Por D. M. Lloyd Jones (traduzido e adaptado por Silvio Dutra)
Nós lemos em Mt 12.33-37 o seguinte:
“33 Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom; ou fazei a árvore má, e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore.
34 Raça de víboras! como podeis vós falar coisas boas, sendo maus? pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.
35 O homem bom, do seu bom tesouro tira coisas boas, e o homem mau do mau tesouro tira coisas más.
36 Digo-vos, pois, que de toda palavra fútil que os homens disserem, hão de dar conta no dia do juízo.
37 Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado.”
Nosso Senhor não tinha nenhuma expectativa quanto a uma futura conversão, da grande maioria dos fariseus, e por isso lhes proferiu tais palavras.
Aqueles fariseus que estavam blasfemando contra o Espírito ou próximo de cometer tal pecado, foram classificados por Jesus como árvores que dão maus frutos.
Assim como é impossível para uma árvore boa, dar maus frutos, de igual modo uma árvore má não pode dar bons frutos.
Nosso Senhor chamou estes fariseus blasfemos de raça de víboras. Não apenas de víboras, mas de raça. Com isto indicou que eles eram da descendência da Serpente que sempre está em inimizade contra Deus e os filhos de Deus. E que coisa boa pode ser esperada de uma víbora?
É uma questão de natureza. E ainda que todos sejam pecadores há uma condição somente conhecida por Deus, daqueles que jamais serão curados do pecado, porque não possuem apenas uma natureza terrena corrompida pelo pecado como todos os demais homens, mas que também possuem esta característica de serem incuráveis.
O homem que Jesus chama de bom, não é, portanto, aquele que não seja pecador ou que não tenha pecado neste mundo, mas que virá a odiar o pecado, e toda forma de mal, e que será capacitado pela graça e pela operação do Espírito Santo a produzir frutos de justiça, o fruto do Espírito Santo. Estes podem tirar cousas boas de seus corações porque foram enxertados na boa e santa oliveira que é o próprio Cristo, e que tendo seus corações transformados de corações de pedra em corações de carne, podem então produzir os bons pensamentos e ações inspirados e movidos pelo Espírito.
Já aqueles que permanecem escravizados ao pecado, sem este novo nascimento espiritual, sendo portanto, apenas homens naturais, sujeitos à corrupção da natureza terrena, não podem tirar qualquer coisa de valor celestial, divino e eterno de seus corações, coisas estas às quais Jesus chama de cousas boas.
Nossos corações são, portanto, tesourarias que produzem continuamente pensamentos que podem ser em sua própria natureza, espirituais, celestiais e divinos, ou então carnais, terrenos e diabólicos.
No Sermão do Monte, nosso Senhor se referiu ao cuidado que deveríamos ter com os falsos profetas, dos quais disse que deveríamos nos acautelar, e que podemos conhecê-los pelo tipo de fruto mau que eles produzem (Mt 7.15-20).
Nosso Senhor quis destacar que apesar de duas árvores serem parecidas em seu aspecto exterior, quando são julgadas pelo tipo de fruto que dão, percebe-se que são totalmente diferentes. Um se pode comer, porém o outro não. É evidente que há aqui um ensino muito profundo.
Com isto Jesus quis mostrar que ser cristão é algo que está na essência mesma da personalidade, que é algo vital e fundamental. Não se trata de aparências superficiais quanto a crenças. Parece querer nos ensinar sobre o perigo de nos enganarmos com as aparências. É o mesmo caso do uso da metáfora relativa aos falsos profetas que vêm vestidos de ovelhas. Noutras palavras, está em foco o perigo de parecer ser cristão sem sê-lo na realidade.
Já vimos que isto sucede no campo do ensino e da doutrina. Alguém pode parecer estar pregando o evangelho quando, na realidade, quando é julgado por provas genuínas, vê-se que não o faz. O mesmo acontece no caso da conduta e da vida. O perigo, neste caso, está em querermos ser cristãos acrescentando coisas à nossa vida, em vez de chegar a ser algo novo, em vez de se receber vida interior, em vez de que a natureza que está em nós se renove segundo a imagem do Senhor Jesus Cristo.
Assim, segundo o Senhor alguém pode falar de maneira adequada, pode parecer que vive bem, e, contudo, permanece sendo um falso profeta. Pode ter a aparência da vida cristã sem ser realmente um cristão. Isto tem sido uma fonte constante de problemas e perigos na história da Igreja. Porém o Senhor nos alerta desde o princípio que ser cristão significa uma mudança na vida e na própria natureza do homem. É a doutrina do novo nascimento. Nenhuma ação do homem vale nada para a sua salvação, a não ser que tenha mudado sua natureza.
Por isso devemos nos preocupar sobretudo com o estado do coração porque é o centro da personalidade. Assim é o que há no coração que sempre se manifesta. Manifestar-se-á nas crenças, no ensino e na doutrina.
E o Senhor diz que é por este fruto que sai do interior, da natureza mesma, do coração, que podemos reconhecer a pessoa, de modo que possamos saber se é um falso profeta, apesar da aparência de ser crente.
Estão indissoluvelmente unidos o que alguém crê e a vida. O que o homem pensa, isso ele é. O homem atua da maneira pela qual pensa. Em outras palavras, manifestamos inevitavelmente o que somos pelo que cremos e pensamos.
Não importa o cuidado que tenhamos, num momento ou outro se manifestará. O fruto de nossas crenças e pensamentos se manifestará.
Isto implica que por mais que alguém se afirme correto e santo, ortodoxo, reto e aplicado em obedecer o ensino de Jesus, isto será detectado se é verdade ou não, pelo tipo de ação que produzir em sua vida. Como pode o mau praticar o que é bom?
Talvez nos enganemos por um tempo. As aparências podem enganar muito, porém não duram. Os puritanos gostavam muito de tratar em detalhes a quem chamavam de “crentes temporais”. Com isto queriam se referir às pessoas que pareciam estar debaixo da influência do evangelho, pessoas que davam a impressão de serem verdadeiramente convertidas e regeneradas. Falavam de forma adequada e mostravam mudança na vida, pareciam crentes. Porém os puritanos lhes chamavam de crentes temporais porque chegavam depois a dar provas inconfundíveis e claras de que nunca haviam chegado a ser verdadeiramente cristãos. Isto ocorre muito nos avivamentos. Quantas vezes ocorre um despertamento religioso, ou emoção religiosa em que se costuma encontrar pessoas que, das quais podemos dizer, seguem a corrente. Não se dão conta do que acontece, porém caem sob a influência geral do Espírito Santo e por um tempo se sentem realmente afetados, porém, segundo este ensino, talvez nunca cheguem a ser verdadeiramente cristãos.
Em II Pedro 2 há uma exposição relativa a isto. O apóstolo descreve de forma clara e gráfica casos assim. Fala de pessoas que haviam entrado na igreja e haviam sido aceitas como cristãs, porém logo haviam saído. Descreve-as como cães que voltam ao vômito, e porcos lavados que voltam à lama. A porca pode ser lavada, e parecer limpa no exterior, porém sua natureza não foi mudada e isto a levará a amar a sujeira.
Em II Pe 1.4, ao se referir a verdadeiros crentes o apóstolo diz que por terem se tornado participantes da natureza divina, escaparam da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.
Mas quando se refere a estes crentes temporais, no capítulo segundo, não diz que escaparam da corrupção, mas das contaminações. E isto porque há uma espécie de purificação superficial que não muda a natureza. A purificação é importante, porém pode ser muito enganadora. O que somente purifica o exterior, poder parecer cristão, porém, segundo a argumentação de nosso Senhor o que torna alguém um crente é a natureza íntima, e essa natureza interior tem que se manifestar.
O Juízo Final há de revelar muitas surpresas para muitos que pensam ser crentes zelosos por esta grande aplicação à simples purificação exterior, sem que tenham de fato nascido de novo. E alguns destes conseguem enganar a muitos por muito tempo, porque são meticulosamente farisaicos em sua atitude religiosa, levando até mesmo verdadeiros crentes a pensarem que eles são de fato nascidos de novo, quando na verdade não são.
Mas na convivência com eles, os que são maduros espiritualmente, poderão observar que há algo que se manifesta na natureza deles, pelo fruto de sua conversação e modo de compreensão da vida cristã que revela que há algo muito duvidoso na alegada conversão que alegam terem experimentado.
E nosso Senhor diz que destas palavras ociosas que proferiram em sua conversação ou em suas blasfêmias como estavam fazendo os fariseus que diziam que era por Belzebu que Ele estava expulsando demônios, que teriam que dar conta das mesmas no dia do Juízo. Porque assim como o homem pensa, assim ele é em seu coração, ou seja, em sua natureza, revelando quem é verdadeiramente.
A verdadeira crença básica do homem se manifestará na sua vida. Acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de abrolhos? Estas coisas nunca podem ser separadas. A natureza íntima se manifestará. Devemos, portanto, ter cuidado em admitir na membresia da Igreja como crente verdadeiro quem na realidade não passa de impostor em sua aparência externa. E somos exortados a nos disciplinarmos para buscar com cuidado o fruto.
Lembremos que é necessário também examinar quais são as características do bom fruto. Devemos buscá-las em nós mesmos e nos demais. Devemos ter cuidado, porque aquele que se encontra fora da porta estreita nos dirá: “Não há necessidade de fazer tudo isto. Este é o caminho”. E podem nos enganar. Por isso devemos aprender a discriminar, e também, ao examinar o fruto, devemos ter presente este elemento de sutileza. Há tipos de vida que se parecem muito com o verdadeiro cristianismo, e obviamente, são as mais perigosas de todas. Parece cada vez mais claro que os maiores inimigos da fé cristã genuína não são os que se acham no mundo, perseguindo de forma agressiva o cristianismo ou prescindindo de forma aberta ao seu ensino; são muito mais aqueles que possuem um cristianismo falso e espúrio. São os que receberam a condenação que o Senhor lança nesta passagem do Sermão do Monte contra os falsos profetas. Se alguém examinar a história da Igreja, desde seus começos, descobrirá que sempre foi assim. O cristianismo falso e fingido sempre tem sido o maior obstáculo e inimigo da verdadeira espiritualidade. E não há dúvida de que o maior problema nos dias atuais é o estado mundano da Igreja. Deveria preocupar-nos muito mais o estado da própria Igreja que o estado do mundo fora da Igreja. Parece cada vez mais evidente que a explicação do estado atual da Cristandade, se encontra dentro da Igreja e não fora.
Por isso somos chamados a provar os espíritos.
Somente a árvore boa pode produzir o fruto do Espírito Santo. O homem que for somente moralmente justo não pode produzi-lo.
O homem do Novo Testamento é sóbrio, grave, humilde, manso. Possui o gozo do Senhor no coração, porém,, não é efusivo, não é ruidoso, não é carnal em sua vida. É alguém que diz com Paulo: “os que estamos neste tabernáculo gememos com angústia” (II Cor 5.4). Não se interessa na sua maneira de vestir com a pompa e com o externo, não se interessa em causar impressão; é manso e se preocupa com Deus e com sua relação com Ele. E a prova definitiva, sem dúvida, é a humildade. Se em nós há a soberba da vida e do mundo, necessariamente, não sabemos grande coisa da verdade; e deveríamos examinarmo-nos de novo para nos assegurarmos da nova natureza. O que temos no interior se manifestará no exterior. Se tenho mente mundana, ainda que pregue uma grande doutrina, e ainda que tenha renunciado a certas coisas, se manifestará em minhas palavras ociosas (Mt 12.36). Mostramos realmente o que somos quando não estamos de sobreaviso. Podemos dar a impressão de que somos cristãos, porém nossa verdadeira natureza se manifestará.
A forma como alguém prega pode ser mais significativa do que diz, porque pela maneira com que fala revela quem realmente é. Os métodos de uma pessoa às vezes desmentem a mensagem que prega. O que prega o juízo e a salvação, e contudo, ri, e brinca, nega o que está pregando. A confiança em si mesmo, o depender da habilidade humana e da personalidade, proclamam que este homem possui uma natureza muito afastada do Filho de Deus, que foi manso e humilde de coração. Um homem assim não é como o apóstolo Paulo, que ao pregar em Corinto, não foi confiando em si mesmo e na sua sabedoria, senão com fraqueza e muito temor e tremor. Como nos traímos, quando manifestamos o que realmente somos com nossos atos espontâneos!
Mas ainda que nos enganemos em nossos juízos quanto a identificar se somos e quem é de fato verdadeiramente cristão, lembremos que Deus nunca se engana. Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançado no fogo. Que nos esforcemos então para achar este bom fruto em nós, andando humildemente na presença do Senhor. Que Deus tenha misericórdia de nós. Que nos abra os olhos para estes princípios vitais e nos capacite a exercer este discernimento relativamente a nós mesmos e a todos os que possam se tornar perigosos para nossas almas e que estejam falsificando gravemente a causa de nosso bendito Senhor neste mundo pecador e necessitado. Concentremo-nos em assegurar-nos que possuímos a natureza divina, e que participamos da mesma, que a árvore é boa, porque se a árvore for boa, o fruto também será necessariamente.
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