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O Último Amor de Dona Carlota
Lucineide Souto

Resumo:
Dona Carlota, uma velha senhora de uma cidadezinha do inteirior que não se casara, guardava uma história amrga que lhe entristecera os dias.

O último Amor de dona Carlota



Estava dona Carlota à calçada exibindo-se em um vestido azul-marinho de gola de renda branca. Anéis, brincos, cordões, pulseiras e colar com pingente adornavam sua feiúra de vitalina de sessenta anos. Os cabelos eram todos brancos e o rosto enrugado. As pernas zambetas e os pés, mais pareciam dois machados enfiados em pau torto. Mas a velha donzela não perdera as esperanças de casar. Recebera por morte dos pais uma grande herança e depois, por morte da irmã solteira, herdara também uma boa soma. Morava em um palacete na pracinha da cidade. Sua família hoje era apenas o irmão Totonho, os cinco filhos e os netos deste. A esposa morrera de uma ferida braba, já tem seis anos – disse Quirina, certa vez. A filha mais nova, a Emília, desde pequena fora criada por dona Carlota que lhe patrocinou a melhor educação: estudou em colégio de freiras; lá, aprendeu a bordar, costurar, pintar, tocar
piano e cozinhar.

Numa tarde quente de outubro de l952, chegou à cidadezinha um agrônomo contratado pelo governo para estudar a região que via chuva apenas duas vezes em cinco ou seis anos. A terra seca parecia emersa de um deserto vermelho. Se lhe derramavam um pouco d´água, em segundo era tragado, sem deixar sequer um vestígio de sua passagem.

O agrônomo um jovem de uns vinte e cinco anos, tinha uma beleza rara e um sorriso envolvente. Logo ao chegar, seus olhos descobriram Emília à porta do palacete. A moça retribuiu o cumprimento do rapaz, todavia, ela não podia aproximar-se porque o moço era um forasteiro.

Por ocasião da missa do domingo o doutorzinho acomodou-se no banco onde Emília se sentara e seu olhar não se despregava do belo rosto da jovem. As outras moças da cidade iniciaram a temporada de caça. Armaram todos os laços, arapucas, armadilhas, tocaias, sem lograr êxito, o doutor Aldo só enxergava Emília.

Com o passar dos dias o rapaz e a moça puderam conversar em um banco no adro da igreja. Foi amor à primeira vista.

Emília conversou com dona Carlota para aceitar a visita de Aldo. Como a velha foi a vida inteira uma caçadora nata, não se opôs ao romance da sobrinha que criara como filha.

Aldo sentia-se pouco à vontade na presença de dona Carlota que lhe dirigia olhares lânguidos e intencionais. A mulher costumava beijá-lo no rosto e alisar-lhe os cabelos. Dizia à Emília: -tenho o Aldo como um filho.

Passados quinze dias o rapaz retornou à Fortaleza para apresentar ao governo o relatório do seu trabalho. Antes de partir, garantiu à namorada que participaria a seus pais o desejo de contrair núpcias com ela e que no máximo dentro de dez dias estaria de volta. Que ela então preparasse o espírito de dona Carlota para essa realidade.

Emília confidenciou à tia a sua intenção de aceitar o pedido de Aldo.

A velha senhorita demonstrou contentamento com a notícia e na manhã seguinte ela e a sobrinha saíram para iniciar a compra do enxoval. Foi uma semana de muita atividade. Lojas, costureira, bordadeiras, rendeira e lavadeiras. Dona Carlota só tinha uma tristeza: Emília iria morar em Fortaleza. Ela ficaria sozinha naquele palacete que talvez passasse a ser mal-assombrado.

O trem parou na estação e o coração de Emília batia desordenadamente. Esperava que Aldo chegasse naquele dia, como ficara acertado.

Desceram os passageiros, gente mesmo do lugar e o Aldo não desceu. O trem deu partida. Emília entregou-se ao mais triste pressentimento: Aldo não mais voltaria. Lágrimas quentes turvavam-lhe a vista. O homem a quem tanto amava, por certo já não a queria. Mas somente dez dias os afastavam.

A tia Carlota, sentada à calçada, parecia uma joalheria ambulante: pingava ouro por todos os lados. Arrumara-se para a chegada de Aldo. Ao ver a sobrinha, indagou-lhe: - então, o que houve? Aldo não veio?

-     Não tia Carlota, ele não veio.

Tia e sobrinha, mortalmente decepcionadas, guardaram as cadeiras e fecharam a porta.

   Já passavam das vinte e uma horas quando uma pancada à porta de Carlota fez-se ouvir. Emília não se levantou. Dona Carlota mandou Tubeca para despachar o intruso; que não recebesse ninguém, fosse quem fosse. Daí a pouco a negrota retornou informando que era o doutor Aldo a pessoa que ela mandara embora. Assim informou à dona Carlota: - ele estava em um jipe com um velho e uma velha, mais um menino de uns treze anos.

Ao ouvir o relato de Tubeca dona Carlota enfureceu-se, desferindo forte pancada no rosto da pobre moleca. – Negra burra, para o Aldo você podia abrir a porta.

Emília vestiu-se às pressas e como um autômato atravessou a pracinha indo ao hotelzinho. À porta, viu o jipe parado. Entrou e deparou-se com Aldo e outras pessoas, de bagagem à mão ao pé do balcãozinho de madeira.

-     Aldo?

O rapaz voltou-se, olhou-a com desdém e não lhe deu resposta. Emília caminhou em sua direção, parou diante dele e falou: - Passei a tarde inteira na estação à sua espera. Veja meus olhos, se estiverem inchados foi de chorar temendo que você não voltasse. Não sei o que Tubeca lhe disse, mas tia Carlota deu ordem de não receber ninguém porque jamais imaginaria que você viesse de carro.

Aldo abriu-lhe um sorriso, pegou-lhe a mão e conduziu-a aos pais dele e ao irmão caçula, que vieram conhecer a moça por quem ele se apaixonara.

No dia seguinte, na casa de dona Carlota foi um festa danada. Ela, para impressionar os pais de Aldo, mandou preparar um banquete com tudo o que havia de melhor. Finda a festa, veio o pedido oficial de casamento. Seu Totonho ria com o tempo; sua filha daí a dois meses casar-se-ia com um engenheiro-agrônomo e iria morar na cidade grande.

     Passados cinco dias o carteiro entregou uma carta à dona Carlota; estava endereçada à Emília. A menina saíra. A carta queimava-lhe as mãos. Estava escrito em letras maiúsculas: REMETENTE: ALDO COSTA PINTO.

     Dona Carlota pôs água na chaleira e quando o vapor tornou-se denso, passou o envelope para lá e para cá, até conseguir abri-lo. Trancou-se sentou-se e iniciou a leitura:

-     Inesquecível Emília, estou com muitas saudades de ti. Conto os dias de rever-te. Nunca pensei amar alguém tanto assim. Teu beijo foi a melhor coisa que já me aconteceu. Meu corpo treme quando recordo a leveza de tuas mãos em meu rosto. Sonho com o momento de levar-te ao altar e saber que a partir daquele momento serás toda minha. Meus dias tornam-se longos e as noites insuportáveis. Odeio o tempo que nos separa e vou fixando o olhar no mostrador do relógio que teima em caminhar vagarosamente. Mas se Deus assim o permitir, daqui há dez dias estarei aí juntinho de ti. Beijos, Aldo.

Dona Carlota beijou a carta várias vezes, depois colocou-a no envelope e dobrando-o ao meio acomodou-a dentro do califon. Deu uma volta por dentro de casa com a mão ajeitando o papel e pouco depois já estava trancada relendo palavra por palavra a carta de Aldo à Emília. E por toda a tarde a moça velha não mais saiu de seus aposentos.

Emília chegou à tardinha com os braços cheios de pacotes. Viera da costureira e da bordadeira. Trouxera vestidos, toalhas, lençóis, fronhas, enfim, peças para o seu enxoval. Estranhando a ausência da tia bateu à porta de seu quarto. Alguns minutos depois dona Carlota apareceu. Tinha uma fisionamia esquisita a qual Emília não conhecia. Seu olhar brilhava intensamente, mas o rosto parecia arder de ânsia.

-     Que foi tia Carlota? Aconteceu alguma coisa?

-     Não, Emília, nada aconteceu.

A mulher contiunuava ausente. Não colocara mais as cadeiras na calçada nem se vestira, nem se cobrira de jóias como fazia todas as tardes. Mal jantou, recolheu-se sem mesmo olhar o enxoval que a sobrinha trouxera. Também não lhe entregou a carta, sequer mencionou-a. Com o passar dos dias, sem que dona Carlota voltasse a agir como de costume, Emília começou a preocupar-se com o comportamento da tia. Mas a velhota estava sempre com a mesma resposta: -estou bem, não se preocupe.

Sábado à tarde Aldo parou o jipe à porta de dona Carlota. Através dsas persianas ela viu o rapaz descer com vários pacotes. Emília, indo ao encontro do noivo, não pôde se desviar do beijo que a tia assistiu por detrás da cortina.

Aquele beijo cortou o coração da vitalina. Abundantes lágrimas escorriam-lhe pelas faces e pé ante pé, caminhou para o quarto, cuja cama, nos últimos dias, estava cansada de suportar-lhe o peso. Ela quase já não saía de seus aposentos. Emília, excessivamente alegre com a chegada do noivo foi em busca da tia. Surpreendeu-se com a chave passada. Bateu à porta. Dona Carlota respondeu-lhe que estava com muita dor de cabeça.

-     Mas tia, o Aldo chegou.

Ante à insistência da sobrinha dona Carlota foi cumprimentar o rapaz. Suas mãos estavam geladas, as faces encaveiradas, mas o olhar brilhava intensamente. Aldo estendeu-lhe a mão, todavia dona Carlota abraçou-se a ele demoradamente. O rapaz surpreendeu-se com aquele pranto sentido, porém Emília ajuntou: Tia Carlota gosta muito de você.

À noite, depois do jantar, a família reuniu-se na sala para ouvir dona Carlota tocar piano. Seus dedos já não tinham agilidade devido à artrite, mesmo assim tocou Pour Elise, Fascinação, Serenata... Ao levantar-se, suas pernas trêmulas não sustentaram o peso do corpo. Aldo que estava próximo, amparou-a e conduziu-a nos braços à sua camarinha.

O rapaz surpreendeu-se com o luxo desmedido daquele ambiente. Cortinas de cetim e móveis estilo Luis XV, compunham a decoração. O teto era forrado de madeira encerada. Dois lustres de cristal dele pendiam enquanto mais dois aplicados à parede iluminavam uma grande tela bizantina de Nossa Senhora do Pepétuo Socorro. A cama   de cabeceira alta, entalhada, aonde se viam saindo de umas ramagens a cabeça de dois anjos, tinha à frente um baú de aproximadamente 1,50cm de comprimento por 1m de altura, todo trabalhado em couro e latão. No meio do quarto um grande tapete árabe, com uma mesa redonda e duas cadeiras de braços, forradas de veludo vermelho e madeira em folha de ouro. Por cima da mesa alguns livros e um jarro de porcelana, também trabalhado em ouro. O divã, junto à parede, tinha sua própria iluminação. Aldo, dantes nunca vira tanta riqueza em um quarto de mulher. Aliás, nem pensou que poderia existir ambiente tão lindo, principalmente numa pequenina cidade do interior do Ceará. Achava que só nos filmes isso existia. A mobília pertencera à mãe de dona Carlota, que herdara de sua avó.

Na manhã seguinte, o sobradão não comportava a gente da cidade que viera visitar dona Carlota pela última vez. Como a velha senhorita não descera às primeiras horas, como de costume, Tubeca bateu à porta; não obtendo resposta, foi em busca de Aldo que chamando os empregados, puseram a porta abaixo.

Emília não pôde sufocar o estridente grito ante a cena com a qual se deparara. Estava dona Carlota vestida em seu amarelecido vestido de noiva, guardado há mais de quarenta anos, ornamentada com as suas mais belas jóias, tesa em sua cama, com o véu torcido em redor de seu pescoço cujas mãos apertaram-no até o sufoco total. Pelo decote do vestido, o envelope com a carta de Aldo endereçada à Emília, todo amarrotada e tendo as letras borradas, talvez por lágrimas, empalideceu ao ler o que estava escrito por cima do envelope: Aldo, ao encontrares esta carta, terás a certeza de meu grande e eterno amor por ti.



























Biografia:
Nasceu em Crateús, CE no ano de 1945.Escritora, poeta e contista publicou 3 livretos sobre a fundação da Cidade de Fortaleza e um livro de contos Chame os Meninos. Tem alguns livros para publicação (contos, romance e poemas).
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Outros títulos do mesmo autor

Poesias Busca Lucineide Souto
Contos O Último Amor de Dona Carlota Lucineide Souto


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