Ontem, oito de março, comemorou-se o dia internacional da mulher. Um dia no qual, como outro qualquer, o sol nasceu e se pôs, mulheres nasceram e morreram. Mas não para Simone de Beauvoir, que desenvolveu magistralmente em sua obra a tese de que a mulher não é um ser pronto e acabado que nasce e é assim definida em razão de seu sexo biológico, mas sim uma condição de existência que se constrói a partir da vivência feminina no mundo.
No auge de meus quinze anos, aventurei-me pela leitura do Segundo Sexo, que pedi de presente de aniversário à minha mãe. Embora seja indiscutivelmente um exemplo de mulher, ainda que muito presa às tradições e ao peso de seu passado, minha mãe nunca havia lido nada da Simone de Beauvoir, e hesitou ao comprar o box da edição comemorativa, não tanto pelo escancarado teor feminista dos dois volumes, mas pela possível obscenidade do texto, como se ela tivesse interpretado o título como “segunda transa”, o que imagino ter acontecido.
Na mesma época, talvez alguns meses antes, comprei em uma feira de livros barata a Reivindicação dos Direitos da Mulher, de Mary Wollstonecraft, autora que infelizmente foi distorcida por uma direita que sequer entende o significado de contexto histórico, ao ser indevidamente usada para justificar o reacionarismo quanto às pautas de gênero. E a um só tempo, é massacrada pela radicalidade de feministas que jamais a leram. O livro, porém, veio com um erro de impressão, algumas partes do texto foram interrompidas por folhas vazias, o que só percebi depois de já ter feito nele algumas anotações.
Com meu olhar de adolescente que desabrochava para a intelectualidade disruptiva, pensei que o livro não deveria, de todo modo, ter vindo com o seu conteúdo completo, e agradeci pela falha, que tão poeticamente me conduziu à apreciação de que ainda há muitas páginas em branco a serem escritas por nós, mulheres, e que nossa história ainda terá muitos capítulos a serem contados, cabendo-nos o papel de protagonistas e de leitoras umas das outras.
Enquanto mulher, percebo que no que toca ao protagonismo feminino, temos dificuldade de admitirmos a competência para um papel de primária importância, o que se explica pela nossa tão acostumada coadjuvância em um planeta conquistado e construído sobre o sangue e o suor dos homens. Fora isso, embora a mítica por trás do feminino tenha a sua glória, ao nos comparar ainda hoje a deusas e lendas, percebo que se trata de uma pseudo sacralização, reservando-nos, por vezes, lugares ficcionais, fora da realidade e da razão, o que destoa da posição de escritoras de nossa própria história.
Já era tarde quando passamos a requerer respeito, o que perpassou uma luta pelos direitos da mulher e de seu reconhecimento como sujeito merecedor da dignidade humana. Os movimentos que hoje se apresentam à sociedade têm pleiteado aquilo que há séculos já deveríamos ter conquistado. Em algum momento, o sexo oposto nos dominou, e em algum instante no tempo, cedemos. Ou será que a virilidade máscula naturalmente ditou os rumos da História ao definir papéis tão diversos cuja manutenção é atualmente tão questionada? Somente sei que apesar de tudo, eu gosto de ser mulher, ou ao menos me contentei com minha condição desde cedo, em instinto e em sombra.
|