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A enchente gaúcha e os impactos na Previdência Social
Alexandre Triches

Resumo:
Muitos serão os reflexos da enchente na sociedade civil gaúcha

A enchente que atinge o Rio Grande do Sul impactará fortemente o direito das pessoas junto à Previdência Social, pois haverá o extravio, em massa, de documentos que são necessários para o encaminhamento de aposentadorias e pensões junto ao INSS. Este é um fenômeno que precisa ser devidamente avaliado pelo Ministério da Previdência Social, e medidas legais precisam ser tomadas para o enfrentamento do problema.   
     Os números falam por si. Segundo dados da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, extraídos do boletim publicado no dia 27/05/2024, são 469 municípios afetados, 55.813 pessoas em abrigos, 581.638 desalojados, 806 pessoas feridas, 169 óbitos confirmados e 56 desaparecidos. Com o foco apenas no número de pessoas desalojadas e municípios atingidos já é possível compreender que a calamidade pública que atinge o sul do Brasil impactará na atividade estatal de reconhecimento de direitos previdenciários. Isto porque a lei previdenciária determina que a comprovação do tempo de serviço e dos demais direitos previdenciários, como é o caso da incapacidade para o trabalho, só produzirão efeitos quando baseados em início de prova documental contemporânea dos fatos, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal.
A prova documental contemporânea é aquele documento emitido em época própria e que comprova um fato determinado perante o INSS, tais como atestados, prontuários e exames médicos (utilizados para reconhecer o direito aos auxílios por incapacidade e para a pessoa com deficiência), formulários descritivos de atividades especiais (utilizados para reconhecer o exercício do trabalho em condições insalubres, perigosas e penosas), blocos de notas de produtor rural e fichas de sindicatos (para comprovar o exercício do trabalho rural), carteiras de trabalho, guias de recolhimento, holerites (para comprovar o exercício do trabalho urbano), além de certidões e declarações emitidas em períodos pretéritos, fundamentais, por exemplo, para o reconhecimento da união estável e da dependência econômica.
Com o extravio destes documentos, e não havendo o registro deles nas bases governamentais, não será possível aos cidadãos atingidos pelas águas comprovarem o seu direito às prestações previdenciárias. Esta é a problemática central do presente artigo e, com base nela, se pretende propor algumas medidas específicas para o seu enfrentamento.
A primeira medida proposta é elementar: deverá o INSS coordenar uma campanha para que a perda destes documentos seja, desde já, devidamente registrada em ocorrência policial, uma vez que a lei previdenciária excepciona o rigor documental para os casos em que, contemporaneamente, o cidadão comunica o seu extravio à autoridade de polícia. Esta medida, inevitavelmente, precisa ser pensada desde já. O INSS não deve unicamente divulgá-la. Deverá ir além e tomar a responsabilidade de convocar e orientar a população acerca da forma correta de efetuar estes registros, que deverão contar com informações precisas e adequadas.

Uma segunda medida para o enfrentamento do extravio em massa de documentos em face da calamidade pública no Rio Grande do Sul é que o INSS obtenha a ciência formal de quais são as pessoas diretamente atingidas pelas enchentes, através da criação de um cadastro. Este banco de dados será valioso e poderá servir para múltiplos propósitos. Dentre eles, mitigar o rigor documental para determinados tipos de provas para aquelas pessoas inscritas no cadastro (o que poderá ser disciplinado, no âmbito interno do INSS, por meio da edição de uma instrução normativa). Pela mesma lógica, o referido cadastro poderá, ainda, servir ao Poder Judiciário, junto às ações judiciais, visando também a auxiliar os juízes na flexibilização de entendimentos rigorosos com relação à prova documental previdenciária. Quanto a este último ponto, é de suma importância que o tema seja debatido junto ao Fórum Interinstitucional Previdenciário da 4ª região. O cadastro poderá, ainda, subsidiar uma norma que garanta a suspensão da contagem de prazos do período de graça e a garanta da manutenção da qualidade de segurado no período, em razão da impossibilitada de trabalhar à época.
Por fim, propõe-se uma importante ação concreta relacionada à automação. É urgente que a Previdência Social avance cada vez mais na interoperabilidade entre as bases governamentais e privadas, permitindo maior amplitude no cruzamento de dados e no reconhecimento automático de direitos, assim como na consolidação de processos digitais. Um caso emblemático atual, neste sentido, capaz de demonstrar a relevância da automação, é o serviço do INSS denominado ATESTMED, que permite o reconhecimento da incapacidade para o trabalho ou atividade habitual de forma remota.
     Muitos serão os reflexos da enchente na sociedade civil gaúcha. Sem dúvidas que, no âmbito previdenciário, eles serão reais e demandarão um olhar cuidadoso por parte das autoridades, pois se está tratando de direitos fundamentais para a cidadania.

Dr. Alexandre Triches
Advogado, associado do IARGS e professor
https://schumachertriches.com.br/


Biografia:
Mestre em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Coordenador do Curso de Pós Graduação em Direito Previdenciário e do Trabalho da Faculdade Cenecista de Osório – FACOS Professor no Curso de Graduação em Direito da Faculdade Cenecista de Osório – Cnec/Facos Professor do Curso de Especialização em Direito Previdenciário da Uniritter / Facos/ Imed / Iesa Santo Angelo / Unisc/ Feevale Palestrante em eventos acerca da temática Previdenciária e autor de obras sobre Direito Previdenciário.
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