Tentando relembrar os tempos de criança do interior de São Paulo, aquilo só podia ser uma ideia do meu pai. Como éramos muito novos, ainda podíamos encarar um cirquinho. A inocência infantil me habilitava a achar graça em palhaços “raiz” como a dupla Torresmo e Pururuca. Sem esperar palhaços de nomes com menção gastronômica, fomos ao circo ‘Orlando Orfei’.
Antes da proibição de maus tratos animais, estávamos na expectativa de ver bichos amestrados: macaquinhos andando de bicicleta, elefantes jogando futebol e ursos fazendo ginástica. Mas chegamos muito cedo e testemunhamos o velho Orlando Orfei que tinha acabado de acordar.
Assistir ao dono do circo começando o dia não era um número circense que eu esperava, por isso, aquilo decepcionou quem achava que veria animais amestrados. É fácil deduzir, fazia muito tempo que meu pai não encarava um circo e chegar pela entrada, não por um buraco na lona, certamente contribuiu com o erro.
Eu não queria ver aquilo, estava ansioso para assistir aos animais sendo chicoteados, alguns truques do mágico, os gracejos do palhaço e comer algumas guloseimas de arquibancada. Assistir ao Seu Orlando espreguiçando não era exatamente a apresentação que eu estava esperando. O hábito de ir a um “circo raiz” nos tornava tão exóticos quanto a atração dos saltimbancos e sua trupe de acrobatas, palhaços e criaturas que foram excluídas da sociedade.
Eu ainda nem imaginava que o ser humano fosse capaz de realizar acrobacias como as do ‘Cirque du Soleil’ ou do ‘Circo Imperial da China’, portanto, qualquer truque tinha o poder de me impressionar. A Mulher Barbada falsa, um coelho sendo tirado da cartola ou uma pomba branca já me deixariam de olhos arregalados e boca aberta. No entanto, não era à toa que aqueles números sobreviviam há décadas. Menos o inédito número do dono da coisa toda inspecionando o picadeiro.
Aquilo tinha o potencial de acabar com qualquer ansiedade de ir a um circo, mas eu mal sabia que o pior estava por vir: eu ainda fugiria da Monga (a mulher-macaco feita com truque de espelhos) no Playcenter e iria ao programa do palhaço eletrônico Bozo, que era movido a álcool e drogas.
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