lagartos estavam longe, o rapaz lembrou que o calango estava com um chapéu nordestino, achou estranho, pois, lembrava-se de algo no seu infeliz passado. Pouco tempo depois, deixou a reflexão de lado e foi dar os últimos retoques nas suas plantações de uva e batata.
Voltando-se para o ambiente externo da cena, a noite estava com uma face calma e magnifica, o brilho do luar esférico trazia o sentimento de uma paz interna para todos que ali estavam perto, era uma noite de lua cheia e de céu limpo, todos conseguiam ver o esplendor no céu, simplesmente perfeito.

III. O dia amanhece
Para abençoar o dia, começou com uma pequena chuva, a qual fez esverdear e dar vida ao ambiente seco do sertão.
O animal de trajes nordestinos estava finalmente feliz: após tanto tempo navegando pela caatinga havia conquistado seus objetivos. Poderia finalmente viver em paz.
O casal recém-formado saiu de sua “casa” e foram caçar comida. Estaria tudo tranquilo, se não fosse o aparecimento de um maldito urubu faminto que sobrevoava a região. Após, o avistar, o macho olhou para Maria e falou: “Será que ele vai vir em nossa direção?”
– Acho que não. – João respondeu.
Urubus não costumam caçar suas vítimas, porém este estava com muita fome e, infelizmente, achou uma boa ideia perfurar e comer os corpos do casal recém-formado, começou, pois ir em direção ao casal.
Os calangos corriam, pois, suas vidas estavam em jogo, mas também, é necessário destacar a velocidade do urubu, o qual é mais rápido que os pequenos répteis, diminuindo bastante a distância entre eles em questão de segundos. O macho avista uma rocha, a qual podiam usar para esconder-se do pássaro, contudo, ela estava muito distante. A femea olhou em volta durante a fuga, não conseguia concentrar-se direito, porém, viu um local ao qual poderia ir, disse ao seu companheiro para seguir em direção a uma pequena vegetação de gramíneas que crescera com as chuvas. O calango aceitou e foram rapidamente para lá. Chegaram no local e conseguiram se esconder entre os matos. Enquanto isso, o urubu sobrevoava a região, esperando que saíssem de lá.
– Acho que vamos conseguir um tempo estando aqui. – disse Maria
– Será que não tem nenhum corpo morto por aqui perto para fazer esse urubu tirar o pé de nós dois? – Falou o macho, desesperado.
O urubu ainda estava lá, esperando os calangos saírem do local, era um jogo de paciência e resistência, quem sucumbisse primeiro, perderia, pois, a vida. João estressara a cada segundo que passara, pois, não aguentava ficar parado, camuflando-se na mata, queria enfrentar o urubu ao invés de fingir-se de morto. Ele perdeu a paciência e saiu correndo. O urubu viu e começou a voar em direção ao pequeno réptil. Tentou a primeira bicada e errou, passou raspando. Ainda no meio do mato, Maria gritou: “João, seu idiota!”
- Não é hoje que eu morro, seu infeliz. – Gritou João, dando língua ao urubu.
O urubu irritou-se e tentou outra, perfurou o chapéu de João e jogou-o para o lado.
- Eu nem gostava do chapéu mesmo. – Disse João
O calango corria e pensava em um plano para despistar ou matar o urubu. “Como um animal como eu irá vencê-lo?” – pensava João enquanto corria pela sua vida. Rapidamente ele lembrou do fazendeiro Joel, o qual poderia atirar e matar o urubu, já que Joel devia uma a ele. Assim o fez. João começou a correr em direção a fazendinha que estava ali perto, o urubu continuava seus ataques de fúria, João estava conseguindo desviar por enquanto. Maria começou a correr atrás dos dois e lá de longe ela gritou:
- O que pretendes fazer, João?
- A fazendinha! – João gritou, olhando rapidamente para trás.
No mesmo momento o urubu tentou perfurar João novamente com o seu bico, como resultado, acertou a cauda dele, rasgou-a, mas, o calango, com uma determinação surpreendente continuava a correr para salvar sua vida. De longe, Joel viu um urubu em direção a sua casa. Viu o pequeno calango e percebeu que este estava em apuros. Sacou sua arma, correu para salvar o réptil e mirou no urubu.
O pássaro, quando se viu ameaçado, desistiu de continuar a caçada. Joel estava com o tiro pronto, eram milímetros que separavam seu dedo do gatilho. O urubu começou a ir para trás. Joel andava para trás também, ainda mirando no urubu, abriu a porta de sua casa, pegou uma sacola, estava com um pouco de carne, jogou-a no chão, parou de mirar no urubu.
Lentamente a ave se aproximou da sacola e desgostou-se da carne, foi embora. Posteriormente, Joel chegou para o calango e falou:
- Aquela carne era o meu almoço de hoje, você me deve uma.
João olhava fixamente para o mini fundiário. Então, o homem falou abaixando-se para perto do calango:
- Teu nome é João, não é? Acho que se lembra de mim, seu antigo dono. Olha, não sei por onde começar. – Joel começou a chegar mais perto do calango e Maria olhava de longe, com o chapéu de João em sua boca.
– Porém, desculpa por ter te expulsado daqui e quase ter te espancado, não estava com cabeça naquele momento, meus pais tinham acabado de morrer e espero que me perdoe. Você era um grande amigo e a minha única “família” por aqui também – Completou o fazendeiro, chorando.
João chegou perto do pé do fazendeiro e começou a subir o corpo do mesmo. Chegando perto da cabeça deu-lhe uma mordida na orelha e depois agradou a ele. Desceu do corpo do Joel, falou um “obrigado” a Maria por ter pego seu chapéu e colocou-o na cabeça. Olhou novamente ao seu antigo dono e disse:
– Perdoo-te
Depois disso, João e Maria foram embora da fazenda e Joel continuava a chorar. Maria perguntou a João:
– Ele cuidava de ti antigamente? Por que fostes tão frio com ele?
– Ele ajudou-me muito no passado e vice-versa, contudo, fico mais feliz andando por aí com alguém do que ficando no sitiozinho, sabe...esse tipo de vida não é para mim. Provavelmente, passarei por aqui outras vezes para visita-lo, pois, ainda gosto dele, aliás, visse aquele show que ele fez? Já havia o perdoado há muito tempo, ele é muito sentimental. Contudo também, entendo o que se passou na cabeça dele quando perdeu seus pais. Nunca cheguei a ver os meus.
– Ah... – Disse Maria.
– Mas, deixar isso para lá. Vamos começar nossa caçada pela tarde, estou com fome depois dessa correria toda! – Falou o calango.
E assim, Joel conseguiu o perdão de seu antigo amigo, João e Maria ficaram juntos e a vida de cada um continuou fluindo até as suas respectivas mortes.


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Contos DOIS CALANGOS, UM HOMEM E O SERTÃO Kalliel


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