Lindamente vi sorrir na minha frente aquela boca entorpecida de licor. Senti em meus ouvidos algo estonteante, ocasionado pela mente divagante que se solta pelo interior da sala onde nos encontramos, toda pintada de vermelho fogo. Os móveis começam a girar, e com eles os ventos alvoroçam nossos cabelos, deixando-os espalhados, como aquele monte de revistas que estavam sobre a mesinha minúscula do canto, perto do rádio antigo e estragado que ganhei de meus avós.
Tudo naquele ambiente soa perigo quando estou acompanhado daquela boca entorpecida. As línguas voam por todos os lugares, pois os olhos se encontram cerrados. Isso quer dizer que eles não vêem barreiras nem pudores. E se eles não conseguem ver, eu é que não vou me esforçar para isso. Então, quando estávamos quase dormindo sobre aquele sofá parcialmente manchado pelo tempo, alguém nos chama para sair... para passear um pouco. Coisa sem utilidade, no meu ponto de vista. Mas, enfim, dormimos de vez.
Em meus sonhos posso ver, sob uma camada de espessa fumaça, alguém dançando nas ruas úmidas enquanto todos, os que ali não estão, ouvem Rina Ketty numa suave e adorável canção que ecoa por todo o lugar. E eu, ainda no sonho, sento no meio-fio para ver o bailado, quase que desconsertante da bela moça com sua saia curta a mostrar, entre uma volta e outra, suas pernas roliças, separadas apenas por uma minúscula calcinha. Ah! Adorável desespero. E eu aqui, dormindo, feito um anjo... caído, de costas, neste sofá empoeirado. Como se fosse um lençol velho usado para cobrir móveis em casas abandonadas.
Então, quando eu já estava me refestelando sobre um mar de são sei o quê, fui acordado, sem motivo aparente, para fazer o desjejum. Ainda embriagado por um prazer impalpável percebo que ali não é uma casa conhecida. Casos que resolvo fazer o que deveria ter feito a tempos. Comer o máximo possível, depois, quando não mais agüentar com essa comilança toda resolvo dormir um pouco mais. Para, mais tarde, pegar pelas mãos daquela boca, ainda entorpecida, para caminhar pelas ruas até que nós nos percamos de uma vez.
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