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O dilema da literatura na era do espetáculo
Jorge Fernando dos Santos*





Coragem é para poucos num país de gente acostumada a levar vantagem. O escritor Fabrício Capinejar provou ser um desses poucos ao publicar uma carta aberta aos organizadores da 27ª Feira do Livro de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, cancelando sua participação no evento.

O motivo foi a divulgação da notícia de que o patrono da feira deste ano, o rapper Gabriel, o Pensador, receberia um cachê de R$ 170 mil para participar. Para Capinejar, o anúncio do pagamento ao músico (que diz admirar) é “uma afronta às vésperas de pleito eleitoral”.

“Literatura não deve ser feita para atrair público, e sim para formar público”, ressalta o escritor gaúcho, alertando que com o valor do cachê cobrado pelo rapper seria possível abrir bibliotecas ou mesmo realizar outras feiras literárias.

Sua atitude aponta o equívoco que geralmente é praticado pelos organizadores de eventos literários no país. Em vez de privilegiar as escolas, criando condições para que estudantes de todas as idades tenham acesso aos livros e seus respectivos autores, as bienais, festas e feiras acabam aderindo à cultura do espetáculo.

Formação de leitores

Uma coisa é promover um evento que vise realmente à formação de leitores, estimulando, sobretudo, crianças e jovens a descobrirem as maravilhas da literatura. Outra é realizar algo meramente comercial e espetacular, repleto de estrelas midiáticas pagas a peso de ouro.

Claro que os participantes de eventos literários devem ser devidamente remunerados, pois o escritor também tem contas a pagar e jamais deveria trabalhar de graça. Mas há que se obedecer a certa lógica, sem discriminar esse ou aquele convidado com cachês abaixo ou muito acima da média. Contudo, é notória a preferência pelos “famosos” ou queridinhos da mídia, justamente pelo fato de atraírem público.

No ensaio La civilización del espectáculo (Alfaguara), o prêmio Nobel Mario Vargas Llosa alerta para os riscos que corremos hoje: “Como no hay manera de saber qué cosa es cultura, todo lo es y ya nada lo es”. Nesse sentido, aqueles que se encarregam de organizar eventos literários deveriam levar em conta a natureza do livro e da própria literatura.

Numa sociedade que cultua o entretenimento, o hábito da leitura deveria se destacar justamente por contrariar a cultura do espetáculo. Literatura requer recolhimento, tanto para ser produzida quanto para ser consumida. Portanto, não pode ser considerada igual ao cinema, ao teatro ou aos shows musicais, embora esteja na raiz dessas artes.

Sutil conspiração

Em entrevista ao jornal El Pais, Vagas Llosa reclama que se sente indefeso frente a uma sutil conspiração. Para ele, a cultura do espetáculo está anestesiando os intelectuais e desarmando o jornalismo, criando na política um espaço onde ganham terreno o cinismo e a tolerância com a corrupção.

Por tudo isso, ao se recusar a participar de um dos eventos literários mais importantes do país, Fabrício Capinejar nos alerta para o risco de promover o livro e a leitura por um viés equivocado. Uma política séria de divulgação da literatura e de promoção da leitura deveria optar pela qualidade e não pela quantidade de público.

O problema é que geralmente as bienais, festas e feiras literárias são realizadas com recursos de leis de incentivo à cultura. Como esses recursos advêm de patrocinadores mediante a renúncia fiscal, estes desejam que o evento que conta com sua chancela seja coroado de sucesso. Nesse caso, sucesso significa exibir a marca ao maior número possível de consumidores.

A política de estímulo ao livro e à leitura deveria ser obra dos governos, sobretudo federal, mesmo sem dispensar o apoio da iniciativa privada. Esse tipo de iniciativa não pode ficar refém das leis de incentivo, que funcionam bem no que diz respeito ao entretenimento e ao espetáculo. Afinal, livro e leitura dialogam diretamente com educação, obrigação do estado garantida pela Constituição Federal.














Biografia:
* Jornalista e escritor em Belo Horizonte, autor de 40 livros, acaba de publicar “Alguém tem que ficar no gol” (SM Edições), “Ave Viola – Cordel da viola caipira” (Paulus), “O Menino e a Rolinha” e “O menino que perdeu a sombra” (Positivo).
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