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As Vezes
ou Artificial
Eduardo da Conceição

As vezes tudo vai bem, mas você não está bem. As vezes você vai fazer três anos num relacionamento maravilhoso com aquela que parece ser a mulher de sua vida, que te ama, que te trata tão bem e que, de tanto te amar e de tanto te tratar bem, você sente que todo amor e bem tratar que você dá a ela ainda não será o bastante. As vezes isso acontece, e você termina com ela, não por ela ter se tornado chata ou desinteressante, apenas termina, sente anseio de fazer coisas diferentes, de experimentar o novo, de conhecer a vida fora da caixa – no fundo, sente um certo receio de que aquele lindo amor que ela sente por você e que você tenta retribuir a ela, na verdade, seja uma atrofia causada pela falta de conhecimento de outras coisas, e que manter ele é manter essa atrofia.

As vezes parece difícil, quase sempre, mas você termina com ela. Na primeira (dura) semana, você acorda sem telefonar pra ela, você não ouve a voz dela, você vive aquilo que você não vivia há quase três anos, você está solteiro. E você se acostuma, você planeja, você imagina, imagina mil lugares, mil romances, mil amigos; você se organiza, você, sozinho, se sente bem imaginando como colocar sua vida em algum eixo, e você (re)aprende que quase sempre a vida não importa para os seus planos e seus eixos. A atrofia está lá, a falta dela se faz presente, falta algo em você por não estar com ela, pela certeza que ela não vai estar lá para ser sua namorada quando você voltar para casa, pela falta dessa coisa segura que vocês dois chamavam de namoro. Você vê os mil lugares distante, os mil romances inexistentes e os mil amigos algo impossível, você vê a ansiedade bater a sua porta, trabalhos se tornam torturantes, parece que tem alguém te enforcando durante as aulas, parece que o ar sai dos seus pulmões sem você querer, parece que o coração quer sair do seu peito sem você querer. Você quer ela de volta.

Talvez você não queira ela, você quer sua vida de volta, você quer conseguir ver a alegria de volta, aquela pequena sensação boa que não parece ter muita hora e lugar para aparecer e nem desaparecer. Você quer alegria de volta, ela virou sua alegria, você quer ela, e isso é doentio, isso é errado; voltar com ela não sana as suas dúvidas sobre a falta de conhecimento de outras coisas, apenas decreta que você tem medo de viver outras coisas e que ela, ainda que possa ser um bem estar artificial, ainda é um bem estar, o que é melhor do que nada. Ela não pensa assim sobre você, ela compreende a questão inicial, e vive a questão inicial, ela sai, ela aproveita, ela não é o ser humano mais feliz da Terra, ela apenas é um ser humano que consegue viver sem você, você é apenas um ser humano que não consegue viver sem ela- e isso não é amor, é incapacidade, ainda que momentânea, de convívio com outras pessoas além dela.

As vezes você vai ao médico, as vezes ele te receita um remédio quase inútil, que parece ser só placebo. As vezes os seus trabalhos atrasam, você precisa explicar que você apenas não consegue fazer eles por causa de sua situação. As vezes um professor pergunta o que há com você, você precisa explicar, e ele fala a verdade: procure um psiquiatra. É disso que você precisa, nem que seja para se entupir de Rivotril, esse bem estar artificial ainda será melhor do que a atual falta de bem estar. As vezes você escreve algo no meio de um turbilhão de ideias, de dúvidas, de anseios, algo besta, perto do imaturo, porque se trata de imaturidade e um anseio para se tornar maduro.


Este texto é administrado por: Luís Eduardo Santos
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