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A Garota da Janela
RHJ Santos

Resumo:
Muitas vezes, encontros nos marcam, nos transformam e quando acabam, nos destrói.

Abri a porta de casa, liguei a luz e então observei tudo, senti o cheirinho que apenas nosso lar tem, cheirinho de paz. Era uma casa enorme para mim, reconheço, mas, após o divórcio, meu pai havia ficado um tanto magoado com minha mãe pela traição, então, deixou a casa para mim. Minha mãe, por sua vez, se casou com o mesmo indivíduo da traição, moram em... Bom, em algum lugar. Ela tem novos filhos agora, esqueceu-se dos velhos. Bom, de qualquer forma, eu não ligo. Só pensava em um banho quente agora.
E assim o fiz, corri para o banheiro e relaxei naquela água que, sinceramente, foi o contato mais prazerosa que tive hoje. Enquanto a água caminhava por minha pele, minha cabeça começava a subir ou descer, eu nunca sei... Apenas sei que, vou a um lugar com muitos pensamentos quebrados e coisas que não posso consertar. Os pensamentos e culpas de sempre, eu não sei, não conheço a necessidade de me sentir assim. É estranho como a minha geração, gira em torno de sentimentos, é como se, no sistema solar de nossas vidas, o sol fosse a junção de variadas convicções, tristeza, felicidade, amor, solidão... Tudo precisa de um sentimento, tudo tem que ter... Nesse momento, meus pensamentos simplesmente foram interrompidos pelo som da campainha. Minha curiosidade havia sido desperta, há anos não ouço esse som, a não ser pelo correio, claro.
Tentei ser rápido em finalizar o banho e trocar de roupa, então, ainda desajeitado e com alguns pingos escorrendo pelos cabelos, saí até a garagem.
Me deparei então com uma moça, muito bonita, por sinal. Ela ficou sob a luz amarela do poste, de início não conseguia a reconhecer, a mesma então disse:

- Oi, é... Desculpe incomodar, eu...

Era perceptível que ela estava nervosa, mas, por que? Talvez pensasse que havia me atrapalhado, talvez fosse isso.

- Ei, relaxa, não incomoda. Já estava saindo do banho, precisa de alguma ajuda?
- Não, é que...

Ela fazia longas pausas, enquanto isso parecia olhar para si mesma e dizer: "Idiota". Enfim, em alguns instantes, consegui a reconhecer, era minha vizinha, bom... Quase vizinha, morava na rua cima, sempre a vi, desde minha infância, nunca foi de sair muito, ficava na janela de sua casa, sempre nos observando brincar na rua.

- Ah, tô lembrado de você, mora na rua de cima, não é?
- Isso, isso... Olhe - ela respirou fundo - desculpe chegar aqui de repente, mas, eu precisava vir aqui, e pode parecer loucura, só... Gostaria de conversar com você...

Um tom de insegurança surgiu em sua voz, depressa me aproximei do portão, e o abrindo e saí ao seu encontro

- Claro, sem problemas, se prometer não me sequestrar.

Ela soltou um risada delicada e ao mesmo tempo, engraçada. Naquele instante, sua risada, me fez sorrir, de forma tão descontrsids que nem eu percebi. A piada então, havia funcionadl, havia quebrado um pouco o gelo.

- Eu prometo, e você... Tem que prometer que não vai me achar louca por estar aqui, promete?

Os olhos dela brilhavam tanto, e eu estava encantado com aquilo. Talvez, meus olhos estivessem brilhando na mesma proporção, como controlar o que jamais havíamos sentido? Eu nunca tinha imaginado a existência de algo assim, quem sabe fosse normal não saber o que fazer.

- Prometo sim, claro.
- Podemos nos sentar? - Ela perguntou e já apontou para a borda da calçada

Concordei com a ideia e então, nos sentamos no meio-fio. Ela se agarrou aos joelhos e então, olhou para o céu. Antes se sua voz soar, comecei a pensar, o que era de fato inexplicável. Todos os fatos rotulados do meu dia, ou essa garota aparecendo assim, do nada e me prendendo tanto sem dizer muito? Havia algo que me prendia a ela, uma admiração. Precisava descobrir o que era aquilo.

- Olha, eu não sou louca, tá? - Ela deu um sorrisinho tímido, me olhando de canto e despertando ainda mais meu interesse
- Vamos lá, se preocupe menos com o que eu penso sobre você e mate minha curiosidade. - Meu sorriso saia de forma tão natural, era como se eu estivesse flutuando em seu mistério e suas poucas palavras
- Bom, você sabe quem sou, sabe que eu ficava na janela de casa observando a rua.
- Claro que sei, se achava a metida e nunca queria brincar com a gente. - Ria um pouco e mais uma vez, ela sorria e aquilo, me dava um frio no estômago, nunca havia sentido nada igual, parecia estar fora de mim
- Ah, é? Vocês nunca me chamaram! - Ela então olhou pra mim brevemente, ainda estava insegura com a situação e retornou seu olhar ao céu. Ela prosseguiu - Não era bem, assim, sabe? Eu adoraria ter corrido por essas ruas, me coçado com a grama da praça, talvez até me machucado caindo de uma dessas árvores...

Aquilo parecia um sonho para ela, dizia de forma tão apaixonada. Parecia estar viajando em uma fantasia, seus olhos se apertavam e um sorriso surgia em seu rosto rapidamente, assim que abria os olhos, retomava seu encanto ao céu.

- Então, por que nunca saiu...? - Perguntei mantendo os olhos nela, estava totalmente preso diante de sua beleza, perdido em sua voz e naquele seu jeitinho tão delicado
- Porque meus pais eram muito conservadores... Tinham medo de muita, muita coisa mesmo, sabe? Eu perdi muito com isso, mas, era mágico ver vocês, sempre livres, e por mais vergonhoso que isso seja... - Ela parou, fechou os olhos novamente
- O que?
- Não...
- Vamos! Fala! - Ela havia despertado minha afeição. Naquele momento, tudo que saísse de sua boca, se tornava aceitável para mim
- Vocês eram como heróis... - Ela apertou os olhos e esperou uma risada
- Engraçado, sempre imaginamos você como uma princesa que precisava ser resgatada. - Ela abriu um dos olhos primeiro, em seguida, o outro e olhou para mim com um sorriso, que bom... Foi indescritível
- Vocês eram bobos, mas, me diz... Se eu fosse resgatada - Ela entrou na minha brincadeira - qual de vocês seria o príncipe responsável pela missão de resgate?
- Com certeza, o Chris, deve de lembrar dele, o mais alto e corajoso, devo ter perdido a conta de quantas vezes ele me livrou de uma surra, espero que não lembre disso... - Agora, era minha vez de deixar o constrangimento bater e desviar meu olhar para o chão
- Eu me lembro, principalmente de você correndo, você sempre foi alto e desajeitado, principalmente correndo.

Sua risada ecoou novamente, assim, pude retomar meu olhar a ela, estávamos embaixo do poste, aquela luz refletia em seus cabelos negros e brilhantes, percorria toda sua pele, ela era linda. Sua beleza arrebatadora, fazia com que qualquer coisa diminuísse perto de uma comparação, eu me perdia e mergulhava naquele momento. Mesmo que fosse um momento totalmente inexplicável. Sua voz, sem demora, me trouxe de volta.

- Com certeza, ele não era o príncipe que eu esperava... - Sua voz saiu timidamente e eu, senti no peito o mesmo frio que estava no estômago há poucos instantes, ela prosseguiu antes que eu pudesse dizer algo - Mas, você deve estar curioso porquê estou aqui...
- Claro que estou. Vamos, diga o que está vendendo - Soltava uma leve risada, mas, interrompia ao notar que ela estava com um ar de seriedade
- Eu imagino como teria sido minha vida se eu pudesse ter saído na rua com vocês... Eu sinto que, perdi um vida totalmente diferente. E infelizmente, sinto que vivo a errada, sabe?
- Sei, é como se você não se encaixasse no lugar que está...
- É isso... E eu só queria, não sei... Viver essa outra vida que sempre sonhei, essa que, bom, pelo menos eu acho que seria perfeita pra mim.
- E como imaginava essa vida?
- Ah... - Adorava isso, seus olhos se enchiam de encanto, sempre que dizia algo com amor, ela fazia como se estivesse contando a mais bela história - Eu imagino meus pés sujos com a rua, imagino inventar brincadeiras com vocês, imagino os anos passando e... É...

Ela estava constrangida novamente, sua alma gritava consigo mesma e aquele silêncio que sua insegurança lhe dava, era ensurdecedor. Foi um ato de coragem, agi contra todos meus sentimentos de timidez, primeiro, com as pontas dos meus dedos, toquei sua mão, aquilo, me arrepiou por completo, e a fez suspirar profundamente, como se esperasse aquilo, segurei sua mão, era tão... Macia e leve, aquilo possuía mais sentido que toda minha vida. Meu coração estava acelerado, tão acelerado que minha respiração em instantes começou a acompanhar, mas, me contive, pois, ela retribuiu. Ela segurou minha mão, e acariciou a mesma com seus dedos, me fazendo soltar mais um tonelada de sorrisos, e e fazendo minha cabeça entrar num turbilhão de pensamentos, jamais pensados antes

- Olhe, o céu está tão lindo... - Acompanhei seu olhar e de fato, estava magnífico, totalmente estrelado e clareado pela lua que se mostrava por completo
- Você tem uma certa intimidade com o céu... É o que me parece...
- Eu amo o céu! Amo cada estrela, pois, os astros, foram meus únicos amigos durante minha vida inteira. Sempre, nesse mesmo horário, eu subia no telhado e ficava conversando com o céu, ah... Eu voava, era meu único momento de liberdade.

Tudo tinha sentido agora, ela era única e possuía um magnificência de se espantar, tudo que ela dizia, fazia ou simplesmente deixava transparecer, era pura magia, era inegável o meu encanto por ela. Perdi tanto tempo sem tentar conhecer uma pessoa tão maravilhosa? Como pude? Como alguém pode desprezar esse encontro?

- Você me encanta! É como se fosse parte do próprio céu! Reluz encanto como aquela estrela ali - Nossos dedos já estavam entrelaçados, e assim, levava sua mão ao alto, apontando para a estrela mais brilhante.

Ela me olhou no fundo dos olhos, apertou minha mão, então se aproximou mais, deitando sua cabeça sobre meu ombro. Suas atitudes, estavam totalmente seguras, ela sabia o que estava fazendo e queria estar ali. O que para mim, era totalmente estranho e com uma beleza mística, pois, só nos víamos, apenas isso, nunca trocamos uma palavra, mas, ela parecia me conhecer, e eu, a ela. Era como ter passado a vida inteira conversando apenas por olhares, e aquilo, era o que em anos de vida, aparentava possuir mais sentido em minha vida. Um sentimento de fascínio extremo, estava em êxtase puro! O toque de ambas as peles, causava arrepios e quase que eletricidade, tudo aquilo, era tão bom, era muito melhor do que ser sozinho.
Nós passamos horas e mais horas naquela calçada, olhando o céu, na calmaria da rua apenas nós dois, conversamos até as palavras acabarem. E quando elas acabaram, nós apenas conseguíamos trocar olhares e nos sentir intimamente, éramos amantes de instantes que pareciam se conhecer por toda vida. Quando nossas palavras se esvaíram, nossos olhares continuaram falando sobre tudo que sempre diziam um ao outro, desde quando éramos muito pequenos, quando eu a olhava naquela janela e ela me retribuía o olhar, eu sempre a amei, desde quando não sabia o que de fato, era o amor e continuava a amando, mesmo quando acreditava que o amor era a insanidade aceita pela sociedade. E quando, daquela janela, era retribuía o olhar, ela dizia que também me amava e o quanto esse amor era forte. E naquela madrugada, colocamos em um papel nossa história, tiramos a ideia da cabeça e a escrevemos. Porém, em sua boca, ainda havia algumas palavras escondidas. Se afastou um pouco, ainda segurando minha mão, seu sorriso estava sumindo lentamente, decaindo com seus olhos. Até que, soltou minha mão e a passou levemente em meu rosto, de forma tão delicada e amorosa, mas, a dor estava ali e nós dois podíamos ver.

- Como eu queria ter vivido essa vida...
- O que quer dizer...? Estamos aqui agora... - Estava preocupado, não sabia o que ela diria a seguir, havia perguntado, mas, não queria de fato saber
- Eu estou me mudando... Essa era minha última oportunidade de saber se o que eu via nos seus olhos, era o que eu pensava.

Suas palavras, como milhões de agulhas, perfuraram meu peito e me deram um nó rígido na garganta. Minha visão ficou turva por conta de lágrimas que surgiram em meus olhos, assim como nos olhos dela. Porém, ela sabia como lidar com aquela situação, gentilmente enxugou minhas lágrimas que passavam por meus olhos com dor, me sentia completamente sem rumo, não sabia o que dizer, nem o que pensar.

- Você não pode ir... Que droga, é como se você estivesse comigo a vida inteira...
- Eu sei, eu sei...

Sentia seu abraço forte, ela me apertava tanto e eu retribuía isso, pois, queria que continuasse sendo parte de mim. Ela não podia ir embora, isso não podia acontecer, de jeito algum, enfim pude sentir a felicidade, mas, por que esse sentimento precisava ser tão passageiro?

- Não é minha escolha, saiba disso. Entenda que se eu fosse mais corajosa, teríamos vivido essa vida.
- Eu devia ter... Devia ter corrido atrás de você... - Minha respiração começou a se intensificar, estava começando a ficar desesperado
- Calma, respira... A culpa não é sua...
- Me perdoa...
- Nós tivemos uma das mais lindas histórias que os astros e estrelas presenciaram... E você, sempre foi e sempre será, o príncipe que eu esperei.

Essas foram suas últimas palavras, seladas com um beijo que marcou minha vida, após o beijo, um abraço, tão apertado... Não queríamos nos soltar, mas, precisávamos. Ela precisava estar em casa antes que o sol nascesse, e assim que o sol despontou no horizonte, ela reapareceu e me olhou com os mesmos olhos de quando era criança, o mesmo olhar. Um olhar que intimamente dizia que me amava, um olhar que me feria o coração, pois, seria a última vez que o veria. Ela nunca poderia viver essa vida, pois, estava comprometida, em sua mão, uma aliança de noivado, que não estava lá pela madrugada. Em instantes, um caminhão com alguns homens chegou para retirada dos móveis, após o caminhão, um carro, provavelmente seu noivo no volante, ela entrou junto com seus pais. O carro partiu, foi indo, indo... E ao virar a esquina, eu olhei para a casa onde ela havia morado por tanto tempo, ergui meus olhos até a janela que estava vazia, e eu nunca saberei explicar esse vazio.


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Poesias A Garota da Janela RHJ Santos


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