Juro que não fui eu quem encomendou este tédio de domingo cinzento e chuvoso. Embora eu goste de tango – En esta tarde gris – não tenho o poder meteorológico, ou divino, de comandar esses acontecimentos, muitas vezes inesperados e mais parecidos com um “breve” contra a diversão, ou tesão conforme o caso. Se o tivesse , mandaria este dilúvio para o nordeste. Fica até parecendo um “remake” da Escolha de Sophia: Queimado ou afogado?
E o tempo andou tão rápido que hoje já é terça-feira. Volto eu a despejar minhas sensações nestas folhas brancas. Deflorar folhas, nesta altura dos acontecimentos, é o que me resta.
À noite sonhei, foi pesadelo, com tantas perdas que me perguntava se eu teria tanto a perder se quase nada tinha. Fico então a filosofar, melhor é não ter nada e consequentemente nada a perder. Comodismo ou até mesmo covardia.
O meu herói seria aquele que inventasse um detergente cerebral. Não injetável, mas acondicionado numa capsula, parecida com as indicadas para a asma ou outros aleijões respiratórios. Você coloca num aparelhinho plástico, aperta entre dois dedos, fura e aspira. Há um barulhinho de borboletas em festa e o pó atinge a garganta, o resto , a alma e a respiração engole todo o ar que a vida te negou.
Voltando ao detergente, este limparia toda a sujeira que guardavas na memória. Esfregando bem até os mais gordurosos registros desapareceriam. Poderiamos então ter os mais limpos pensamentos, devidamente higienizados e prontos para o consumo. Não estou querendo excluir pensamentos de cunho sexual, estou querendo apenas me fixar no aspecto estético .
E assim, quem sabe, recobraríamos a fé, perdoaríamos e seríamos perdoados, doaríamos não só os órgãos , mas o que de bom ocupasse nossas almas e faríamos do amor o pão nosso de cada dia.
Rio, 22/09/2020
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