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O elixir da longa vida
Letícia Furlan

Eu costumava observar esses momentos com calma e concentração. Gostava de registrar as cenas e traduzi-las.
Meus avós estavam juntos a 50 anos, comemoravam as bodas de ouro, no mesmo dia em que meu pai comemorava o segundo casório, por isso, após baterem as fotos em família com os noivos e os pais de ambos, eles se sentaram afastados e abriram um champanhe.
Ele segurava a mão dela, já enrugada pelo tempo, cada linha uma história.
Ele sorria para ela com os traços da velhice no rosto, cada traço uma história.
Eu lia os lábios de ambos, que conversavam como dois adolescentes flertando em uma festa. Ela sentada num daqueles banquinhos desconfortáveis em frente ao balcão de bebidas. Ele apoiando um dos cotovelos sobre o balcão, juntos recriavam o momento em que se conheceram.
Aconteceu nos anos 2000. Era uma festa retro, tudo entre os anos 60 e 80 valia, e as pessoas estavam a caráter. Existia um quê de especial naquilo tudo. Era como se as pessoas se sentissem responsáveis por interpretar papéis. Podiam ser elas, ou um personagem da época.
– Sozinha gata? – Perguntou o garoto com um topete que lembrava o Elvis Presley, só que menos extravagante e já bagunçado pela dança, ou talvez, por outra coisa.
– Eu nunca estou sozinha. – Respondeu ela, sem tirar os olhos de seu Martine – Sou minha própria companhia.
E o encarou, os olhos escuros flamejavam, os lábios puxavam um sorriso desafiador.
Ambos tinham seus 19 anos. Ele, dispondo seu melhor sorriso, usando aquela fileira de pérolas como arma principal, sendo auxiliado pelo charme e pela lábia. A jaqueta de couro branca encaixava perfeitamente em seu corpo, parecia feita sob medida, exclusivamente dele.
Debruçado sobre a bancada na qual ela estava ele passava os olhos nela.
A pele morena que exalava um aroma de canela e mel era o suporte de cachos castanhos claros, bem armados, bem anos 80. As pernas cruzadas, quase nuas, escondidas apenas pelo short jeans e as meias 3/4 balançavam levemente.
– Certo. E, você aceitaria uma outra companhia?
Ela largou seu copo e pôs as mãos sobre as pernas.
– A sua? – Os olhos fitavam os dele.
Ele abriu os braços, demonstrando que não era pouca coisa. Ele tinha confiança, e ela queria saber até onde iria.
Voltou a pegar o copo. Bebeu todo o conteúdo e voltou-se para ele.
– Não vejo porque não.
Ele abriu um sorriso, dessa vez, bem menos largo que o primeiro. Era a cautela, ele havia entendido. Ela não era do tipo que se derruba no primeiro round.
– Sabe, – começou ele – dizem que pessoas jovens são mais dispostas a fazer loucuras. Você concorda?
Ela imaginava onde ele queria chegar, algo relacionado aos dois entre 4 paredes e uma cama.
– Isso depende.
– De que?
– Da companhia presente – disse com um sorriso de malícia que só ela conseguia fazer. Se um anjo sorrisse de forma maliciosa, seria algo como aquilo que ela fazia.
Ele percebeu a deixa, então avançou o sinal, começava a se aproximar dos lábios vermelhos sob a pele morena.
– A minha companhia serviria?
– E que loucura você propõe? – Sua voz saiu suave. Ela se aproximava também.
Pararam 3 centímetros frente a frente. Encarando olhos e boca, olhos e boca. Que passo dar agora? Quem avança primeiro? Alguém deveria avançar?
– Vou te mostrar. – Ele disse, se afastando e estendendo a mão.
Ela segurou, apenas para descer do banco desconfortável que era o do balcão de bebidas.
A festa já estava no fim. Só tocavam música lenta a essa altura, e os garotos saíam abraçados com as garotas, guiando elas até os quartos no andar de cima, ou para os carros a caminho de motéis ou simplesmente nas traseiras dos carros. Outros grupos saíam rindo ou carregando um amigo chapado ou se carregando chapado, o bonde todo, bêbados e bêbadas. Esse resultado era o sinônimo de festa boa.
De qualquer forma os quartos ficavam lá em cima, mas quando ele a segurou pelo pulso seguiu o caminho contrário. Estavam indo para os fundos da casa, onde havia uma piscina.
– Quando chove, – começou o garoto, enquanto tirava a camisa – uns apenas se molham.
– Enquanto outros, sentem a chuva. – Completou ela, sorrindo e começando a tirar o tênis.
Jogaram as roupas em cima de uma cadeira de praia e pularam seminus.
Era uma noite de lua cheia, a única coisa que iluminava o rosto de ambos naquele momento além da lua eram as luzes de festa que piscavam na sequência azul, rosa e amarelo. Tocava baixinho "Sweet Caroline, na versão de Neil Diamond". A água estava gelada, e o maxilar dos dois começou a tremer de leve, chegaram mais perto afim de que o calor que cada um emanava aquecesse toda aquela água.
Ambos haviam desmanchados as fantasias, os papéis. Eram tão puros, tão reais. Nada forjado ou forçado. Não existia molde e naquele momento, era como se não existe tempo.
Trocaram então, beijos, que se não fosse pela umidade, talvez soltassem faíscas.


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