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Memória, História, Turismo
Mirza Pellicciotta

Resumo:
Breve reflexão sobre as relações que, na contemporaniedade, se estabelecem entre os universos da História, Memória e Turismo. O texto dialoga com experiências que se acham em curso na cidade de Campinas/SP

MEMÓRIA, HISTÓRIA, TURISMO

                                                  Mirza Pellicciotta


     A velocidade das transformações sociais, em particular, neste breve século XX (Hobsbawm) e início de XXI, tem-nos colocado diante de novos desafio para pensar e atuar coletivamente. Os fluxos migratórios, os processos de desenraizamento e complexificação cultural, as dimensões assumidas pela divisão social do trabalho, compõem um novo e específico cenário de vida e de natureza. Integrar um tempo tão acelerado em suas variantes e desdobramentos, na verdade, obriga-nos a pensar e trabalhar em movimento, condição para que consigamos compreender - e nos fazer entender - por um número cada vez maior de agentes históricos em trânsito.
Neste cenário, o turismo ressurge como ferramenta inusitada. Atividade sintonizada com o deslocamento parece-nos possível emitir deste território um outro leque de questões e percepções, essencial a uma compreensão mais dinâmica e sensível às contradições de nossas próprias relações, experiências e trajetórias históricas.


MEMÓRIA E TURISMO

     O fenômeno de aceleração das transformações históricas experimentado no curso do século XX e início do XXI tem sido capaz de alterar elementos culturais profundos e reordenar seus significados no bojo de fenômenos sociais massificados, desdobrando-se daí relações diferenciadas com o espaço e o tempo. Ao mesmo tempo os fenômenos de deslocamento e desenraizamento social e cultural tem agravado ainda mais a perda de referências e sentimentos de pertencimento aos lugares e relações, comprometendo-se seriamente as possibilidades e condições de sobrevivência e controle das populações sobre seus destinos e espaços.
A perspectiva e possibilidade de qualificar a circulação assume então, um lugar central no aprimoramento das relações de cidadania, afinal o sentimento de pertencimento constitui-se condição primordial de gestão e sobrevivência, podendo-se afirmar que o sentir-se integrado ao patrimônio material e imaterial de uma localidade é elemento essencial para se ter acesso a esta mesma localidade.
     Em meio à aceleração, transformação e deslocamento de populações, relações e sentidos culturais encontramos experiências interessantes relacionadas com o universo do turismo. Na verdade, quando nos colocamos em situação efetiva (ou deliberada) de trânsito, nós nos vemos frente a frente com a necessidade de consultar e de nos deixar orientar por guias, mapas e publicações turísticas que, por diferentes mecanismos, interferem em nossas relações e percepções dos lugares e atrativos, situação que nos informa acerca do poder que estas mesmas ferramentas de navegação turística exercem sobre as percepções e experiências ao confina-las ou baliza-las por entre espaços e testemunhos previamente selecionados.
Os materiais turísticos, de fato, alcançam finalidades diversas na medida em que reelaboram e rearticulam aspectos específicos da paisagem, e entre eles, os elementos históricos que, freqüentemente, emergem dos cenários dispersos e desconectados em tempo e espaço, jogando-se luz (ou escuridão) sobre questões, experiências e trajetórias históricas em detrimento de outras, interferindo-se diretamente nas possibilidades de leitura, valorização, preservação e transformação dos significados coletivos.
Por outro lado, situações como estas nos levam a pensar sobre as perspectivas de imprimir nos mesmos instrumentos e materiais, propostas de leitura e circulação sensíveis às contradições e complexidades do espaço social, podendo-se resgatar e valorizar por seu intermédio significados importantes à própria trajetória de circulação e transformação em uma outra escala de valores, percepções e reflexões. Neste caso, poderíamos pensar o turismo como uma ferramenta estratégica de apropriação dos bens simbólicos do espaço, apropriação que, em nosso entender, deveria se dar permeada por perspectivas de coletividade e em sintonia com a produção social do espaço.


TURISMO E HISTÓRIA

     A equipe técnica do Departamento de Turismo de Campinas vem desenvolvendo nos últimos anos uma experiência importante de qualificação da circulação turística, com vistas a contribuir para a ampliação do sentimento de pertencimento da população à cidade. Conhecer e se reconhecer em seu espaço constitui-se aspecto fundamental para a construção de uma cultura turística de caráter local e regional, fundada no reforço dos elementos identitários e na estruturação de uma trajetória qualificada de recepção turística.
     Os estudos desenvolvidos pela equipe técnica do Departamento a partir de 2002, sob minha coordenação, tem-se orientado por estas diretrizes e, desde o início se fundamentado em um rigoroso trabalho de pesquisa e discussão teórica voltado a mapear, analisar e discutir aspectos fundamentais da história de Campinas. Neste aspecto, temos trabalhado identificando autores, estudos e fontes na perspectiva de propor uma leitura minuciosa, articulada e ampla acerca das origens, desenvolvimento, transformações e contradições da história urbana e rural de Campinas.
De maneira concomitante, temos desenvolvido diferentes instrumentos e suportes de informação e orientação da circulação, capazes de fornecer dados, sensibilizar e qualificar a reflexão sobre o patrimônio histórico-cultural e ambiental do município.
     Com estas finalidades, o primeiro produto que criamos foi o Mapa Turístico Cultural de Campinas, instrumento que surgiu da seguinte questão: seria possível representar em um mapa turístico, os aspectos centrais da formação e transformação histórica de uma cidade? Caso fosse, que informações deveríamos selecionar para interessar e levar os leitores a visitar e redescobrir a cidade por um crivo histórico-cultural?
Para responder estas perguntas, passamos a estudar os mapas de Campinas e, a partir de uma melhor compreensão territorial, desenvolver um conceito e produto. Começamos por sobrepor os mapas antigos, associando-os em seguida aos mais recentes até obter uma visualização satisfatória da evolução urbana da cidade. Em seguida, inserimos a identificação de um conjunto de espaços e instituições considerados por nós significativos (e sobreviventes) desta evolução urbana, misturando-os a um outro conjunto de pontos já consagrados como atrativos turísticos estabelecendo novas articulações entre eles. Por fim, para facilitar a "navegação" histórico-cultural pela cidade, inserimos dados essenciais de locomoção (número de ônibus, telefone, endereço), resultando destas operações um mapa cuja primeira face achava-se representada a região central (identificada em sua evolução urbana, com cerca de 230 anos de história) e, no verso, o restante da malha urbana (identificada em seu crescimento a partir da década de 1930, com alguns bairros e as principais regiões rurais e rodovias).
     Um segundo produto criado pelo mesmo grupo foi o site Conheça Campinas, localizado no portal da Prefeitura Municipal de Campinas (www.campinas.sp.gov.br) e composto por boa parte das informações e imagens recolhidas pela pesquisa do mapa, acrescidas de informações de serviços, bens tombados, descrições de atrativos, etc.
     O terceiro produto surgiu da proposta de oferecer informações histórico-culturais por meio do rádio, ganhando forma o programa Conheça Campinas na Rádio Educativa (municipal).
     O quarto produto constituiu-se o projeto Janelas da Cidade; trabalho desenvolvido em parceria com a SANASA com o propósito de requalificar a "Torre do Castelo" como atrativo turístico. A chamada Torre do Castelo constitui-se uma caixa d´agua de 22 metros, instalada no início dos anos 1940 em um dos mais altos pontos da cidade. Dotada de um mirante, a torre nos permitiu trabalhar com uma visão de 360° em meio a qual identificamos elementos centrais de uma paisagem urbana em desenvolvimento. Através de suas seis janelas, propusemos uma leitura evolução urbana de Campinas, identificando seu território de origem, os primeiros bairros e as diferentes dinâmicas de crescimento no curso do tempo, além de algumas características importantes das áreas rurais. Mais recentemente, trouxemos para seu interior um conjunto de seis placas internas com a identificação de 52 atrativos turísticos localizados nas diversas porções da cidade e apresentados com fotos e informações de acesso.
     O quinto produto, em função da maturidade das pesquisas e discussões, pode enfim alçar maiores vôos dentro das perspectivas de fornecer noções de tempo e espaço aos moradores e visitantes da cidade. Refiro-me ao Sistema de sinalização turística do patrimônio histórico-cultural da região central de Campinas , composto por 53 placas de sinalização alusivas à formação e transformação histórica de 16 praças, 4 ruas e 33 edifícios e monumentos do chamado "centro velho" da cidade. Com formatos e tamanhos diferentes, este sistema cumpriria com o propósito de qualificar a circulação turística na região central, oferecendo interpretações sobre as origens e transformação dos espaços, referências de deslocamento e informações de equipamentos culturais e acervos remanescentes.
Os estudos históricos norteadores deste projeto contou com um banco de dados remanescente do projeto que, 12 anos antes, deu origem ao Museu da Cidade de Campinas e no qual atuei como coordenadora de pesquisa . O rigor dos levantamentos e cruzamentos, de fato, foi o que nos permitiu identificar trajetórias muito específicas de constituição histórica no território do "centro velho", na prática, 16 sub-áreas que, em função da deterioração dos marcos de formação e transformação, já não conseguiam revelar as diferentes dinâmicas sociais, culturais, econômicas e urbanas que, no curso de mais de duzentos anos haviam permeado a constituição da cidade. As placas de sinalização surgiram, de fato, como ferramentas efetivas de localização em tempo e espaço, prestando-se a sensibilizar e orientar o acesso de moradores e visitantes ao patrimônio histórico-cultural e ambiental da região central, além de promover novos roteiros e tours temáticos, facilitando o trabalho de guias, professores e interessados na história da cidade.
Por fim, o programa "Conheça Campinas" alcançou seu ponto mais complexo com a produção do livro Conhecer Campinas numa perspetiva histórica , coordenado pelo Prof. Dr. Ângelo Emília da Silva Pessoa, que há vários anos vinha desenvolvendo na Secretaria de Educação atividades de discussão, orientação e experimentação sobre os estudos do meio na prática pedagógica. Coube a este professor e seu grupo eleger o centro histórico de Campinas como objeto de estudos do meio a partir de uma perspectiva histórica de abordagem. Com base nos materiais iconográficos e de pesquisa levantados pelo grupo e pelo Departamento de Turismo, a cidade de Campinas poderá contar com um trabalho de reflexão, prospecção e educação patrimonial nas salas de aula da rede municipal.


TURISMO E CONHECIMENTO


No curso dos anos 2005/2006, temos trabalhado na construção de uma perspectiva regional de desenvolvimento turístico, buscando estabelecer parcerias e relações com os municípios integrantes do Circuito de Ciência e Tecnologia. A intenção de participar deste circuito trouxe-nos de fato, um outro conjunto de desafios, e em particular, o de vislumbrarmos conexões sociais e culturais para além das atuais demarcações político-administrativas dos Municípios integrantes. Orientados a reforçar a presença regional de um forte parque de instituições de ensino, ciência e tecnologia, nossos esforços tem-se voltado a reconceitualizar os termos "turismo" (de forma a reforçar a vocação de partilha de conhecimento), "ciência" e "tecnologia" (na intenção de alargar-lhes o sentido e abarcar diferentes trajetórias e perspectivas de produção e aplicação do saber). Estas discussões, por sua vez, somadas à realização de um inventário turístico preliminar dos 12 municípios integrantes, tem-nos permitido estabelecer conexões importantes acerca da formação de Campinas, Jaguariúna, Sumaré, Hortolândia, Paulínia, Monte Mór, Indaiatuba, Nova Odessa, Americana, Limeira, Piracicaba e Santa Bárbara do Oeste. Entre estas conexões, temos nos deparado com uma formação étnica diversificada (alemães, norte-americanos, letos, suiços, italianos, espanhóis, portugueses, japoneses, entre outros) e responsável por uma significativa variedade de saberes e tecnologias (construídas e aplicadas no universo rural e urbano), bem como com a presença de uma forte diversificação religiosa que, no curso do tempo, acabou por dar lugar a experiências singulares de ensino e perspectivas de conhecimento.
Este alargamento de fronteiras turísticas, por sua vez, tem-nos permitido identificar em nosso próprio território a presença de grupos étnicos e trajetórias de desenvolvimento específicos, bem como aspectos importantes de uma história social permeada de conflitos e de contradições e que ainda hoje imprimem suas marcas na cidade de Campinas. Nesta perspectiva, o trabalho de nosso grupo técnico no Departamento de Turismo acha-se focado na implantação de uma modalidade de turismo cultural em áreas rurais, em particular, junto às comunidades de Friburgo (de origem alemã) e Pedra Branca (de origem japonesa e italiana).


Biografia:
Graduada em História, Mestre em História Social e Doutoranda em História Cultural pela Unicamp. Docente da PUCCAMP entre os anos 1987/2005, coordenadora do Departamento de Turismo de Campinas
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Artigos Memória, História, Turismo Mirza Pellicciotta


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