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Análise do filme: Danton - O Processo da Revolução
Isadora Welzel

O filme Danton – O Processo da Revolução se passa na primavera de 1794 na França, período marcado pelas reverberações da Revolução Francesa que ocorreu poucos anos antes. O contexto político da época marcava uma ascensão dos jacobinos no poder, liderados por Robespierre, e caracterizando o Período do Terror. No contexto do filme, se observa um nítido embate de interesses com cunho político entre Danton, que obteve forte apoio popular e o líder dos jacobinos. As implicações jurídicas que o filme retrata se pautam em uma ideia de República advinda com a modernidade, a partir da qual se verifica uma transição do poder de um soberano para uma instituição comum que abrange toda a sociedade. Uma frase que atraiu minha atenção acerca do contexto político, foi uma fala de Danton sobre o fato de que a política nada tem a ver com a justiça. Percebe-se uma semelhança entre o jogo político da modernidade nascente com a realidade da política na contemporaneidade, principalmente no que diz respeito à conduta diante do poder e a ambivalência entre dois grupos distintos.

O Direito se apresenta no filme de modo a fundamentar as reviravoltas que se verificam historicamente, tendo sua origem nos princípios contratualistas e legitimada pelo processo revolucionário. Já nas cenas iniciais, pode-se notar uma clara alusão à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, que posteriormente inspirarão a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ainda contendo os ideais pregados pela tradição burguesa revolucionária: liberdade, igualdade e fraternidade, visualizadas na obra de Jean Jacques-Rousseau, visto que seu apelo e memorização significava o apoio aos jacobinos e um repúdio aos ideais de Danton, que lutava contra a ditadura da vontade geral. A aplicação do Direito na modernidade apresenta os indícios de se basear na norma, com forte expressão da lei, e no ambiente do filme especificamente, o descumprimento ou o posicionamento contrário ao regime em vigor, pode levar a severas punições, como a guilhotina. Do ponto de vista jurídico, ressalta-se ainda um processo de continuidade entre os interesses da burguesia e os da nobreza, uma vez que o primeiro grupo passa a reproduzir os costumes da classe nobre, inclusive o fato de buscar deter o poder em suas mãos em nome de uma suposta democracia.

A Revolução Francesa originou um Estado burguês, que pode ser observado no filme em razão da supremacia jacobina no período do Terror, que alegava a defesa irrestrita dos ideais do povo. Todavia, a ascensão desse Estado de pressupostos igualitários ainda mantinha relevantes diferenças entre as classes sociais, que podem ser claramente subdivididas entre clero, nobreza e povo. Uma das principais características do Estado moderno pós-revolucionário é a presença de um governo que se sustenta por princípios racionais e centraliza o poder em si, com a prerrogativa de governar em nome da vontade geral, que é a verdadeira soberana. No âmbito do período do terror que o filme demonstra, se percebe que embora haja um corpo público apto a governar, o abuso de poder é evidenciado a partir da perseguição de opositores e da quantidade significativa de execuções.

A Lei assume um papel central no decorrer do filme, sendo identificada como a substância do direito. Em diversas passagens do filme, se observa o retorno à lei enquanto fonte, como tentativa de embasar determinado argumento ou interesse. O ideal burguês de igualdade herdado da Revolução Francesa, resultou na busca por uma unificação de todos a uma lei comum e racional, sendo ela o instrumento avaliador das condutas humanas. Para alguns contratualistas, como Locke, a liberdade do homem se efetiva por meio da sujeição do indivíduo à lei comum. Ou seja, a lei não somente simboliza um aparato de ordenação da sociedade, mas é vista como uma forma de concretizar os princípios revolucionários.

Enquanto o filme O nome da rosa se passa no período medieval e retrata a ordem jurídica e política no interior de um mosteiro italiano, o filme a Rainha Margot se insere no contexto moderno em que a principal novidade é o surgimento dos Estados. Já o filme Danton, se insere em um contexto de efervescência pós-revolucionária e avanço dos valores burgueses que passarão a guiar o novo momento histórico. Em relação às diferenças entre A Rainha Margot e Danton, identifica-se que no contexto de Danton, já existe uma Constituição que rege a vida em sociedade, enquanto que no filme A Rainha Margot, não se contava com uma Constituição nem com um órgão público capaz de limitar os poderes absolutistas. Uma segunda diferença é que em Danton, a soberania se insere na vontade geral, enquanto que em A Rainha Margot, o monarca é visto como o soberano máximo. Além disso, o contexto no geral se diferencia, em Danton, se verifica a passagem do absolutismo para os ideais iluministas modernos, enquanto que em A Rainha Margot, a transição ocorre entre a idade média e a modernidade absolutista. Outro ponto a se verificar é que em Danton, se percebe uma continuidade de interesses entre classes próximas, como o exemplo dos valores nobres e burgueses enquanto que em A Rainha Margot, evidentes rupturas se desenrolam em realidade muito distintas. Por último, uma diferença marcante é que no filme A Rainha Margot, ainda se observam resquícios do elemento religioso advindo da monopolização da fé católica no medievo, enquanto que em Danton, ganham destaque os ideais iluministas como norteadores sociais. Pode-se, portanto, afirmar que os três filmes apresentam contextos diferenciados, que em dada medida apresentam semelhanças e diferenças relevantes entre si para o entendimento dos fenômenos jurídicos e dos desdobramentos políticos ao longo dos séculos da história humana.

Disciplina: Teoria política


Biografia:
Além de grande admiradora da escrita e da literatura, sou estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e meu propósito no Recanto das Letras é traduzir conteúdos do mundo jurídico para a comunidade leitora, de modo a propagar conhecimentos sobre o Direito e propor reflexões. 
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