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June 26th
Isa

Minha terapeuta tem me incentivado a escrever. Sobre tudo. Sobre qualquer coisa. Aparentemente agora eu sou uma escritora. E essa semana pareceu apropriado falar do fim de julho de 2015, quando eu estava voltando para o Brasil.

Você já deve imaginar o quanto está sendo difícil para mim, que sou extremamente apegada a tudo e não dou as costas enquanto eu não sinto que eu fiz tudo o que eu podia né?
Mas entrei nesse processo de tentar precisar menos da sua atenção. De parar de te achar a melhor pessoa do mundo e querer que você ache isso de mim. É te tirar desse pedestal que eu mesma coloquei.

E acho que você vai gostar, porque sempre acha que eu estou te pressionando, não é? Tentar pensar em você só como “uma amiga de Floripa” é bem complicado. É tentar não pensar em você como a primeira pessoa que eu quis ligar quando fui contratada, por exemplo. É não pensar em você quando o pau quebrar por aqui e eu precisar de alguém. É parar de olhar o calendário pensando em um fim de semana bom para gente tentar encontrar. Você sabe que esse processo é foda para mim. Que eu faço tudo pelos meus amigos. E insisto. E tento. E que nem assim a Gabriela me quis. E o que você me disse foi tipo: “acontece Isa. Não é que ela não goste de você”. Mas eu e ela foi um processo diferente... a gente se distanciou quando eu comecei a viver a vida que eu queria, na Holanda, e por acaso, com você. Você conheceu a Isa que eu sou hoje.

Vai completar um ano agora, sabe? Desde que a gente se separou. E lá, quando eu te deixei no aeroporto e meu coração ficou apertado, eu percebi que meu intercâmbio também tinha acabado. Fiquei meio perdida voltando para casa, porque cada lugar lembrava alguma coisa foda que a gente tinha passado. E eu não mudaria nada, Giu. E se desse, ainda viveria tudo de novo. Acho que a gente cresceu e se ajudou muito no ano que passou. E você sempre vai fazer parte de mim, porque estava ao meu lado no melhor ano da minha vida. O que aconteceu para mim foi que eu você se fez tão importante no meu dia a dia que eu quis trazer isso para essa nossa realidade brasileira, mesmo que distante. Eu já tinha certeza que seria muito difícil para você, porque eu te conheci. Eu vi que você não era assim, de ligar. De tentar estar presente. Mas eu não queria aceitar que a pessoa que provavelmente me conhece mais do que ninguém não ia mais estar ali para tomar uma, para rir das minhas piadas, para me matar por causa do bom humor matinal, para me ajudar com uma solução, para tacar o foda-se, para me ajudar a superar meus medos, pra me fazer mais flexível, mais sensível, para dar um conselho que a própria nunca seguiria.

E a gente discutiu, e a gente se ajustou, mas eu continuo sentindo que eu fico implorando por sua atenção. Da mesma forma que você me diz que acha que tem pré-requisitos para ser amiga minha, eu sinto que eu tenho que falar algo só quando for extremamente importante para ser digno da sua atenção. Você faz parecer que é tão ocupada, tão cheia de amigos e compromissos, que é para de procurar só quando “precisar”.

E era tanta coisa que a gente discutia... ia de filosofia de bar até coisas importantes de família. A gente trocava músicas, dava palpite nas roupas da outra, falava de culinária (mais eu que você né?), falava de business e engenharia. Você me ensinava de eletrônico e me levou pro estúdio pra minha primeira tatuagem enquanto eu te ensinava a tomar vinho, fazer feijão tropeiro e planejava tudo para que a gente aproveitasse o máximo daquele ano.

Fico lembrando daquelas tardes nossas curtindo o pôr-do-sol, as manhãs na cama olhando a neve derreter no telhado dos vizinhos, as andanças no 77 olhando as vaquinhas pastando e os cavalos com roupa de inverno. Do tempo que você tinha tempo para isso. Que eu podia te mostrar um vídeo ou te mandar um texto sem sentir culpa. Que eu podia abrir um champanhe por motivo nenhum e ia estar tudo bem, porque a gente se preocupava com as pequenas coisas. Ou era só eu que via graça nisso tudo? Nos cafés da manhã simétricos, nos balões de coração que enfeitaram a casa, em ficar olhando o rastro dos aviões no céu azul, nas velas, nas sessões de filme – que eu aguentava até os de terror porque sabia que se eu acordasse no meio da noite você ia estar ali, no suco que tinha um sabor especial e curava ressaca como nada. Dos chás e cafés que aqueciam as manhãs em casa e no Uithof. Lembrar do gosto daquela geleia de morango, lembrar do cacto e de tudo mais naquela casa que praticamente tinha vida.

Eu não sei se você já gostou de alguém assim.. de querer só o melhor para ela, de fazer tudo para ela ficar feliz, de querer participar das histórias e também querer que ela participe das suas. Alguma coisa que valha a pena lutar para manter.

Eu estou numa fase de que nada é certeza na minha vida. Não sei onde vou estar daqui 6 meses, não sei onde meus amigos vão estar daqui 6 meses. E nossa amizade, mesmo de longe, era uma certeza que eu tinha.

Você sabe que no último semestre eu mal estava saindo. Não tive chance/tempo para conhecer alguém legal, relevante para mim. Tudo bem que eu sou exigente. E no fim, eu nem me importava muito porque eu tinha meus amigos, eu tinha você pra me dar boa noite, pra saber se eu estava doente, para ouvir minhas histórias do fim de semana ou para me incentivar a sair de casa. Tinha os conselhos sinceros de alguém que me conhecia.

Eu te dei esse papel. Eu escolhi isso. E me desculpa, eu deveria ter entendido melhor que não cabe a você cumprir um papel que eu te dei.

E perguntar se todas essas decisões minhas me deixaram bem? Se me afastar de você está fácil? Não. Tá me consumindo pra caralho essa tentativa de não me importar. Porque eu me importo. Eu sou a Isa que se importa. Eu sou a Isa que lembra de tudo que a gente já passou só de olhar uma foto ou se aparece uma florzinha vermelha na minha frente. Foi foda segurar todas as memórias do último mês de intercâmbio que insistem em aparecer para mim.

E agora eu me pego pensando que eu não deveria me punir. Que eu não deveria me privar de ser quem eu sou com você. Eu sei que vai ser inevitável eu ficar triste com a falta de reciprocidade e com a realidade de que a gente nunca vai ser o que era. Mas acho que o mínimo que a gente se deve é sinceridade em respeito a tudo que passou. Eu acho que você está feliz assim. Só que fica na minha cabeça perguntas como: era isso que você queria? Era assim que você imaginava? Umas conversas aqui e ali. Sem ter a menor ideia do que tá acontecendo na vida da outra.

Sei que já passamos por um longo caminho. Pra quem odiava telefone e nunca abria mão de nada, nos pegamos fazendo Skype enquanto você estava na Turquia há 2 dias de voltar para casa. Então a confiança que eu depositei em você também não foi desperdiçada. Esses dois anos já parecem uma vida.

Tenho medo de acabar na sua estante como outros melhores amigos de outros melhores intercâmbios. Vou ser companhia pro Diol no seu álbum da Holanda. Vamos falar de saudade, vamos nos curtir nas redes sociais, talvez falemos de nos encontrar, mas não vai passar disso. Porque a gente faz planos e se esforça para fazer acontecer com quem participa da nossa vida. Com quem a gente sente que está próximo.

E se eu puder falar alguma coisa para você, seria para tentar não se perder. Tenta não deixar as coisas que realmente importam passar por você. Tenta usar menos vezes o “eu não posso fazer nada” e chame mais a responsabilidade. Eu sei que você já entende que a vida é muito mais que “dar check” por aí. Se cuida.

Sempre contigo,

Isa


Biografia:

Este texto é administrado por: Isabela Oliveira
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Outros títulos do mesmo autor

Romance Um detalhe Isa
Romance Diga não. Isa
Resenhas June 26th Isa
Poesias Lamento Isa


Publicações de número 1 até 4 de um total de 4.


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