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GT DA VIDA(FIM)
Dimy

PARTE 13:
>eu poderia ficar extremamente surpreso
>poderia ficar extremamente irritado
>poderia gritar
>poderia sair dali naquele exato momento
>e pensei seriamente em fazer tudo isso
>mas recebi uma ligação
>- um momento. - eu disse pra ele, antes de atender
>era a minha mãe
>- alô?
>- onde você tá?
>- oi, eu tô na…
>- vem pra cá agora!
>a voz dela estava estranha
>- tá bom, o que ac…
>ela desligou na minha cara
>- eu preciso ir… - disse para ele
>- tudo bem.
>me levantei do sofá e saí
>- nos vemos mais tarde? - ele perguntou antes de eu passar pela porta
>eu não respondi
>chegando perto de casa, vi uma ambulância
>o meu avô estava sendo levado em uma maca
>eu corri na direção dele, minha mãe me parou
>- o que tá acontecendo?
>ela não respondeu, estava chorando
>ela apenas me abraçou, meu pai se aproximou de mim
>- vamos no carro.
>meu pai não estava chorando, mas parecia abalado
>- o que tá acontecendo, afinal?
>- ele teve um infarto, que droga! Vamos logo. - respondeu meu pai
>nós entramos no carro e fomos para o hospital
>aquele foi um dia tenso
>nunca irei me esquecer
>os momentos esperando no corredor
>a minha mãe chorando o tempo todo
>meu pai sério
>e eu me sentindo culpado por pensar em outras coisas
>por algum motivo não estava surpreso com isso também
>acho que minha capacidade de se surpreender já tinha acabado
>Ágata fez isso
>não sei dizer se é algo bom
>enfim
>ainda assim estava preocupado com meu avô, claro
>nesses últimos 2 anos eu me aproximei muito mais dele
>antes nossa relação era bem mais morna
>embora fosse melhor do que com o resto da minha família
>óbvio que eu queria que ele ficasse bem
>e então eu a vi a médica saindo da sala
>cada passo que ela dava pelo corredor parecia ser o primeiro de muitos
>ela não chegava nunca
>o corredor ficava maior
>mas eu não estava ansioso
>isso foi bom
>a demora fez com que eu me preparasse
>os segundos eternos que ela passou vindo na nossa direção foram o suficiente
>o semblante dela dizia tudo: estava preparada para dar uma má notícia
>quando ela chegou, eu já estava de luto
>apenas imaginava como a minha mãe iria lidar com isso
>- nós tentamos de tudo... - ela começou
>puta que pariu
>ela não podia ao menos tentar ser autêntica?
>- mas o paciente não apresentou melhoras. - completou
>- ele... ? - minha mãe estava enxugando as lágrimas
>- sinto muito, ele não resistiu. - confirmou a médica
>eu me levantei sem falar com ninguém
>nem mesmo fui consolar minha mãe
>apenas entrei na sala
>lá estava o meu velho
>o homem que me apresentou ao cinema
>completamente inerte
>ainda de olhos abertos
>eu não os fechei
>apenas o encarei por alguns instantes
>a médica veio atrás
>- você está bem? - ela perguntou
>eu não respondi
>fiquei ali, olhando nos olhos dele
>e juro: pude ouvir em alto e bom som
>"Por que está aqui, quando deveria estar tão longe?"
>não, ele não falou nada
>claro que não
>era apenas eu
>mas ouvir aquilo com a voz dele, e não com a minha fez a pergunta ter mais sentido
>porém dessa vez eu não sairia correndo atrás de Ágata
>eu não o deixaria no hospital sozinho
>não outra vez
>fiquei até o final
>vi o corpo ser levado
>e só então senti que era hora de voltar pra casa
>mas a pergunta ainda ecoava na minha mente
>isso me mantinha distraído o suficiente pra eu não pensar sobre como não tive a chance de me despedir
>quando não se tem a chance de uma despedida clichê, é sempre mais dolorido
2 dias depois...
>o funeral foi simples
>como ele gostaria que fosse
>o enterro tinha muitas pessoas
>a família inteira veio
>o enterro não foi no dia seguinte justamente por isso
>para ter tempo de que todos viessem
>muitas pessoas tentavam me consolar
>mas eu não precisava
>ainda assim fui gentil com todos
>no fundo, eu estava bem
>a única coisa que me chateava era saber que poderia ter feito melhor
>2 anos era muito pouco
>tantas coisas que eu poderia ter dito antes
>feito antes
>e o que mais doía era que eu tive a chance
>eu não fiz pelo simples fato de que não quis
>de repente notei alguém ali deslocado
>me encarando
>esse não era da família
>era o meu ex-sogro
>o meu ex-professor de Física
>o meu ex-conselheiro
>acho que eram os melhores nomes para defini-lo
>ele se aproximou de mim
>eu pensei em simplesmente ir embora
>mas eu fiquei curioso pra saber o que ele iria dizer
>pra minha surpresa não disse nada
>apenas ficou olhando para o túmulo
>as pessoas foram embora
>até que só restamos eu e ele
>nós dois ali, olhando para o túmulo do meu avô
>começou a chover, mais clichê impossível
>esperei que ele dissesse algo
>as vezes ele quase abria a boca
>tinha certeza que ele iria dizer "sinto muito"
>então me agilizei
>- você sente muito, eu sei.
>ele sorriu
>- não sinto.
>- o quê?
>- eu não sinto muito... - ele olhou pra mim – eu não me importo.
>é, isso foi bem franco
>- e você também não.
>- claro que me importo!
>- não, não se importa. Isso te incomoda um pouco, mas não ao ponto de te deixar triste.
>no fundo ele estava certo
>- era um homem velho, um bom homem, mais velho. Uma hora ou outra aconteceria.
>eu não confirmei, mas também não neguei
>- além do mais, você é muito ocupado assombrado pela própria morte, pra se preocupar com a morte alheia.
>- não preciso de você me lembrando o quanto eu sou babaca.
>- é, não precisa. Então vamos pular essa parte...
>- o que você quer?
>- você vai pra Alemanha.
>nesse momento eu me retirei
>ele foi atrás de mim
>- escuta!
>- eu não vou pra Alemanha! - gritei sem olhar pra trás
>- ao menos me ouça!
>- por favor, é o enterro do meu avô!
>- você precisa ir...
>nesse momento eu parei e me virei pra ele
>eu estava com raiva
>agora sim eu estava irritado
>- ah, é? Pra quê? Pra encontrar a sua filha maluca? Pra correr atrás de alguém que vai fugir de novo?
>- é, isso aí.
>- muito engraçado!
>dei as costas novamente
>- você vai, e você sabe disso. E dessa vez, quando você encontra-la, ela não vai fugir de você!
>- como você sabe? - perguntei, ainda andando
>- é o que ela quer.
>eu parei novamente
>- e por que ela fugiu?
>- eu não sei, vai ver ela queria que você continuasse procurando. Ou vai ver você tá fazendo do jeito errado.
>- como assim?
>- talvez... você não deva encontra-la, talvez ela deva.
>- então eu vou ficar onde estou.
>- não, existe algo.
>eu enfim resolvi ouvi-lo
>- "algo"?
>- algo que você não entendeu...
>eu respirei fundo
>- você sabe exatamente o que é, não é? - perguntei
>ele riu
>- é, eu sei.
>- vai me dizer?
>- não.
>voltamos para perto do túmulo
>- não vou ficar aqui por muito tempo, não trouxe um guarda-chuva...
>à essa altura estávamos encharcados
>pensei em algo que queria perguntar
>- como acha que ela sempre sabia onde eu estava?
>- não tem muito mistério, ela procurava você, você procurava ela.
>- mas em 1 ocasião, fui eu quem a encontrei.
>ele não me disse nada, estava esperando que eu continuasse
>- no teatro, ela estava no palco. Como diabos?
>- ela sempre quis ser atriz, deve ter conseguido o papel. Você sabe, ela gosta de cinema, teatro é como cinema... só que mais vivo.
>- faz sentido, mas parece muita coincidência.
>- é, parece mesmo? O que você foi fazer no teatro?
>- um casal de portugueses me convidou...
>ele riu
>- são os tios dela. Ela deve ter pedido pra eles fazerem isso...
>fazia sentido
>eles estavam indo para o mesmo lugar que eu
>o Clube de Folk onde eu a encontrei pela primeira vez lá
>eu os encontrei primeiro
>era tudo uma encenação
>eles me levarem até lá para encontra-la
>impressionante como eu sou feito de idiota com tamanha facilidade
>- e então, você vai pra Alemanha?
>- eu não sei, eu preciso pensar sobre essa... "coisa" que você falou. O que eu estou fazendo de errado.
>- não vai descobrir aqui... - ele disse, me entregando outra passagem
>coloquei no meu casaco rápido para não molhar
>- eu a procurei em cinemas, sabe. Em teatros também...
>- não a procure, viva Berlim. Viva a sua vida. Deixa acontecer.
>aquilo parecia loucura
>e era
PARTE 14 (FINAL):
>"veni, vidi, vici"
>essa frase, segundo dizem, foi proclamada por Júlio César
>"vim, vi, venci"
>por que isso importa?
>eu não sei, mas importa
>se não importasse, não estaria escrito no cantinho da minha passagem com caneta vermelha
>foi ele
>ele me disse que não contaria o que era o tal "algo" que eu não entendi
>mas aparentemente ele me deu uma dica
>isso ecoava na minha cabeça o tempo todo
>enquanto eu olhava para o teto
>em um apartamento... em Berlim
>1 ano já se passou
>muita coisa mudou desde então
>consegui um emprego como estagiário em uma emissora de TV nacional
>nada extraordinário, eu só faço organizar as fitas com arquivos e colocar adesivos
>adesivos com nome das filiais da emissora
>para saber o que vai pra onde, sabe?
>acho que isso é o suficiente pra um cara de 19 anos
>diferente da primeira vez que visitei Berlim, não a encontrei mais
>não a encontrei em lugar nenhum
>mas as vezes me sentia observado
>nos primeiros meses eu ainda achava que a encontraria por aí em algum lugar aleatório
>mas depois percebi que não seria assim
>eu era pequeno e o mundo era grande
>ela era tão pequena quanto eu
>eu só a encontrava antes porque ela queria
>resolvi fazer o que o pai dela sugeriu
>resolvi viver
>e foi a melhor coisa que já fiz
>Berlim é um lugar fantástico
>"veni, vidi, vici"
>o que aquilo queria dizer, afinal?
>foi em uma manhã indo pro estúdio que eu entendi
>eu encontrei um colega de trabalho
>ele estava de carro, perguntou se eu queria uma carona
>é claro que eu aceitei
>foi uma conversa longa
>conversamos sobre um monte de coisa que não importa agora
>também vimos alguns monumentos no caminho
>entre eles o Siegessäule
>- dá pra ver os buracos de balas da época da Segunda Guerra Mundial se a gente chegar bem perto. - disse meu amigo, enquanto dirigia
>eu não sei o motivo dele ter falado isso
>mas por algum motivo fiquei interessado
>- o nome dele, o que significa?
>ele riu
>- as vezes eu esqueço que você não é alemão. É algo como Obelisco da Vitória.
>o assunto morreu ali
>mas eu continuei pensando no tal monumento
>"Obelisco da Vitória"
>talvez porque ter sido feita pra comemorar uma vitória em uma guerra
>talvez por ter uma estátua da deusa romana Vitória no topo
>ou talvez as duas coisas
>o dia no trabalho foi normal
>uma vez ou outra me peguei distraído pensando no tal monumento
>enfim
>quando eu acordo, passo um bom tempo olhando pro teto, como nos velhos tempos
>é sempre legal ter um assunto pra pensar
>nem me preocupo com niilismo existencial
>droga, isso realmente funcionava
>nem me lembro a última vez que parei pra me preocupar sobre minha insignificância
>mas não era como eu estivesse "curado" ou algo do tipo
>eu só controlava a coisa, sabe?
>enfim, funcionava
>foi na manhã seguinte que as coisas ficaram claras para mim
>olhando para o teto
>"veni, vidi, vici"
>"vim, vi, venci"
>"Obelisco da Vitória"
>"Vitória"
>"vici"
>"venci"
>por que caralhos meu colega falaria sobre um monumento histórico?
>então eu sorri, olhando pro teto
>era tudo sobre isso, não é mesmo?
>eu não estava fazendo errado em procurá-la
>eu só não estava procurando do jeito certo
>tinha que ser do jeito dela
>sempre tem que ser do jeito dela
(ouçam isso: https://www.youtube.com/watch?v=u-Y3KfJs6T0)
>5 horas da manhã
>uma neblina tomava conta de Berlim
>eu peguei um casaco
>me sentia seguido outra vez
>como não me sentia há muito tempo
>estava frio lá fora
>naquela manhã não fui trabalhar
>fui até o tal "obelisco da vitória"
>olhei bem pra ele
>- está vendo os buracos deixados pelas balas? - disse uma voz que eu conhecia, vindo de trás
>eu me virei
>e lá estava ela
>meu coração acelerou
>eu sorri, e nem queria sorrir
>sorri porque tinha vencido
>sorri porque aquilo tinha acabado
>"veni, vidi, vici"
>"vim, vi, venci"
>vim para a Alemanha
>vi o Obelisco da Vitória
>venci o joguinho dela
>- todo esse tempo, era isso que eu precisava fazer, não é?
>ela sorriu de volta
>- você demorou pra entender
>- a frase... ela estava nas outras passagens?
>- e no dinheiro.
>- é, eu não tinha percebido... e nem sei se teria entendido se percebesse.
>um silêncio pairou naquele lugar
>éramos apenas eu e ela ali, na neblina
>no frio de Berlim às 5 horas da manhã
>- você me fez atrasar pro trabalho.
>- é, eu já te atrasei antes.
>- atrasou... - eu disse rindo
>esse tipo de coisa me fazia lembrar que a vida é um ciclo
>- o meu colega... você pediu que ele me desse a carona, não é?
>ela não respondeu
>- também pediu que ele falasse sobre o Obelisco.
>- isso importa?
>demorei pra falar mais alguma coisa
>queria apenas aprecia-la ali
>- então é isso? Acabou? Você é minha?
>ela se aproximou de mim
>- Ágata... nós vamos ficar juntos dessa vez?
>- isso depende...
>ela se aproximou de mim
>nos beijamos
>foi um beijo bem longo, eu não queria que acabasse
>como na primeira vez
>então ela me olhou nos olhos
>não pude perceber quando sua boca se abriu para falar algo, mas pude ouvir
>- o universo é grande?
>- bastante. - respondi
>- e como você se sente sobre isso?
>eu sabia que eu não podia errar a resposta
>eu sabia que aquilo seria o que decidiria se ela ficaria ou não
>e também sabia que não podia mentir
>e só agora eu entendia
>entendia que aquela era a decisão da minha vida
>durante todo esse tempo
>eu por várias vezes me perguntei o motivo dela fazer tudo isso
>e quando ela disse que era pro meu bem, eu achei aquilo absurdo
>quando as coisas ficaram claras pra mim, eu achei um absurdo também
>mas não era
>eu só não tinha entendido o suficiente
>ela estava fazendo certo
>parecia loucura, mas era o certo
>e eu como sempre, agia como o cara chato
>o cara que reclamava de tudo
>mas agora, agora eu entendia
>e por isso eu venci
>obrigado, Ágata
>você é o sentido da minha vida
>"veni, vidi, vici"
FIM


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