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A Missão
Gabriel Arruda Burani

OBS: O presente conto ganhou o 4. Lugar no 3 Concurso de Contos da UNIMEP - 2007.




A Missão
Por: Gabriel Arruda Burani

__________________________________________________
Moscou. Madrugada de 10 de Dezembro de 1973
Clima: Inverno ameno. Neve caindo, céu iluminado pelas estrelas.
Missão: Execução, resgate de documentos
Local: Solar Holderhek
Alvo: Sra. Holderhek
Crime: Traição
Agentes: UrSo, MilFaces
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- A arma está carregada?
- Sim... mas não sei se devo ir.
- Não ir é traição contra a Nação. Não é bom que você se mostre um traidor...
- Eu sei.
- Está esfriando... vamos logo entrar.
Contornaram o jardim, onde a neve se acumulava sobre os canteiros e caminhos. As arvores estavam secas e a fonte desativada e congelada. Entraram no Solar pela porta dos fundos. Os criados ignoraram a sua entrada e continuaram a trabalhar. O salmão e as panquecas com caviar já cheiravam bem... Alice Holderhek jantaria bem esta noite. Somente nesta noite.
Os dois caminharam até um dos criados e este sorrindo olhou-os.
- Como está, senhor?
- Bem, Sr. Suco. Onde está a senhora?
- Em seus aposentos particulares, Slurga.
Saíram os dois da cozinha, deixando para trás o criado atencioso e o cheiro gostoso e fumegante da comida.
Na sala de jantar a mesa já estava posta. Os cristais e os talheres de prata já estavam em seus devidos lugares, postos sobre a toalha branca. Alguns criados traziam bandejas. Os dois cruzaram uma porta que dava acesso á um corredor. Nele pararam.
- Quando o relógio badalar dez vezes, a missão deverá ser completada. Procure onde se esconder.

**20:45min**

Alice desceu as escadas. Já era uma senhora com seus sessenta anos. Tinha porte imponente e olhar firme. Era admirada e seguida por uma minoria e odiada pela maioria dos membros da alta cúpula da Nação. Parou frente à lareira da ante-sala. A lenha crepitava sobre toras de lenha seca. Sobre a guarnição da lareira, ostentado por uma bela moldura havia um retrato dos Holderhek, sua família. Estavam todos lá: à esquerda, seu filho mais velho Olaf, que decidiu dedicar-se à Igreja ortodoxa, depois da morte misteriosa da noiva. Usava trajes clericais negros, na época que foi feito o retrato. Ao lado de Olaf estava ela, Alica, alguns anos mais jovem. Usava um vestido negro, e tinha o olhar de imponente beleza. Sentado em uma poltrona bonita, estava Slurga Yan, vice-ministro e conselheiro dos regentes da Nação. Ao seu lado, Traubon, o caçula, assim como o pai, fardado. O rapaz não tinha muita idade e há pouco havia concluído seus estudos no Colégio Militar da Nação.
- Tempos felizes - concluiu ela, em um murmúrio.
Seguiu para sala de jantar. Entrou pela porta dupla. Ouvia o som que o pendulo do grande e velho relógio fazia em outro cômodo. Alice se sentou na cadeira esquerda ao lado da cabeceira principal.
- Você errou ao tramar, Alice - exclamou Yan, que já se encontrava jantando, na cabeceira da mesa, ao lado da esposa.
- Sabe que fiz o melhor, Slurga - murmurou, servindo-se de salmão.
- Não seja ridícula, mulher! Rominov quer sua cabeça em uma geleira! Não teme ser mandada para Sibéria?
- Não tenho medo...
- Diz isso agora! - riu com aboca cheia de panqueca mal mastigada e caviar negro.
Imperou um silencio entre os dois. Ao longe o relógio não parava de trabalhar, os criados conversavam e os talheres tilintavam, muito presentes, sobre a porcelana dos pratos.
- Acha que... irão me proteger, Yan?
- Se seus "aliados" do partido forem loucos o bastante. Não irei intervir à seu favor... não mais. Sabe muito bem que intervi a primeira vez que decidiram que seu destino era a Sibéria.
- Sabe que sou grata por isso... - disse com olhar baixo, terminando de comer seu pedaço de salmão.
Yan sorriu de modo maldoso, mas com sutileza. Terminaram o jantar em silencio. Novamente os únicos sons eram a conversa, os talheres e a porcelana.. e o relógio.

**21:30min**

Assim que os talheres foram dispostos paralelos em uma diagonal do prato, Yan destampou a garrafa de cristal que encontrava-se sobre o móvel. Vodka. Serviu-a em grande quantidade em duas taças: uma para si e outra para sua esposa.
- Aproveite desta que poderá ser sua última - comentou, enquanto deixava a taça dela sobre a mesa, e bebia todo o conteúdo de sua taça, num trago só.
- Não diga isso, querido...
Ele riu alto e bebeu o conteúdo recém colocado em sua taça. esperava que a esposa fizesse o mesmo e a serviria.
Entre um gole e outro, relembraram de pequenos acontecimentos do passado.

**21:45min**

- Yan... você está propondo que eu entregue meus aliados para a Nação?
- Sim! Rominov esquecerá as mágoas passadas...
- Jamais.
- Pense bem, um telefonema meu para Rominov e você poderá estar com sua vida.. salva!
- Não, Slurga. É minha resposta definitiva.
- Se acredita fazer o melhor... - exclamou deixando a garrafa quase vazia sobre a cômoda e caminhando em direção a porta dupla - Vou dormir. Não se demore.

**21:50min**

Yan atravessou a sala e olhou para o quadro.
- "Poderia ser diferente..." - pensou.
Passou em frente ao relógio, onde o pendulo ia e vinha incessantemente.
- Pela Nação! - exclamou, batendo no peito com o punho fechado no peito, e fazendo os saltos baixos da bota estalarem ao se chocarem entre si.

**21:50min**

- A madame deseja algo? - perguntou Sr. Suco.
- Não, não...
- Ofenderia jogar xadrez? - murmurou, com um olhar brilhante.
- Não esta noite... - levantando. Suas vértebras estalaram suas vezes - Vou me recolher no escritório... tenho uma carta à escrever.
- Tenho grande apreciação pela senhora...
- Também tenho grande afeto por ti, Suco... São tempos difíceis estes.
Alice sorriu e saiu da sala. Olhou, ainda sob o batente da porta, para os criados que começavam a retirar os objetos da mesa. Caminhou pelos cômodos. Esplendorosos, muito diferentes daqueles que era a realidade do povo.
Passou pelo quadro, e fitou sua família. Fazia anos que não se encontravam todos juntos.
Entrou no escritório. Era um cômodo espaçoso. Suas paredes eram cobertas de estantes com livros. Havia uma grande mesa e cadeiras confortáveis. Uma papelada desorganizada estava sobre a tábua da mesa. Organizou uma dúzia de pergaminhos.
O som das dez badaladas do relógio, ecoou pelo Solar silencioso.

**22:00min**

Encontraram-se à frente da porta do escritório. Munidos de suas respectivas armas, os agentes se olharam.
- Está pronto?
- Não vou, Urso.
- É traição, você mesmo disse isso lá fora...
- Pela nossa amizade, eu fico e você vai. Devo-te uma.
- Muito bem, vá.
MilFaces afastou-se com passos rápidos que logo se tornou uma curta corrida até uma janela, e desapareceu por ela. UrSo ali ficou... Abriu a porta vagarosamente.
Ao ouvir a porta se abrir, Alice deixou os pergaminhos sobre a mesa e retirou os óculos. Sorriu.
- Que bom que veio! - com um olhar amável - Senti sua falta...
- Lamento - empunhando a pistola com um silenciador em direção à mulher.
As pupilas da senhora contraíram e em vão ela procurou um revolver que deixava sob os pergaminhos. Mal teve tempo de empunhar a arma quando o agente atirou próximo à ela, fazendo-a cair da mesa. Assustada Alice recuou a mão. Não seria tola o bastante para procurar recuperar a arma.
- Não faça isso! - implorou com lágrimas nos olhos - Eu sou...
- Ordens da Nação - interrompeu ele - Traição é punida com a morte.
- Por favor...
- Tem direito à um ultimo pedido.
- Me abrace..?
Ele a olhou. Aproximou alguns passos e a abraçou. Há muito tempo que não sentia ou deixava-se abraçar. Alice pôs-se a chorar no ombro de seu algoz.
UrSo pensou em desistir, mas enquanto a abraçava, seus olhos passearam pela sala. Atrás da escrivaninha, pendurado quase em toda a parede, um estandarte com o Símbolo da Nação, e o mesmo símbolo entalhado na madeira da Escrivaninha e em diversos moveis e objetos que ali se encontravam. A Nação tinha força e peso. Urso sabia disso.
- Chegou sua hora, Sra. Holderhek.
- Os Holderhek sempre foram honrados. Quero uma morte limpa e à altura do meu sobrenome. - exclamou, enxugando o rosto num lenço.
- Assim será, senhora.
Alice aproximou-se da arma que tentara pegar e a segurou. Sua tentativa de intimidar o homem havia falhado uma vez e não daria certo numa segunda. Abriu a porta que dava acesso ao terraço. Saiu por ela, seguida pelo agente. Sentou-se em uma cadeira de metal. Ela estava tão congelada como tudo ali. Segurou o crucifixo que trazia em uma corrente em seu pescoço e fez uma oração breve. Sentou de modo imponente na cadeira e deixou a arma sobre suas pernas.
- Estou pronta... - tentando sorrir - Faça o que deve ser feito pela Nação.
UrSo apontou a arma em direção a mulher. Poderia atirar entre suas sobrancelhas, mas poderia causar algum estrago. Ela pediu para ser uma morte limpa. Muito bem. Mirou no coração da velha senhora. Engatilhou a pistola. Atirou.
Quando o tiro rasgou sua pele, estilhaçou alguns de seus ossos e atravessou seu coração, Alice pode ver sua vida passar diante de seus olhos. Conseguiu ver os olhos frios de seu algoz ali, apontando a arma para si.
- Te perdôo... - murmurou, antes de um filete de sangue descer por seu queixo, e sua cabeça pender para baixo e a esquerda.
Quando a nuvem de fumaça da pólvora e da arma quentes dissipou no ar, Urso ouviu as palavras da senhora. Aquelas palavras fizeram uma lágrima rolar dos olhos do homem que, congelou ao atingir sua bochecha. Abaixou a arma. Respirou fundo. Ela estava morta.
Entrou no Solar. No escritório, caminhou até a escrivaninha e encontrou os pergaminhos que a senhora lia antes dele entrar. Havia uma carta recém escrita sobre eles. Pegou-os todos e dobrou. Guardou no bolso interno de seu casaco.
- O Ovo Faberge dos Holderhek.. - murmurou, ao abrir uma gaveta e encontrar o antigo tesouro czarino dentro de uma redoma de cristal.
Há cerca de cem anos, os Holderhek receberam aquele presente do Czar. Anos depois, usaram de seu prestigio na corte para colaborar com os Revolucionários. Era um símbolo do poder de antes e de agora. Enrolou o ovo em um cachecol e guardou em um outro bolso de seu casaco. De modo furtivo, saiu do Solar, pelo terraço, onde jazia congelado o alvo da missão.


**23:01min**

Retornou ao interior do Solar, por uma porta lateral e seguiu até a Sala do Relógio. O vice-ministro o olhou e sorriu.
- Está feito, Slurga Yan - exclamou o agente, fazendo posição de sentido.
- Não precisamos destas formalidades, meu caro...
O Agente ficou em silencio, retirou do bolso interno os pergaminhos. Estendeu enrolado ao homem com quem conversava.
- A Nação não corre mais perigo, Slurga.
- Ótimo! - sorriu o velho homem, puxando com certa brutalidade os pergaminhos da mão do agente e atirou-os no fogo.
Ficaram assistindo o papel pegar fogo e se consumir em cinzas. A lágrima que estava congelada acabou derretendo pelo calor do fogo e pingou no chão. Yan ouviu o discreto som da lágrima contra o chão.
- Diga-me, rapaz.. o que sentiu ao completar a missão?
- Nada.. o fiz pela Nação1 - de forma firme.
- A Nação se orgulha do maior agente que possui. Será condecorado amanhã e não será esquecido jamais! É um herói, meu filho!
UrSo nada disse. Cerrou o punho e bateu-o contra o peito e fez os calcanhares estalarem.
- Pela Nação!
- Pela Nação! - retribuiu Yan Slurga.
O rapaz saiu do Solar pela porta da frente. Entrou em um carro que o esperava. Numa arvore um pássaro cantou.. seu canto triste e pesaroso fez o coração do agente tremer. Passaria a ser Traubon Coração-Gélido por ter executado, com sucesso, sua própria mãe.


Biografia:
Gabriel Arruda Burani, nasceu em 13 de novembro de 1985, em São Paulo, Capital. Atualmente é estudante universitário, concluíndo o curso de Formação de Psicólogo, na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP - Piracicaba). Ator, artista plástico e escritor, desde muito cedo desenvolveu uma grande quantidade de obras artisticas - contos, poesias, romances, esculturas, pinturas - participando em concursos, apresentações, exposições e publicações. Em 1993 teve seu primeiro conto 'As aventuras de Gum o Gnomo' publicado na antologia de contos daquele ano, no Colégio Nossa Senhora do Morumbi - SP. Em 2005, representou Cerquilho – SP, cidade onde reside desde 1999, no Mapa Cultural Paulista, com o conto 'O Druida'. Em 2007, no 3º Concurso de Contos da UNIMEP, ficou em 4º Lugar, com o conto “A Missão”. Em 2008, publica o conto 'Na Calada da Madrugada', na antologia Caminhos do Medo pela Editora Andross. No aniversário de dez anos da criação de Hugo, o Vampiro, em 2008, Burani publica o primeiro livro da série pela Editora All Print.
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Outros títulos do mesmo autor

Contos A Missão Gabriel Arruda Burani


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