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O ídolo negro – Evaldo Braga
Paulo Luna

O cantor e compositor Evaldo Braga viveu apenas vinte e cinco, pois sua estada nesse planeta foi interrompida bruscamente num acidente na noite de 31 de janeiro de 1973, na antiga rodovia BR 3 – Rio – Belo Horizonte, numa mortífera batida do automóvel que dirigia contra um caminhão.
     No quarto de século em que viveu, o cantor percorreu uma trajetória bastante peculiar, marcada pela tragédia pessoal e pela aclamação popular. Conviveu de forma intensa com a tristeza e a alegria, a sarjeta e a glória, tudo percorrido na velocidade de um cometa.
     Evaldo passou a infância no antigo SAM – Serviço de Amparo ao Menor, depois de ter sido encontrado numa lata de lixo, abandonado que fora por sua mãe, ao que consta uma prostituta, logo ao nascer. Cresceu com essa marca e muito sofreu ao saber de sua história, procurando uma maneira de superá-la através do trabalho, da arte e por fim, da bebida.
     Passados os dias de infância no SAM, o jovem negro, assim como tantos outros lá internados naqueles tempos, saiu a procurar uma maneira de ganhar a vida, e também como tantos outros jovens negros como ele pelas cidades brasileiras, passou a trabalhar como engraxate.
     Passava os dias engraxando sapatos na Rua Mayrink Veiga, perto da famosa Praça Mauá, rua onde ficava a não menos famosa Rádio Mayrink Veiga e ali acabou por fazer contato com os artistas daquela Rádio e pouco a pouco foi acalentando o desejo de se tornar cantor.
     Foi quando conheceu o produtor e compositor Osmar Navarro, que gostou de sua voz e da maneira dele pronunciar bem cada palavra e o apresentou ao produtor Jairo Pires da gravadora Polydor, que andava procurando um cantor que fizesse frente à Nilton César contratado de outra gravadora.
     Evaldo Braga lançou seu primeiro disco em 1971, e logo se tornou um sucesso com a música “A cruz que carrego”, de autoria de Isaías Souza, com uma carga dramática e autobiográfica incrível em versos como “Sinto a cruz que carrego bastante pesada, já não existe esperança no amor que morreu/a solidão e amargura/sempre me marcaram” que imediatamente podem ser remetidos a todo seu drama. O fato é que essa composição caiu logo no gosto popular e mesmo que a crítica especializada da época não desse muita importância a ele, nem ao menos se dando ao trabalho de avaliar seus dotes vocais e muito menos querendo travar qualquer contato com as músicas que cantava, seu sucesso aumentou, e em 1972, ele lançou “O ídolo negro – volume 2”
     Esse seu segundo LP que contou com os arranjos dos maestros Waltel Branco e Perucci apresentou novamente uma ambigüidade temática que tanto podia levar a ilações quanto a um relacionamento amoroso desfeito, logicamente a interpretação mais imediata, como remeter também a sua biografia e ao abandono sofrido na infância.
     O maior exemplo disso é “Eu não sou lixo”, parceria sua com Pantera, e que remete diretamente ao seu drama a começar pelo título e por versos como “Eu não sou lixo pra você querer me enrolar/Eu não sou lixo pra você fora jogar meu bem”, que imediatamente podem ser associados ao que a mãe fez com ele. Outras composições desse disco também podem ser utilizadas como uma autobiografia musical senão em suas totalidades, pelo menos em títulos ou frases.
     É esse o caso de “Esconda o pranto num sorriso”, de Jacy Inspiração e Marcos Lourenço que diz “Vou pela rua desta vida/E já nem sei/pra onde vou/pra ponde vou/Talvez na curva do destino/Alguém me dê o que você negou”. Ou então de “Não vou chorar”, de sua autoria e Hailton Ferreira que diz: “Pouco me importa que tu voltes novamente/Faz tanto tempo que até me acostumei/Sem teu carinho”, ou então “Tudo fizeram pra me derrotar”, de sua autoria e Izaias Souza, na qual ele canta: “Tudo fizeram pra me derrotar/Não conseguiram ao menos lembrar/Que sem parentes e sem um amor minha sorte vou chorar/Eu já não faço questão de viver/Sem seu amor faço apenas morrer/ (..) Eu sei tudo isso é passado mas nem magoado eu te esqueceria”.
     Essas músicas, embora aparentemente remetam a paixão a uma mulher cujo amor se perdeu, lembram imediatamente também o abandono sofrido na infância pelo cantor, cujo trauma nem mesmo o sucesso no mundo artístico, uma verdadeira façanha para alguém com sua história de vida, foi capaz de apagar.
     Evaldo Braga faleceu com apenas dois discos gravados. Um terceiro foi lançado no ano de sua morte, mas era na realidade, uma coletânea. Trinta e cinco anos depois de seu falecimento, a música popular brasileira passou por transformações avassaladoras, algumas das quais já se processavam quando de sua morte. Com isso teria ele caído no esquecimento? Não, pelo contrário, seu mito manteve-se vivo na memória popular mesmo que nenhuma estação de televisão se dê ao trabalho de apresentar qualquer especial sobre sua vida e carreira. Em condições normais, ele teria caído no famoso “limbo do esquecimento”, mas, no entanto, mesmo depois de 35 anos, seu túmulo é visitado por romarias de fãs no dia de finados, seus discos continuam a ser adquiridos e podem ser encontrados com facilidade nos locais que cultuam a chamada música brega.
Em levantamento recente feito no site dicionariompb.com.br chegou-se a conclusão que seu nome era o mais pesquisado entre todos os quase sete mil verbetes ali catalogados.
     Como explicar esse fenômeno de um artista que a crítica esqueceu como apenas mais um representante da música brega, que para muitos cultores da chamada MPB com letras maiúsculas e garrafais, nem ao menos mereceria uma nota de roda-pé? Talvez essa explicação ou busca de compreensão não passe apenas pela análise formal de suas gravações, seja daquelas músicas compostas por ele ou daquelas que outros para ele compuseram, mesmo que elas falem muito, por um lado, dele mesmo, numa talvez involuntária autobiografia musical, ou sirvam como trilha sonoro de amores baratos e desfeitos na permanente solidão das cidades. Por mais que se buscasse dissecá-las musicalmente nota por nota, ainda assim, haveria quem lhes negasse maior valor exatamente pelo que elas têm de mais valoroso, o gosto e a dicção popular, que muitos até por preconceito logo identificam com som de cabarés. Embora seja certo que o que parece um insulto é na verdade a constatação do quanto as músicas por ele compostas ou gravadas estão entranhadas na musicalidade e na alma popular, e tocam sim nos cabarés onde o amor custa pouco (ou muito dependendo do ponto de vista) e a humanidade exercita de forma explicita suas emoções da maneira mais exacerbada possível.
     E não é isso exatamente o que a música braga-romântica faz? Exacerba os sentimentos e lhes dá uma vestimenta que condiz com a alma desbragada de nosso povo, por mais que dizer isso possa parecer tatear no espaço vazio. O fato é que esse derramamento que os intelectuais e membros da elite execram, o povo abraça, e o mais é motivo de discussão, mas que não pode levar a conclusões definitivas sobre o melhor e o pior.
     Seja como for, 35 anos depois de sua morte, Evaldo Braga é mais e mais um enigma como pessoa, como artista e como representante artístico dessa face dita bastarda da música popular, execrada e desqualificada pela maioria dos críticos, que é a música brega.
No entanto, a questão aqui não é exatamente discutir o lugar da música brega na música popular brasileira, mas sim, chamar a atenção para o “Ídolo negro”, Evaldo Braga, mesmo sem chegar a conclusões sobre ele e seu sucesso, mas muito mais para homenageá-lo e lançar um pouco de luz sobre esse raro cantor negro cuja carreira, que tinha tudo para ser das mais brilhantes da música popular, foi bruscamente cortada por um golpe da sorte numa curva qualquer de uma estrada brasileira.


Biografia:
Pesquisador. Professor. Historiador. Poeta. Licenciado em História em 1987, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. A partir dessa época, exerceu o Magistério em escolas públicas e particulares, sendo aprovado em concurso público para o Magistério Municipal da cidade do Rio de Janeiro em 1990. Em 1980, foi premiado em primeiro e segundo lugares no Femutrop, Festival de Música, Poesia e Trovas que envolveu escolas públicas de todo o Estado do Rio de Janeiro. Três anos depois, publicou de maneira independente o livro de poemas "Preparação". Em 1983, publicou poemas no Jornal de Letras. Em 1986 e 1987, participou do jornal de poesias "O Bonde" publicado na UERJ além de redigir o jornal alternativo "O Espermatozóide". Em 1994, foi 1º colocado em concurso de poesia da Faculdade Augusto Motta, SUAM. Nesse ano, publicou o livro de poemas "O que sobra" lançado na Escolinha de Artes do Brasil. Em 1995, participou da "Ciranda de poesias", antologia de poemas publicada pela Câmara de vereadores do Rio de Janeiro. Em 1997, publicou o livro de poemas "Arquibancada", pela Literis Editora. Em 1998, foi premiado em concurso de poesia na Biblioteca Estadual do Rio de Janeiro, publicando poema na antologia "80 POETAS CARIOCAS", além de participar do "Anuário de escritores", antologia publicada pela Editora Literis . A partir de 1999 passou a atuar como auxiliar de pesquisa do Dicionário Cravo Albin de MPB, realizando pesquisas nas áreas de Música Regional, Romântica, e Jovem Guarda. Em 2000, publicou poema na antologia "Santa Poesia", casa de espetáculos em Santa Tereza, Rio de Janeiro, onde se apresentou. Por essa época, apresentou-se também no Teatro Gláucio Gil, Museu do Telefone e Teatro Cândido Mendes, entre outros locais de apresentação de poesia. Em 2001, apresentou na UERJ a oficina "Poemas didáticos", durante o I encontro de Professores de História promovido pelo SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação), além de produzir e dirigir dois encontros poéticos na sede do Sepe. No mesmo ano produziu e apresentou o encontro "Poesia no Sobrado", evento de poesia na Vila Isabel, que contou 5 edições mensais, apresentando poetas de diversas regiões do Rio de Janeiro e de outros estados. Foi ainda, no mesmo ano, premiado em concurso de poesias do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro. Em 2001, apresentou-se no evento "Panorama da palavra", no auditório da Faculdade Cândido Mendes em Ipanema, além de ter poemas publicados no jornal Panorama da Palavra. Em 2002, passou a ser pesquisador responsável pela vertente MPB clássica do Dicionário Cravo Albin de MPB. No mesmo ano, participou como leitor-guia do Programa de leitura do Ler UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), apresentando o tema "Futebol e Literatura". Em 2003, ingressou no Mestrado em Literatura Brasileira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Integrou, em 2004, grupo de pesquisa que desenvolveu, junto ao Departamento de Letras da PUC/RJ e a FAPERJ, a pesquisa "Representações da violência na música popular brasileira", respondendo pela música brasileira do período anterior a 1950. Em 2005, defendeu a dissertação de mestrado "Dos braços dessa viola à dissonância de uma guitarra - a tensão entre a tradição e a modernidade na música caipira e sertaneja" sendo aprovado com louvor.
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