Não sou pai e nem mãe,
nem o filho que saiu de férias e não voltou,
nem o parente que veio para o enterro...
Sou o cão que ladra na noite escura sabendo dos lobos que vem,
sou a música que ainda não foi feita e nem se fará,
sou o rústico semblante do oleiro a erguer a fronteira da fantasia
para que possas espiar o futuro que chega
com sua carroça de mambembes e malabaristas,
sou o circo sem leões, só peixes no aquário dos olhos,
sou a lágrima que se espatifa no chão de mármore de sua cela,
sou o rádio no último volume a cegar teus ouvidos...
Não sou o que irá salvar tua pátria e nem tua filosofia,
nem o déspota que te mandará ao inferno das geleiras,
nem o que irá concordar com os teus Dez Mandamentos...
Sou só um rio que passa, sem face, sem margens, sem fundo,
que não espera de ti uma palavra sequer de desperdício,
sou o que não anuncia a primavera de pragas a este mundo,
sou mais que isso, bem mais, sou a poesia sem vícios...
|