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A cidadania no Brasil atual
Isadora Welzel

A cidadania que hoje figura o Brasil é o resultado alcançado após lutas reivindicatórias de direitos e é o amálgama de vários eventos históricos pelos quais a sociedade brasileira teve passagem. O sujeito “cidadão” teve diferentes significados ao longo do tempo, e a Constituição que atualmente nos rege é fruto de embates políticos. Observa-se que a legislação em vigor de caráter garantista tem um ideal que visa a assegurar direitos de maneira isonômica. Entretanto, a forma como é conduzida frequentemente adquire um caráter exclusivista. Isto é, o exercício da cidadania por vezes encontra óbices à sua efetividade, ainda que seja formalmente definida como um direito a ser constantemente protegido, e sobretudo, um modo de garantir a expressão popular.

O professor Fábio Konder Comparato em seu texto “Muda Brasil - Uma Constituição para o Desenvolvimento Democrático” explora esse reconhecimento efetivo da soberania popular em duas importantes dimensões: no consentimento do povo quanto à titularidade e às finalidades dos poderes exercidos na sociedade e na participação popular no tocante às funções públicas. Dessarte, Comparato caracteriza o projeto constitucional dividindo o estudo da Constituição em partes:

1) A soberania: hierarquicamente superior e abriga temáticas relativas à nacionalidade, aos direitos e deveres do cidadão, à proteção da pessoa humana, às liberdades individuais e sociais e às garantias fundamentais
2) A organização estatal: a Federação, as funções públicas, o sistema tributário e a organização da União Federal
3) A ordem econômica e social: engloba a propriedade, o trabalho, a previdência, a educação, a saúde e a assistência social.

Por fim, o autor trata da possibilidade de emenda e de revisão constitucional como fruto da ampliação do direito de iniciativa. Já na segunda parte do texto, por sua vez, Comparato apresenta o seu anteprojeto de Constituição. Muito da carta constitucional norte-americana se encontra refletido na Constituição brasileira, como o fato de ser um documento que não guarda poucas disposições, mas sim se trata de um dispositivo detalhado que tem como pretensão a previsão ampla de normas que regularão as leis infraconstitucionais. A cidadania, por conseguinte, foi um desafio e continua sendo nas diferentes esferas em que ela tem aptidão para se manifestar. Outrossim, é evidente a tarefa das políticas públicas enquanto meio que o Estado encontra de transpor para a realidade determinadas prerrogativas que até então estariam apenas descritas na forma de leis.

Destaco, neste ínterim, o estudo de Amélia Cohn quanto às políticas de abate social, no qual a autora desbravou dois momentos de construção de políticas públicas: até 1988 e de 1988 até 2016. No primeiro momento, discute que as políticas não possuíam caráter universal, mas sim fragmentário, e que a partir do governo Vargas foi realizada a sistematização de algumas políticas importantes, inclusive no período militar. Assim, Amélia Cohn percorre o caminho que explica histórica e sociologicamente a destruição das conquistas sociais do país em uma democracia forjada pelo embate entre neoliberais e social-democratas, de forma que as contradições do passado esclarecem o retrocesso hodierno, com políticas públicas de abate social, as quais consistem em políticas de corte social que levam à exclusão e à segregação de grupos sociais vulneráveis.

Desta forma, pode-se estabelecer uma nítida relação entre este conceito de políticas de abate social com a formulação teórica de cidadania regulada, por Wanderley Guilherme. Nas palavras da autora, se equiparam a “determinação institucional da desigualdade e de seu caráter inercial”, em que as políticas funcionam como mecanismo de captação de recursos e de regulação social, em última instância. A autora trata também do conceito que já advinha de Sérgio Buarque de Holanda, sobre o “homem cordial”, que traduziria uma noção de passividade do cidadão, legado da escravidão. Na segunda parte do texto, Amélia infere que o “breve ciclo da cidadania social no Brasil” encerrou-se com a cassação do mandato da presidente Dilma, de forma que lança críticas ao governo Bolsonaro em uma perspectiva bastante recente de um cenário comprometedor à democracia.

A cidadania contemporânea no Brasil retrata o pensamento da autora no que tange à discussão das políticas públicas, visto que em as suas palavras, “com a cassação do mandato da presidente Dilma, encerrou-se o breve ciclo da cidadania social no Brasil”, e segue-se a análise sobre a conjuntura política de 2016, que criou o cenário propício à continuidade da fragmentação de direitos que se verificou até o presente ano de 2024. Amélia Cohn aponta para uma democracia forjada pelas elites brasileiras, que agiram por meio de um verdadeiro golpe político-institucional, com o desmantelamento do arcabouço social e com a sobreposição dos interesses econômicos, além do congelamento de recursos para a área social, e as massivas privatizações, o que reverberou na quebra do pacto de solidariedade, na destruição material e ideológica da população hipossuficiente, na despolitização da sociedade e na criminalização da ação política. Ainda, a autora afirma: “a democracia perdeu o pudor de não ser democrática”. Tal é a realidade de como a democracia, e acima de tudo, a cidadania se apresentam e das dificuldades para o seu pleno reerguimento nas próximas décadas.

Em síntese, a necessidade de mudança é corroborada pelos dados estatísticos alarmantes, como os apresentados pelo Relatório do IMDH, revelando fortes marcas do autoritarismo na construção social brasileira frente às quais o ideal de cidadania se faz presente. Pode-se inferir então, que o conceito de cidadão envolve um processo intrincado de lutas, contextos históricos, emendas constitucionais, confecção de novas leis e de aprimoramento e até de retrocesso das políticas públicas, de modo que esses elementos culminaram nas conquistas e nas dificuldades que a atualidade brasileira espelha no âmbito da cidadania, apresentando-se como uma (des)construção social que não está imune à passagem do tempo e ao porvir.

Disciplina: Serviço Social, Direito e Cidadania.


Biografia:
Além de grande admiradora da escrita e da literatura, sou estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e meu propósito no Recanto das Letras é traduzir conteúdos do mundo jurídico para a comunidade leitora, de modo a propagar conhecimentos sobre o Direito e propor reflexões. 
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