JANJÃO É UM SÁBIO. Janjão é calmo, não fala como papagaio, não corre como coelho, não pula como gato, não serve de cobaia como os ratos, não guarda casas, como cães ou gansos, não é de se achegar aos humanos.
Mas sábio ele é. E como!
Assiste, impávido, ao movimento da casa e jamais se deixa notar.
Fica na dele, sem incomodar ninguém.
Janjão já conheceu muitas pessoas da nossa família. A maioria nem ligava para ele e, eu acredito, ele sempre achou isso muito bom.
Imagine ter de mostrar para as visitas que sabe sentar, ficar de pé, pedir carinho, ou atender a nomes estranhos que os humanos pensam servir de alguma coisa para seus bichinhos
Como todos os animais, Janjão também não se preocupa com registro civil, imposto de renda e demais controles que os homens são obrigados a obedecer.
Nada disso, Janjão não registrou nome, não se exibe para nada, não trabalha, não toma conta da casa e nada pede e nada faz.
Quando lhe dá na telha vai ao jardim, come, bebe água e volta sempre em surdina para qualquer lugar sossegado e fresco.
Ele é forte, mas não faz força. Se MARIA NETA sobe em cima dele, suporta bem, mas não se mexe.
Se alguma coisa o deixa amolado, esconde a cabeça e pronto: adeus Janjão! E não adianta insistir, pois sua paciência não tem limites.
Mas a sabedoria maior do Janjão é levar a vida sem alterações e a sua segue em frente, e me diz MARIA NETA:
– Mesmo tendo nascido antes do meu avô, Janjão passou e passará assistindo mortes e também nascimentos como o do papai, o meu próprio, e talvez de meus filhos e netos, pois é muita a vida vivida por ele.
E devo completar: tudo que a humanidade quer é viver cada vez mais, coisa que Janjão sabe muito bem e não ensina.
Sabem por quê?
Porque ninguém pergunta nada a Janjão, só porque ele é um jabuti muito esquisitão.
II
Mas acontece que Janjão, ao contrário de MARIA NETA, é muito pacato e parece não se incomodar em participar das molecagens promovidas pelas crianças.
Um dos alvos principais das brincadeiras é a babá de MARIA NETA que pensava assustar crianças com historias fantásticas de fantasmas e almas do outro mundo.
Como criança não é boba nem nada, sabe que não existem fantasmas e muito menos almas do outro mundo, e MARIA NETA e seus amiguinhos logo perceberam que medo de fantasmas mesmo quem tinha era a babá e aprontaram uma boa.
Todos na casa estavam em suas camas prontos para dormir. Babá costumava dormir com a porta do quarto aberta, pois assim lhe parecia mais fácil fugir dos seus fantasmas imaginários.
MARIA NETA, sempre muito criativa, chamou as demais crianças que, com as luzes apagadas, acenderam uma vela, derreteram um pouco a parte de baixo e colaram a vela acesa em cima do casco de Janjão.
Depois fizeram Janjão andar para dentro do quarto da babá.
E lá foi ele lentamente, como sempre, caminhando devagar e produzindo sombras ameaçadoras nas paredes do quarto, interrompendo o sono daquela medrosa contadora de histórias que criança nenhuma acreditava.
Passados uns dez minutos a casa acordou com um sonoro grito de socoooooooorrrrrroooooooo!
Acudiram a babá com pedidos de calma, água com açúcar e com a demonstração de que Janjão carregava uma vela acesa, e não era nenhuma alma do outro mundo.
A babá tremia dos pés à cabeça. Os adultos, preocupados, queriam saber quem fizera aquela molecagem e foram chamar as crianças. Estavam todas dormindo em suas caminhas.
Todas fingiam dormir, é claro, e MARIA NETA também fingia, mas parecia sonhar com algo muito engraçado, porque ria muito.
III
Nas ocasiões em que outras crianças dormiam na casa, e eram novatas na turma, MARIA NETA aprontava diversas brincadeiras com seu amiguinho Janjão.
Uma delas era colocar o bom amiguinho jabuti debaixo do travesseiro, por baixo das cobertas ou dentro do abajur da cabeceira e isto Janjão adorava, porque ele precisa mesmo de bastante calor, pois seu sangue é muito frio.
E era cada susto!!!
Janjão se mexia um pouco e o travesseiro tremia na cabeça do Mané, outro pouco e roçava nos pés da Patricinha, tentava sair da lâmpada e o abajur fazia estranhas e temíveis sombras no quarto.
MARIA NETA só não se divertia e ficava brava quando um amiguinho virava o bichinho de casco para baixo. Sabia que devia ser desesperador, pois ele até chorava por não poder se desvirar sozinho.
Mas certa vez, coitado, Janjão foi vítima involuntária de sua própria façanha.
As crianças inventaram comemorar o dia de São João e prepararam batata-doce com melado, groselha geladinha, cocadas, e enfeitaram o quintal com bandeirinhas coloridas.
Balões não iam soltar porque é proibido em defesa das matas: nelas nascem os jabutis e centenas de outros bichinhos.
Mas fogueira armaram de véspera, empilhando gravetos, folhas secas e pedaços de pau.
E não é que Janjão pensou que ali seria uma boa toca pra se esconder e descansar, embora ninguém até hoje saiba o que pode cansar um jabuti.
Janjão que é lento, por lá ficou até a hora da festa e, quando as crianças brincavam de pular fogueira, foi um susto só! Janjão saía de baixo dos galhos, fumegando e andando mais depressa, não muito é claro, afinal um jabuti leva cinco horas para percorrer um quilômetro.
E até hoje Janjão não mais possui completo aquele lindo desenho em seu casco, pois uma das manchas de amarela ficou preta.
E, desta vez, MARIA NETA e seus amiguinhos não tiveram nada a ver com isto, e ficaram muito tristes.
IV
Janjão é muito engraçado e olha de lado quando alguma criança o chama de cágado ou de tartaruga.
A criança pode querer vê-lo nadando e ele não gosta porque tem de fazer muito esforço para não afundar, ao contrário das tartarugas que são mesmo da água.
Também o cágado que já nasce nadando e apresenta um pescoço comprido e quando recolhe a cabeça para dentro do casco dobra-a de lado.
Esses dois bichinhos, cágado e tartaruga sim adoram os mares e os rios e nadam muito bem.
Os jabutis são bichinhos de andar na terra e ficar catando folhas, como as das plantinhas que nascem no quintal de MARIA NETA. E ela cuida muito bem do Janjão: deixa-o no sol todos os dias porque ele precisa muito da luz dos raios solares que se chamam ultravioletas e têm vitaminas.
MARIA NETA nunca o deixa no chão da cozinha ou do banheiro, pois ele não gosta de pisos lisos que o obriguem a fazer muita força para caminhar, e esforço físico não é do agrado do Janjão.
MARIA NETA aprende muito com seu jabuti e já sabe que fazer força inutilmente não é bom. Bom mesmo é ir longe, mas devagar, ter paciência com quem não sabe a diferença entre Janjão e uma tartaruga, ter calma para esperar a sua vez de fazer as coisas, não correr de forma estabanada quebrando as coisas ou até mesmo um braço ou uma perna que é uma coisa muito séria e perigosa.
Você já viu alguma vez um jabuti levando tombo?
Com perna engessada?
Andando de muletas?
Com esparadrapo na testa?
MARIA NETA nunca viu, por isso ela quer ser como Janjão, vivendo muito e sem atropelos inúteis, sem furar filas, sem correr à toa em casa, nos restaurantes ou no colégio.
Janjão não vai ao colégio, mas sabe disso tudo e se fosse, coitado, iria chegar atrasado todos os dias, mesmo que o colégio fosse logo ali na esquina.
Uma vez a babá contou para MARIA NETA uma história muito engraçada.
– Era uma vez um coelho que chamou um parente do Janjão para apostar uma corrida num bosque muito grande e cheio de árvores grandes que davam sombras muito gostosas.
Sabe o que aconteceu?
O parente jabuti, calmo e lento como Janjão, ganhou a corrida, por causa da sua maior qualidade: a calma.
Lá se foi ele andando no seu passinho tranqüilo e de tão lento perdeu o coelho de vista que muito na frente corria acelerado.
Tão acelerado que se cansou e resolveu tirar uma soneca numa sombra do bosque.
Como sempre, os que se cansam dormem muito, e Janjão passou quietinho pelo coelho que dormia na sombra.
E seguiu em frente até o final.
O coelho acordou e novamente correu muito quando nada mais adiantava, pois já havia perdido a aposta por ter confiado demais nas suas qualidades de bicho rápido.
MARIA NETA sabe que não adianta correr e depois parar no meio do caminho, não se ganha uma corrida fazendo pouco do adversário, assim como não se deve ser apressado na escola, entregando a prova rápido, mas errando muitas questões.
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