Temos medo de nos matar
Temos medo de fechar os olhos propositadamente
Cortar a respiração como se faz com as veias
Medicamentar-se como se aos ratos quiséssemos tirar a vida
Temos medo até do medo que temos
Porque em muitas circunstâncias, desvairados
Achamos por bem seguir pela estrada
E ser as vítimas da próxima tragédia rodoviária

Temos medo da descoberta
Da morte e os seus problemas
As dívidas e rancores
Medo de ir
Medo de voltar
Dos choros vindo de cima
Depois de provarmos a terra
Medo de nos querermos levantar

Não queremos morrer
Embora queiramos
E as rezas repetidas
Muito para além da adoração
E do louvor fervoroso
São petições
O medo do inferno

É aí que escrevemos
Lemos, ainda que livros rasgados
Passagens complexas
Artigos vazios

Estudamos coisas que não se entendem
Produzimos sem ser produtivos
Mas criamos
Fotografamos
Pintamos
Desenhamos
Amamos

Servimos
Dançamos e cantamos
Músicas sem som
Encenamos sonhos perdidos
E tantas outras merdas
Porque não sabemos, ainda
Se vale mesmo a pena morrer.

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