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A Janela Parte II
fernando ceravolo

25.01.2021

Fluía pelo nada extasiado pela intensa e profunda sensação de liberdade. Foi muito, muito alto, quase na estratosfera, vendo a curvatura da terra no intenso negro do infinito. As miríades de pontos brilhantes das constelações iluminavam para ele, essa maravilha acima e abaixo da sua cabeça.

Cabeça? Seguia disforme, sem imagem, inorgânico, mas as sensações eram reais, como se mantivesse a integralidade do seu ser. Não importava, sentia somente, era o que importava. E como sentia? Sim, como sentia!

Viu novamente a sua janela e ele lá estático. Olhos fixos e atônitos, inerte e entorpecido, sem nenhuma reação. Era estranha a visão de si mesmo.

Foi ao seu encontro. Encarou o seu corpo paralisado, de tronco avançado através da janela do quarto, tal qual uma estátua. Começou a avaliar-se curioso e com minúcia, perscrutou o seu rosto ovalado, o nariz e as orelhas alongados, a boca de palhaço, as rugas em volta de seus olhos cansados. Nunca ficara tanto tempo se observando como agora e das vezes em que fizera no espelho, achava ser outra pessoa, não aquela imagem refletida, até irreconhecível. Quem sou eu? Não sabemos como e quem somos, pensou. Pensou? Sim, pensava!

Um sopro gélido tirou-lhe do estado de torpor em que estava. Deduziu ser a deusa. Sentiu a sua presença envolvendo-o com seu manto de sombra flutuante e difuso, como um abraço amorfo, dizendo-lhe no seu cantar sedutor e gutural de sereia:

-Não é uma sensação maravilhosa? Veja, está fora do corpo, livre para ir aonde quiser, como quiser e ao tempo que quiser. Não há limites!

As palavras ditas eram escritas no espaço por fumaças alongadas e disformes, diluindo-se na noite em pontículos que iam se misturando ao negro do firmamento.

Um leve sorriso apareceu em seu rosto estático e petrificado junto à janela, talvez sentindo a mesma sensação que tivera ele ao fluir livre e solto pelo nada, extasiado de liberdade. Era um só ser.

-Sim, maravilhosa sensação! – respondeu ele dependurado na janela, de olhar esbugalhado, sem expressão.

A noite ia transformando-se na aurora de um novo dia e as sombras da deusa foram dissipando, incorporando-se ao escuro do infinito. Desvaneceu-se, sumiu.

Seu ser disforme começou a se reintegrar. Suas minúsculas partículas incorporavam-se a ele no peitoril da janela, como uma enorme nuvem de microscópicos seres como ele voltando ao seu casulo, reconstituindo-o como o ser humano que era. Voltara e ser ele, formado pelos seus milhões de pequenos seres.

Abriu de chofre os olhos amedrontados e viu como proeminente estava na janela, quase caindo, recuou violentamente para o interior do seu quarto, assustado. Ficou parado em pé, pensando se fora real ou irreal tudo o que sentira. Um sonho?

Estava lúcido, revisando com a sua mente ativa e excitada cada momento daquela noite. Uma realidade instigante, palpável até, mas talvez não passasse só de um sonho. Ficou intrigado, mas calmo e em paz consigo. Sorriu placidamente e feliz.

O dia raiava com o sol colorindo as nuvens de tons rosa avermelhados. A cidade acordava.

Observava a janela a sua frente estática e fria, sem vida, mas ameaçadora e testemunha real de tudo o que se passara. Viu a sua cama marcada pelo seu dormir. Cansado, deitou-se e pensou: eu voltei a ser o meu ser. Voltei mesmo? Sou eu aqui? Onde estará ela? Sabia que a reencontraria logo, mas quem, ele ou seu ser? E quem era o seu ser? Questionava-se voltando a dormir no início de mais um dia. Ela não apareceria, será?


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