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Uma balada mal frequentada, bebida a vontade, lugar pequeno e abafado, música duvidosa, era meu tipo de lugar, me sentia em casa na verdade, sinto até hoje como o fumodromo de lá me fazia bem, entre um cigarro e outro, uma boca e outra, conversas diferentes, iam e vinham madrugada adentro aliviando a pressão de viver. No alto da bebedeira virava eu um sociólogo, um pesquisador, procurava o melhor canto da balada e me punha a observar todas as pessoas em volta, cada detalhe da roupa, do cabelo, do rosto, imaginava suas vidas, o por que estarem aqui, por que dançavam todos iguais, por que desfarçavam suas intenções, por que fingiam estar gostando de toda aquela merda, por que fingiam ser o que não são, e o pior, eu me via refletido em cada pessoa daquele lugar, era como um purgatório com cerveja e Talking Heads, mas caralho!, lembro quando entrei com duas garotas no banheiro unissex imundo, lembro da sensação, lembro de todas as cantadas inventadas, os inícios de conversa sem jeito, a reprovação, mas o que eu mais me lembro daquele lugar era o tiozinho que limpava o banheiro, já deveria ter seus 56 anos, cara surrada, maltratado pela vida, olhos caídos e sem rumo, lembro de como ele passava com o rodo pelo meio do lugar de cabeça baixa, proferindo baixinho alguns palavrões, e eu sabia, no alto da minha embriaguez, quando olhava nos olhos dele, sentia que tudo estava fodido.
É tudo convicção de cego, filosofia barata, religião que cobra caro, desculpas, sexo, política, amor, o que fizeram com a gente, esmigalharam nossos cérebros, a sociedade cresceu como um monstro, uma aberração, torta, feia, cruel, sarcástica, sanguinária e o melhor de tudo, ninguém da a mínima pra isso, quem se importa com quem, pra que? Eu sei que sou um cínico mas quem não é?
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