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O homem que queria sorrir
Mauro Antonio Guari

O homem que queria sorrir

(Adaptação livre de uma conversa ouvida no rádio, desconheço o autor)
Although I laugh and I act like a clown
Beneath this mask I am a frown (I`m a looser – The Beatles)

     Numa dessas pequenas cidades criadas à beira de um rio, ou ao lado de uma ferrovia, ou mesmo em um desses sítios agradáveis, onde, antigamente os tropeiros paravam; nesta cidade, aconteceu de algumas pessoas mandarem seus filhos estudarem em uma cidade maior, mais cheias de carros, escolas, recursos e de uma coisa que encantava os homens das cidades pequenas, edifícios. Coisa estranha os edifícios, casas construídas umas em cima das outras, muitas pessoas da pequena cidade, a maioria, achavam estas construções muito chiques, pois eles davam às cidades o mérito de serem cidades grandes.
     Ocorreu certa vez que em uma dessas cidades do interior do mundo, havia um homem muito triste, de uma tristeza que dava dó, tristeza/melancolia.
     O homem só não chorava, mas não tinha a mínima alegria, não se importava com nada, para ele tanto fazia se chovia, se estava com sol, tanto fazia haver flores ou não, tanto fazia haver ou não música. Sua única companhia era um cão marrom, pequeno cão, que algum morador da cidade jocosamente havia colocado o nome de Átropos.
     Um homem sentado no banco de uma praça em uma cidade pequena, mudo, sem rir, sem chorar, olhos vidrados no nada.
     As pessoas da cidade começaram a se incomodar com aquilo, é sabido que as pessoas se medem pelo olhar do outro, portanto é sabido também que tanto a alegria como a tristeza em excesso perturbam a paz de espírito das pessoas.
     Reuniram-se em conselho e decidiram fazer alguma coisa, aquilo já não podia continuar, é certo que a vida da maioria das pessoas não é nenhum mar de rosas, todos sabemos disso, mas aquele excesso de tristeza já era demais.
     Pegaram o homem à força, aliás força é pura força de expressão, pois o homem não esboçou reação nenhuma, quem reagiu foi Átropos que não queria de forma nenhuma a separação com seu dono. O cão foi dominado e colocado em um canil municipal de uma cidade vizinha e até dizem que lá conheceu uma linda poodle afrancesada e constituiu familia, dizem, ninguém sabe ao certo. Certo é que Átropos jamais voltou para a pequena cidade.
     Levaram o homem triste para um dos moços que tinha acabado de voltar da cidade grande com um diploma, tinha aberto consultório e na frente colocou uma placa: Médico Psiquiatra, o jovem doutor também tinha espalhado alguns panfletos pela cidade, explicando que a sua ciência tratava disturbios mentais. Os habitantes da pequena cidade não tiveram dúvidas e levaram para lá o homem triste. Chegaram com o homem e falaram para o jovem doutor:
     “O senhor faz favor, usa das suas ciências e faz este homem rir ou mesmo chorar, o que não pode é ele continuar na nossa praça olhando para o ar.”
     Meu primeiro cliente pensou o doutor. - E parace ser uma coisa fácil de resolver, perguntou ao homem:
     “O senhor quer sorrir ou chorar?”
     “Tanto faz, mas se eu puder escolher, eu prefiro rir.”
     O graduado olhou, olhou, coçou a barba, passou a mão pelos cabelos, tomou a pressão, olhou os olhos, a língua, auscultou e finalmente diagnosticou:
     “O senhor precisa caminhar. É sabido que um bom exercício físico faz um bem danado a saúde, caminhe, você vai melhorar.”
     “Vou mesmo?”
     “Vai, enfatizou o médico.”
     “Então vou fazer isso.”
     “Faça e volte daqui uma semana.”
     Passou-se uma semana e voltaram os habitantes da cidade com o homem.
     “Não adiantou nada, ele caminha e volta a se sentar no banco da praça, triste, melancólico.”
     O jovem médico pensou consigo mesmo – Arrumei foi uma bela casca de ferida,mas vamos lá; afinal eu estudei para isso e voltou a ler seus esculápios, seus tratados, suas conferências, olhou para o homem e perguntou. ¬– O senhor quer ser feliz? Quer admirar as belezas do mundo?
     “Quero sim, senhor doutor.”
     “Então o senhor vai ter que tomar muito suco de caju, mas caju de Sergipe com rabanetes.”
     “Isso vai me curar?”
     “Vai e junto com o suco tome também estes comprimidos, mas não se esqueça; caju de Sergipe.”
     “Os rabanetes também?”
     “Não, os rabanetes podem ser de qualquer lugar.”
     Passou mais uma semana e os habitantes da cidade voltam com o homem.
     “Voltou lá prá praça, triste e melancólico, parece que nada pode curar este homem.”
     O médico não desistia fácil, tinha lá seus brios, não podia perder logo com seu primeiro paciente, mas tinha que admitir que estava em uma bela sinuca de bico, perguntou:
     “O senhor tomou dieitinho o que eu receitei?”
     “Sim, só não encontrei cajus de Sergipe, tomei com os daqui mesmo, será que faz diferença?”
     O médico balançou negativamente a cabeça. – Diga lá, o senhor não sente nenhuma vontade de rir um pouco com tanta coisa engraçada e bonita que existe no mundo?”
     “Não.”        
     “Senta e espera um pouco.” O doutor fez telefonemas via skipe com colegas longínquos e mais próximos, trocou emails, coçou os olhos, rezou um pouco e voltou ao paciente.
     “Conversei com colegas que estão há mais tempo exercendo a prática, vou passar um lista de coisas para fazer, faz apenas uma por semana, daqui há quatro semanas, você volta, melhor dizendo, os habitantes da cidade vão voltar com você, se sentir melhora com alguma das atividades pode voltar antes. Na primeira semana você vai capinar mato alto, na segunda vai plantar flores, na terceira fazer palavras cruzadas e na quarta e última vai aprender a fazer tricô ou crochê ou as duas coisas, está bem?”
     “Está, vou fazer tudo.”
     O médico tinha que admitir, o homem queria ser curado, todas as receitas foram cumpridas a risca, menos o caju do Sergipe.
     Passaram as quatro semanas e lá vieram novamente os cidadãos com o homem triste.
     “Nada? Nem um sorrizinho amarelo?”
     “Nada.”
     Ficando a sós com o homem, o médico disse:
     “Tentei tudo que sabia, estou a ponto de dependurar as chuteiras, acho que seu destino é ser triste mesmo.”
     O homem baixou os olhos e só não ficou mais triste porque era humanamente impossível ser mais triste.
     “Espera.” Disse o médico com cara de eureka. – Eu acho que encontrei a solução.
     “E qual seria?”
     “No arrebalde da cidade tem um circo, fui lá no final de semana, neste circo existe um palhaço que é supimpa, espetacular, faz todo mundo rir, seja velho, criança, homem mulher, não há quem escape das suas graças, todo mundo saiu de lá praticamente borrado de tanto rir, eu tenho a impressão que o palhaço faz até papagaio rir, hoje a noite tem sessão, vá lá, amanhã quando conversarmos, você ainda vai estar rindo.”
     - Aquele circo com lona vermelha, lá na última rua da cidade?
     “Sim.”
     - Aquele palhaço com chapeuzinho azul e nariz amarelo?
     “Aquele mesmo, você o conheçe?”
     - Doutor, sinto informar e eu sinto muito mais que o senhor, que o meu caso realmente não tem a mínima possibilidade de cura.
     “ Oras bolas, Por quê?
     - Porque aquele palhaço que faz todo mundo rir, inclusive o senhor, aquele palhaço que é a encarnação da alegria na terra, aquele palhaço doutor, sou eu.




         


Biografia:
Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, professor da rede estadual de ensino.
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