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FOTOGRAFIAS
Marc Burnier


Já passava das oito horas da manhã quando a chuva chegou retirando das ruas todos os pedestres desavisados. Todos aqueles que não estiveram atentos às previsões meteorológicas feitas na noite anterior, tal como eu, procuravam, às carreiras, um lugar para se abrigar.
Aí valia tudo: uma banca de revistas, uma marquise, uma lojinha que àquela hora já estivesse aberta. Tentei primeiro uma padaria, entretanto, já cheguei com a casa cheia. Acabei ficando parcialmente na calçada. Lá dentro Ali devia haver mais de trinta pessoas, e por isso mesmo, sequer consegui proteger minha bolsa da chuva que vinha empurrada por fortes rajadas de vento.
Precisava fazer alguma coisa. E alguma coisa num momento e situação como aquelas seria procurar abrigo em outro lugar.
Mas onde?
Como a intensidade da água que descia às bicas, tinha dificuldade até para esticar o pescoço em busca de outro estabelecimento comercial já aberto àquela hora da manhã. Mas mesmo assim arrisquei uma olhada ao longo da calçada. Foi então que vi, a poucos passos de onde eu me encontrava, uma porta de aço sendo aberta.
Logo três pessoas que estavam em minha companhia, e vivendo a mesma situação que eu, correram para lá em busca de proteção.
Quase que instintivamente eu as acompanhei.
Mal adentrei a loja, procurei verificar se meu aparelho de telefone celular havia se molhado. É que na correria para escapar da chuva eu o colocara no bolso traseiro da calça.
Tomei o aparelho nas mãos, dei alguns comandos e logo vi que estava tudo em ordem felizmente. Imediatamente percebi que haviam chegado algumas mensagens durante o período em que eu estivera com ele longe dos olhos.
Cliquei para ver a primeira. Tratava-se do envio, por uma colega de trabalho, de algumas fotos tiradas na noite anterior durante um jantar com amigos. Eram dezenas delas, todas perfeitas e de um colorido sem igual. Provavelmente minha amiga havia utilizado algum novo recurso para conseguir efeitos tão interessantes.
Não pude checar as demais fotos, uma vez que outras pessoas também procuravam abrigo naquele lugar. Dei alguns passos para trás abrindo espaço para quem chegava.
Em alguns instantes estava eu já dentro da loja.
Acabei indo parar junto ao balcão, ao lado de um homem já idoso, o qual limpava alguns porta-retratos, expostos numa prateleira.
Corri os olhos pelas paredes e só então percebi que o lugar pertencia por certo a algum antigo fotógrafo. É que em todas as paredes estavam dispostas, de forma aleatória, uma verdadeira coleção de fotos antigas; todas em preto e branco.
A primeira que me chamou a atenção exibia uma das principais praças de minha cidade. Apesar de ser uma imagem de mais de cinquenta anos, não tive qualquer dificuldade para reconhecer o lugar, uma vez que lá estava o inconfundível coreto.
Mais adiante, parede afora, havia outras tantas; de pessoas e de lugares diversos.
Estava eu naquele momento embevecida, curiosa e admirada com pessoas e lugares que o tempo levara para tão longe. Quantas daquelas pessoas que ali estavam seriam parentes distantes ou velhos amigos de meus pais, de meus avós?
Distraída com o mundo antigo diante dos olhos, nem percebi que a chuva lá fora, assim tão rápido quanto chegara, tinha ido embora.   
Nem sei ao certo quanto tempo eu ficara observando, mergulhando no tempo, imaginando, imaginando...
Em poucos minutos a loja estava vazia. Todas as pessoas que naquele lugar buscaram refúgio minutos antes tinham saído.
Apenas eu continuava ali, imóvel, como se estivesse aprisionada em algum dos lugares registrados naquelas tantas fotografias.
De repente me deparei com a imagem de uma mulher com um garotinho no colo. Pelos trajes via-se de imediato tratar-se uma imagem registrada há sessenta, setenta anos.
“Quem seriam estas pessoas?”, indaguei a mim mesma em voz quase inaudível.
– Eu e minha mãe.
A resposta veio do homem que minutos antes limpava as molduras junto ao balcão.
Olhei de soslaio e o percebi ao meu lado.
Era como se ele adivinhasse o que eu me perguntara quase em pensamento.
Não fiz qualquer comentário ao ouvir tais palavras. Apenas continuei ali, admirada, encantada com a grandeza daquele sublime momento.
Tinha em meu celular o registro de dezenas, centenas de momentos que eu mesma julgara importantes.
Fotografei e fui fotografada milhares de vezes ao longo dos últimos anos, mas fui me encantar de verdade somente com aquela fotografia.
Ali estavam mãe e filho; ali estava o registro do amor pleno.
E não precisou de mais do que uma única foto.


Biografia:
Um leitor apaixonado por Literatura
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