Eu devia ter visto você por aí,
sei lá, numa feira,
grudado no teu celular,
se não vi foi por besteira,
andando devagar
pelo saguão do hotel,
mostrando cada anel
de formatura,
devia ter visto teu progresso,
teu discurso no Congresso,
mas você sabe como é,
pela porta da frente não entra Zé,
devia ter prestado atenção,
era você na contramão,
que não parou para o socorro,
não me lembro do seu rosto,
se moreno, branco, cafuzo,
estava tudo muito escuro,
era o ano de 1964,
eu estava me escondendo no mato,
mas eu me lembro de você
uns instantes antes de morrer,
acho que entendi toda a malícia,
você era da polícia
e eu era o procurado,
eu tava listado,
eu devia ter reparado
que eu já havia olhado
teu rosto,
era meio de agosto,
eu devia ter sacado
que eu iria ser embarcado
na nau dos perdidos,
mas você sabe como é,
eu era apenas um Zé,
um qualquer,
andando pela rua,
descuidado,
a pé,
não dei ouvidos...
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