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NÃO SEI
Ediane Neves de Andrade

É como se houvesse um imenso vazio dentro da cabeça. Não raro percebo que estou com os olhos fixos em um lugar qualquer e nada se passa em minha mente, exatamente como quando se está a descansar os pensamentos. Mas no caso isto se dá com uma frequência muitíssimo maior do que o simples descansar de ideias, permanecendo assim por muito tempo. E sair deste estado provoca uma grande irritação.
     Não há esforço que baste para acabar com esta letargia.
      O que está havendo? Fizeram esta pergunta ontem: --“O que está acontecendo?” E aí? O que está acontecendo? Não sei. Talvez seja esta a resposta mais acertada.
     Há uma série de possíveis outras respostas que se poderia cogitar.
     Emburrei. Sim. Fiquei burra.
     Perdi a vontade. Isso. Simplesmente não sinto mais vontade de estudar, de pensar, de raciocinar.
      Estou como que envolta numa névoa que me deixa paralisada. Esta névoa me impede de reagir a essa grande moleza que se apodera de mim e somente permaneço, assim, estática vendo tudo passar adiante.
     Também se poderia alegar que estou cansada. Tive tanto esforço sobre-humano nos anos anteriores que me acercou uma estafa gigantesca, e por motivo de sobrevivência ou adaptação agora somente o mínimo esforço é permitido.
     Talvez seja um somatório de tudo. Todos estes esforços, a perda da vontade, o cansaço. Ou então, a resposta correta seja mesmo o “não sei”.
     Agora não sei por que não posso pensar. É tão doloroso estar neste estado de não poder, de não conseguir, de não atingir, de não chegar lá, este estado de negativas permanentes para todas as questões.
     O grande motivo desse profundo sentimento de descrença e desmotivação talvez seja a não mais existência daquela de antes era tão absolutamente capaz. Era sempre quem estava disposta a enfrentar tudo que viesse. Tão pequena e frágil e tão forte. O tipo de pessoa que se poderia contar, para qualquer ocasião.
     Houvesse o que houvesse ali estava, pronta, corajosa. Não media esforços, sacrificava tudo para alcançar o almejado, mesmo quando todos desacreditavam, para ela era sempre possível.
     Onde foi que perdi meu escudo? Porque agora as coisas me atingem com tanta intensidade e não consigo sequer me mover para livrar-me delas?
     E essa sensação de inadequação, de não pertencimento, de estar no lugar errado, fazendo as escolhas erradas, de ser alguém que não sou que se torna cada vez maior. Não bastasse isto esta paralisia de pensamentos atinge também o físico. A vontade de não me mover, de não falar é tão incontrolável que ao me instarem a qualquer coisa fico irritadiça. Pode ser uma simples ligação no celular. Não quero atender. Às vezes simplesmente fico olhando tocar, sem ter como responder o chamado e sentindo muita raiva porque estão insistindo. Deixem-me quieta. Deixem-me dormir. Deixem-me aqui perecendo.
     O pior de tudo tem sido sem dúvidas, as aulas do curso. Eu não quero ir. Se vou não quero ouvir e não presto atenção. Não quero saber. Quero que se exploda. Em última análise acho tudo tão absolutamente idiota, sem sentido, meras criações humanas imbecis. E mesmo tentando fazer esforço para prestar atenção, em dois segundos estou dispersa e o vazio volta.
     Mas quando vejo que meu nome não está na lista dos aprovados, que o número das faltas vem crescendo, que não consegui o numerozinho almejado no canto direito superior da folha da prova, vem de novo a maldita da pergunta: o que está acontecendo? A sensação de que não sou mais capaz volta, e está cada vez maior. E seguida dela vem a dor. Como é ruim perder aquilo que era tão meu e que me identificava. Onde foi parar minha tão grande capacidade? Porque não consigo mais me encontrar?
     Talvez só exista uma única resposta: não sei!


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