O método axiomático de Ferrajoli consiste no emprego de fórmulas lógicas com pretensão de precisão matemática em seu pensamento, com o objetivo de produzir conceitos operacionais unívocos e maximizar a coerência entre os postulados e as definições ao longo do discurso, a fim de ampliar a clareza de suas proposições. Essa teoria remete aos pensadores do juspositivismo legal, como Kelsen e Bobbio, porque o autor compreende que a Ciência Jurídica foi historicamente regida por dois paradigmas: o jusnaturalismo e o positivismo jurídico legal, que além de Hart, engloba Bobbio e Kelsen como seus expoentes. De acordo com essa corrente, atribui-se a existência de uma ordem jurídica monodinâmica, ou seja, de normas jurídicas artificialmente construídas pela autoridade competente e devidamente organizadas em graus hierárquicos, de acordo com critérios de legalidade fraca ou meramente formal. Assim, a teoria axiomática desenvolveu-se a partir de uma reconstrução da teoria do positivismo jurídico (neopositivismo), utilizando como base os postulados dos clássicos pensadores do Direito.
O neopositivismo (ou jusconstitucionalismo) pressupõe um “Estado Constitucional de Direito”, regido por um princípio de legalidade não apenas fraco e formal, mas sim forte e substancial, no sentido de que as normas jurídicas respeitem tanto os critérios de validade formal como também axiológicos, em atenção ao conteúdo material plasmado nas modernas Constituições rígidas. Notadamente, uma das mais notáveis marcas do constitucionalismo contemporâneo, para Ferrajoli, reside na positivação dos valores morais socialmente compartilhados por meio de princípios, consubstanciados como normas jurídicas que revelam a dimensão nomoestática material do sistema. Dessa forma, estaria superada a dicotomia entre legitimidade formal e material que diferenciava o jusnaturalismo do juspositivismo. Por fim, Ferrajoli argumenta no âmbito do neoconstitucionalismo que, “desaparecendo, com as constituições rígidas, o caráter unidimensional do direito positivo e o caráter unicamente formal da validade jurídica, a velha tese da proibição ao jurista de formulação de juízos críticos a respeito da validade e da invalidade das leis se converte no seu oposto: é o próprio positivismo jurídico que impõe aos juristas e aos juízes, com o reconhecimento dos princípios estipulados nas constituições como normas de direito positivo de grau superior às leis, a formulação de juízos jurídicos relativos à validade substancial das leis e, desta maneira, a crítica do direito tido como inválido em contraste com as normas constitucionais”.
Uma das características elementares do positivismo jurídico é a separação entre o Direito e a moral, diferentemente do jusnaturalismo, que compreende a ética e a moral vinculadas ao ordenamento. O postulado da separação entre juridicidade e moralidade, segundo ele, “é uma tese metacientífica sobre a recíproca autonomia entre os pontos de vista interno e externo no estudo do Direito. No seu entendimento, o garantismo “pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre ‘ser’ e o ‘dever ser’ do direito”. Entretanto, a separação entre moralidade e juridicidade não quer dizer, de maneira nenhuma, que as normas jurídicas não tenham um conteúdo moral ou alguma pretensão de justiça. Portanto, para Ferrajoli, a distinção entre os dois sistemas de conduta significa tão somente que, primeiro, os preceitos morais não possuem juridicidade, ou seja, não integram o ordenamento jurídico, por melhores que sejam, e, segundo, os dispositivos jurídicos não são necessariamente morais.
A teoria neopositivista de Ferrajoli é geralmente intitulada de garantismo jurídico, precisamente em razão da importância que atribui às garantias jurídicas, como elementos para superação das promessas não cumpridas pelo sistema jurídico. A expressão refere, em sentido amplo, o conjunto de limites e vínculos impostos a todos, nos âmbitos público e privado, mediante a sujeição à legislação positiva e especificamente aos direitos fundamentais. Para o autor, o traço característico do Direito, entre os demais sistemas deônticos, consiste justamente na previsão de garantias que viabilizem a remoção, a reparação e a prevenção da inefetividade de prerrogativas jurídicas. Daí que, segundo ele, a existência de garantias em face de contradições e de ausência de normas consubstancia a outra visão do constitucionalismo, sendo essas garantias as obrigações decorrentes das expectativas positivas, ou seja, estabelecidas no ordenamento jurídico. Tais garantias subdividem-se em primárias/substanciais, as quais dizem respeito à previsão positiva de consequências jurídicas para a hipótese de descumprimento, como a anulabilidade dos atos, a sanção penal, a perda de eficácia; e secundárias/jurisdicionais, que dizem respeito aos institutos de cunho processual que visam conferir eficácia e judiciabilidade no caso de descumprimento das garantias primárias, a exemplo dos diversos preceitos que estabelecem a existência da jurisdição e do processo.
Disciplina: Teoria do Direito II
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