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Fora da memória
Aline Oliveira Ramos

Depois de tanto trabalhar diante do computador por horas, Melissa tirou os óculos de desing moderno, feitos sob medida, apertou bem seus olhos e respirou profundamente. Pensou em descansar por algum tempo. Estava tão empenhada em terminar o seu complexo trabalho, que não percebeu ter enfrentado a madrugada inteira, toda a parte da manhã e metade da tarde. Ela merecia um descanso, físico e mental. Então, de modo abrupto e repentino, como se tivesse uma grande ideia e precisasse colocá-la em prática imediatamente, se levantou e seguiu para a cama.



Um modelo antigo, de enorme cabeceira e um colchão king size revestido com lençóis de fios egípcios importados. Que se encontrava em meio a um quarto inspirado e projetado minunciosamente por ela mesma. Era uma mulher cheia de ideias e se orgulhava disso. Achava ostentoso ter um quarto projetado por algum designer de interiores de renome, quando ela mesma podia fazer. O ambiente tinha a sua alma impressa nele. Era feminino, contemporâneo e elegante. A parede central, ganhara um vermelho Bourbon intenso, que harmonizava bem com o nude discreto das outras paredes. O charme do quarto, ficava por conta da escrivaninha em estilo provençal. Vermelha, vibrante e ousada. Juntamente com as duas mesinhas instaladas uma em cada canto da cama, também em tom de vermelho, porém, mais fechado. Cada uma levava consigo, um abajur delicado e com desenhos feitos à mão. No canto direito da cama, havia uma poltrona elegante de braços dourados, em cima de um tapete macio, que ela amava enfiar os dedinhos gelados.



Em frente à poltrona, tinha um banquinho cheio de livros em cima dele. Melissa era uma mulher inteligente. Gostava de literatura. Não dispensava um bom Drummond, José de Alencar e os contos complexos de Lígia Fagundes Telles. Mas também, gostava de histórias românticas. No que havia de melhor da chamada literatura de entretenimento. Era uma espécie de Madame Bovary moderna. Lia de tudo e se via dentro de cada história. Seu último romance, era de Machado de Assis, ambientado no século XVIII. E era ali, naquele lugar quente, aconchegante e acolhedor que ela vivia essas histórias. Longe da vida corrida que levava como publicitária. Era o lugar preferido de Melissa. Seu refúgio particular. Aonde ela se acolhia depois de um dia duro e cansativo. E foi exatamente o que ela fez. Se aninhou em meio à um cobertor de lã, em plena tarde de inverno e sonhou.



Após outras longas horas, Melissa despertou. Estava se sentindo tão bem depois de um longo período de descanso, que resolveu sair e dar uma volta pela cidade. Era finalzinho da tarde, a cidade estava bonita. O pôr do sol lentamente se escondia atrás da Serra de São José e os comerciantes já fechavam as portas dos seus estabelecimentos. Melissa tirou o seu casaco, o clima era agradável e já não fazia tanto frio. Ela andava pelas ruas de pedra tão despreocupada e sorridente, que se perguntou porque não passeava mais vezes. Resolveu subir a rua do Centro Histórico. Era de assustar o tamanho da ladeira que levava até à Igreja Matriz de Santo Antônio. Mas compensava. Quando chegou ao destino, seus olhos se encheram de brilho pelo que via. A Igreja decorada pela arte barroca, era deslumbrante, linda e poderosa. O ouro prevalecia por toda a Matriz. Melissa se sentia tão revigorada diante tamanha beleza, que saiu da Igreja ainda mais feliz.



Quando desceu a ladeira enquanto olhava as casas de arquitetura singular, ela percebeu que estava anoitecendo. As lojas que haviam fechado, deram lugar aos restaurantes que começavam a encher os becos de charme. Com suas mesinhas de lençóis brancos e velas acesas. Era uma noite agradável, o clima estava quente e ventava muito. Uma boa pedida para um bom espumante. Então, Melissa entrou em um restaurante que de longe se ouvia música popular brasileira da melhor qualidade. Ela pediu a carta de vinhos e resolveu se sentar em uma mesinha do lado de fora. Enquanto esperava o Sommelier, ela olhou em volta. Haviam pessoas de todas as culturas do país. Sentadas nas mesinhas, conversando e sorrindo. Som de música ao vivo vindo de outros bares e turistas andando pela feira em volta da praça. A noite estava animada e era apenas uma criança, tudo podia acontecer. De repente, ela olhou para um homem sentado sozinho em uma mesa à sua frente, a observando. De relance pareceu atraente, então Melissa respirou fundo (como sempre gostava de fazer), tomou coragem e olhou novamente. Era bonito. Bonito e sedutor. A olhava sorrindo e erguendo a taça de vinho para ela. Dessa vez, Melissa tirou os olhos dos dele sorrindo desconcertada e de cabeça baixa. Nesse mesmo momento, o Sommelier apareceu, bloqueando a visão do homem misterioso. E enquanto ele se preparava para fazer a indicação dos vinhos, o homem se levantou de sua mesa, pediu um espumante Rosé Casa Perini e a pediu para se sentar com ela. Melissa, totalmente sem reação diante essa atitude inesperada, respondeu que sim.



O nome dele era Carlos Eduardo. Ele era um historiador e morava naquela cidade por opção. Por amar a história daquele lugar. Conversaram por muito tempo e tomaram duas garrafas do espumante. Melissa se interessou imediatamente por ele. Ela se sentia sensual, admirada pelos olhares intensos de Carlos Eduardo. Ele por sua vez, não escondia o quanto ela o interessava. O que a deixava, cada vez mais sem graça e já não conseguia disfarçar o sorriso bobo. O papo era agradável, tinham muitas coisas em comum e a química entre os dois, era evidente. Foram interrompidos por dois violeiros, que começaram a fazer uma breve apresentação no meio da rua. O que tornou aquele momento único e totalmente inebriante. Carlos Eduardo a chamou para dançar. Mesmo percebendo que estava um pouco embriagada quando se levantou, Melissa se sentiu tão bem e leve, que aceitou o pedido. Então, enquanto apoiava suas mãos nos ombros de Carlos Eduardo para se firmar, lembrou que não dançava. Não sabia um passo de nada e para ser franca, nunca foi boa nessas coisas. Mas parecia que naquele instante, nada daquilo importava. O clima das pessoas em volta, era de total distração e ninguém pareceu notar sua falta de jeito. Nem mesmo Carlos Eduardo, que estava em sua frente. O desejo dos dois, esse sim, era perceptível. Com a aproximação dos corpos, a respiração deles ficava ainda mais ofegante. E o silêncio imperou. De repente tudo em volta parecia passar rápido demais, em comparação aos dois, que se movimentavam lentamente. Era tudo perfeito, sem falhas. Melissa tentou puxar em sua memória, se havia conhecido um homem tão interessante quanto ele. Ou se já tinha passado uma noite tão agradável quanto aquela. Mas parecia que vivia tudo pela primeira vez. A experiência única de uma noite assim, tão mágica. Sem nenhum defeito aparente.



Depois da dança, resolveram andar um pouco e se afastar de toda aquela agitação. Carlos Eduardo levou outra garrafa e os dois saíram cada um com uma taça nas mãos. O proprietário pareceu não se importar, ou pensou Melissa, poderia ter caído no papo de Carlos Eduardo que o enrolou com a sua conversa naturalmente sedutora e cativante. Mas não importava, ela só queria se divertir. Não tinha ideia que depois de um dia tão cansativo como o que passou, iria acabar nessa noite incrível ao lado desse homem. Andando pelas ruas de paralelepípedos que haviam em toda a cidade, Melissa e Carlos Eduardo se conheceram melhor. Eram amantes declarados daquela bela cidade e em cada viela ou beco que passavam, Melissa se sentia dentro de um romance de Assis. Carlos Eduardo recitava poemas a ela, enquanto agarrava os braços em sua cintura. Era um galanteador e sinceramente, ela não enxergava um amor duradouro. Para ela, aquilo não tinha a menor relevância, era aquele momento ali, que estava valendo viver. A terceira garrafa do vinho gaúcho, estava chegando ao fim e os dois já haviam perdido aquela educação inicial de todo primeiro encontro. Se tornando cada vez mais íntimos. Estavam soltos, gargalhavam às alturas, trocavam confidências. Revelavam aos poucos cada um, um segredo. Eram como antigos amantes, que reviviam a paixão da juventude. Falavam sobre a vida, sobre sonhos e expectativas. Até chegar em um momento, que palavras não tinham mais espaço entre os dois. Era inútil enrolar mais um minuto, naquele momento que era inevitável acontecer. Então, Carlos Eduardo a levou até um murinho tomado por plantas e empurrou levemente o seu corpo contra o dela. Os dois se entreolharam por um tempo. Melissa tentou disfarçar o nervosismo aparente e se concentrou em seus olhos esverdeados e enigmáticos. Ele então, olhou diretamente em seus lábios trêmulos, passou lentamente os dedos neles, como se quisesse torturá-la com a espera, desceu as mãos em seu pescoço, aproximando sua boca nele. Respirou ofegante, enquanto subiu novamente até seus lábios e a beijou. Melissa se entregou àquele beijo. De olhos bem fechados, ela quis sentir toda aquela intensidade trazida por esse sujeito encantador. E sentiu. Sentiu os lábios dele contra os seus, o cheiro, que penetrava até mesmo a sua alma, suas mãos, que pareciam saber exatamente aonde ir e seu corpo contra o dela. Quando finalmente abriu os olhos, ela despertou.



Melissa se viu em sua cama King size novamente. Estava amanhecendo. O sol começava a esquentar e a iluminar todo o quarto. Do lado de fora do seu apartamento, ela conseguia ouvir o frenético som dos carros da Avenida Paulista, numa São Paulo barulhenta, engolida pelo trânsito e pela pressa. Estava ali o tempo todo e tudo aquilo que viveu, foi apenas um sonho. Ela não passeou naquelas ruas encantadoras de Tiradentes, não conheceu nenhum sedutor chamado Carlos Eduardo e muito menos viveu um romance com ele. Era apenas uma ilusão. Desejou tanto viver toda aquela experiência, que se perdeu no seu complexo mundo imaginário. Quando percebeu que tudo aquilo era invenção de sua mente fértil, lamentou. Depois daquele sonho, Melissa foi retomando aos poucos a sua vida, com toda aquela correria da sua profissão. Enfrentando longos trabalhos com prazos de entrega. Foi se acostumando com a sua rotina novamente. Sempre foi uma vida agitada, mas se sentia realizada e feliz. Com o tempo, Melissa aprendeu a viver entre esses dois mundos. E sempre quando enfrentava um dia difícil, ela caminhava até o aconchego do seu quarto, mergulhava em algum romance antigo e fechava os seus olhos. Para penetrar em um mundo fora da sua memória. Aquele que ela visitava apenas em sua imaginação, aonde viviam seus melhores sonhos.



Aline O. Ramos








Biografia:
Libriana, eternamente dividida entre a razão de uma vida equilibrada e a emoção do desejo de ser impulsiva.
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