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CRÔNICA DO AMOR POSSÍVEL - Parte 2 de 2
Alexandre Lucas Rezende Cordeiro

(Volto a falar do "Amor Possível Hoje", dos moinhos de vento do Homem de La Mancha e do quanto não basta para o "Amor Novo e Semanal" nem para o "Amor Estabelecido e Diário" o desejo constante de estar junto.)

A falta de tempo não deixa mais espaço para o prazer de sentir a presença do outro, seja na sala ao lado, seja na cidade ao lado, seja do outro lado do oceano. As coisas do "Novo Milênio" exigem muita atenção e não há mais lugar para aquela saudade de contar minutos. Ainda assim sempre existe quem quer um pouco mais dos bons sentimentos e emoções que essa vida doida/doída pode nos dar, e me incluo nesse time.
O que mais se vê hoje é uma correria desenfreada, todo mundo correndo sem saber prá onde e um cansaço enorme tomando conta até dos mais seguros, dos mais "analisados". Só se ouve falar em "correr atrás..." Mas correr atrás de quê? Isso ninguém sabe responder! Quando muito, o que se ouve como resposta é "correr atrás do prejuízo..." Eu acho melhor correr atrás da recuperação dos prejuízos e perdas em geral que, nessa altura da vida, já me são consideráveis. Correr, isso sim, atrás do lucro (por que não?...) desde que o lucro seja honesto e a corrida sem exageros, o que também é parte da vida. Afinal, o cansaço não é com a vida em si, mas com o que se tem de retorno dela. O cansaço da pouca recompensa pelo esforço, o cansaço do arrependimento pelo tempo perdido, pelas coisas não feitas nem ditas, pelas oportunidades e sonhos jogados no lixo. O cansaço das despedidas, umas temporárias, outras eternas, dos amigos que se foram prá outro estado e dos que se foram prá outro mundo. O cansaço com a falta de tempo para o amor e para o carinho. O cansaço com a ingratidão e a inveja. O cansaço de ver boas idéias tripudiadas e boas intenções escarnecidas. O grande cansaço pelas escolhas mal feitas!!!... Siiim, pois toda escolha envolve perdas e, no fundo, no fundo, ao fazermos uma escolha a nossa decisão é mais influenciada pelas opções que aceitamos perder do que pela opção escolhida (geralmente única).

(O poema a seguir é mais um pelo qual devo pedir desculpas ao autor - que desconheço. Ficou na memória apenas o fragmento abaixo.)

Se vê por ai essa gente
Que nem parece que é gente,
Que parece sempre doente,
E atrás disso tudo tanto se corre
Que um dia, num descuido
O cansaço vence o que resta
De gente dentro da gente.

O "Amor Estabelecido e Diário" também sofre com essa correria que marca tão profundamente a atual mudança de era. Sem o saldo positivo da distância cotidiana do namoro (sempre cheio de novidades) as contas individuais são integradas numa única e grande dívida, a ser resgatada com o crédito dos sentimentos depositados numa poupança cujo rendimento visa mais nos proteger dos custos da corrida que nos garantir investimentos de retorno eterno. Precisamos, diariamente, colocar um tanto de sonho e outro tanto de cautela em cada passo e em cada meta. Não podemos (sobre)viver sem dedicar ao trabalho, às vezes, um pouco mais de tempo do que o salário paga, não podemos (sobre)viver sem a internet para pagar as contas e fazer pesquisas, não podemos (sobre)viver sem algumas (muitas) pequenas (ou nem tanto) coisas que, aos poucos, vão se somando nesse ambiente estressado e gerando essas idéias quixotescas (no mau sentido). Basta um pequeno descuido e começamos mesmo a crer que "assim que acontecer isso ou aquilo" todo o resto vai se tornar melhor de repente. Essa visão distorcida nos faz perder de vista os fins por darmos excesso de atenção aos meios.
Por aí vamos, a cada moinho de vento, garantindo a sobrevivência e tentando manter a parte importante da VIDA no alcance visual. Ao menos em relação a alguns, a quem realmente damos importância, buscamos conhecer e nos dar a conhecer, sob pena de estacionarmos de vez frente ao moinho. Buscamos, de quem queremos receber a mesma importância, a mesma troca de (re)conhecimento pois esta é uma via que deve ser de mão dupla, sob pena de virar apenas um "depósito programado".

Por tudo isso não basta, para o "Amor Novo e Semanal" nem para o "Amor Estabelecido e Diário", o desejo constante de estar junto. No primeiro tipo existe a ilusão que sim, que basta essa vontade louca de estar junto, que basta um pão de forma e uma torradeira e todo o resto poderá "ser eterno enquanto durar". Pura bobagem, que não sobrevive mais que uns seis meses, se tanto. Todo mundo se lembra de algum dito popular que alerta quanto a isso, só que essa coisa meio idealista, meio romântica, está, cada dia mais, fora de moda. Em caso de dúvida pergunte aos seus conhecidos: sempre haverá alguém que passou pela experiência e saiu dela com um gosto amargo na boca, com a impressão que este planeta é habitado apenas por pessoas extremamente cínicas e cruéis e, portanto, não vale a pena SER mais nada que preste, é melhor transformar o que sobrou do seu tempo vivo num "toma lá dá cá" focado em contas bancárias (as de verdade, não as que usei na analogia acima...) e sexo cotidiano. Grande perigo! Daqui o "Amor Novo e Semanal" pode se transformar em uma espécie tremendamente nociva (ciberneticamente modificada) de "Amor Estabelecido e Diário".

No segundo tipo de Amor, o desejo constante de estar junto cresceu: agora é desejo de estar junto e BEM (mas atenção: se for a variedade mutante, o desejo some rápido...) e aqui entra uma enorme dose de bom senso, pois é necessário um acordo sobre o que é "BEM" (É claro que, a essa altura, os engraçadinhos de plantão deram esta definição como sendo "algo passível de avaliação monetária etc..." mas estou falando de outra coisa.) Outra armadilha fatal para os quixotes: colocar o "estar bem" em tal patamar que o "estar junto" passa a ser secundário, quando não um obstáculo!

"Amor não é a forma como eu me sinto em relação ao outro e sim a forma como eu me comporto em relação ao outro." (James C. Hunter em "O Monge e o Executivo")

É claro que o sentimento é o primordial nessa história, mas de nada adianta se estiver escondido sob uma carapaça de "tenhoquês" (tenho que ir ao banco ou ao shopping, tenho que dar comida ao cachorro, tenho que dar ordens à empregada...) O sentimento que vale é o que sobressai aos "tenhoquês" individuais e os transforma em tenhoquês a dois ou, melhor ainda, em "queroquês" conjuntos...!!! Aqui reside a arte do (con)viver, em oposição à do (sobre)viver. Buscar, manter e reavaliar diariamente o equilíbrio desse conjunto de "quês" é uma nobre arte, tão nobre quanto a da cavalaria, desde que os cavaleiros não sejam de tão "Triste Figura(1)".

(1) referência à forma como Dom Quixote se denominava.

Alexandre LUCAS - abril de 2001


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