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Salvador
Alexandre

Não, não, aguantarei firme, não gritarei. Não, silêncio. Dois socos na costela e um tapa na cara. Meu corpo esvanece, eu estou roída, minha alma se desprendeu de mim e meu corpo é, somente, um involucro vazio. Dessa casca oca não sairá nenhum suspiro, não posso demonstrar uma gota de vida a esse homem.
Nada mais me importa, se me queres morta, por que não me matas? Nós últimos anos a guerra tinha se tornado insuportável. O Estado aumentou drasticamente a repressão, foi, assim, que meu pai despareceu e seu corpo nunca foi encontrado. Eu tinha medo, hoje não temo mais, um gosto insuportável de sangue não sai de minha boca. Nasci no Rio de Janeiro, família pobre, nascida e criada no Candomblé, sou filha de Iansã, por muitos anos, em minha juventude, descia aquelas vielas estreitas, com uma enorme quantidade de pessoas nas portas de suas casas, sentia o cheiro da favela entrar pelo meu nariz, percorrer todo meu sistema respiratório e morrer tranquilo em meus pulmões. Aquele cheiro era o sinal que eu estava viva, cheiro de merda misturada com o arroz e feijão que as donas de casas coziam em seus barracos.
Minha cabeça esta confusa, ele de novo não, por favor, pare, não fale, não grite. Você tem que estar morta para ele. Choque de novo, ele me pega abre minhas pernas com uma violência descomunal e, com seus olhos azuis brilhando, introduz dois elétrodos em minha vagina, descarga, mais uma. Meu corpo inteiro estremece, aquela corrente flui em minha alma, a dor é terrível. Eu continuo em silêncio, não posso dar prazer a esse homem, ele quer que eu o aceite como meu salvador, Oxalá me proteja.
A dois anos atrás esse homem me surpreendeu em uma emboscada, meu pai estava morto, mas eu continuei a lutar contra essa podridão que, ainda, infesta nosso país. Eu e mais 5 companheiros, armas em punhos, era matar ou morrer, mas nem matamos e eu pelo menos ainda não morri, aos outros sobraram choques, pancadas, estupros, chutes, socos assim como a mim, mas se estão mortos ou vivos, isso procuro bloquear de minha mente.
Nós dentro de um fusca, de repente, cercados pelos cães do governo, raça podre. Não tínhamos para onde correr, aqueles comedores de carniça, nós cercaram e colocaram cada um de nós em carros diferentes. Imediatamente, arrancaram minha roupa e vendaram meus olhos. Ouvidos e olfato trabalhavam naquele momento. Carro velho, amortecedor rangendo, cheiro de cigarro, fedo de perfume barato, carro passa em um buraco, prossegue, grunhidos dos porcos comemorando a nossa derrocada ação, ligam a sirene, a velocidade aumenta e eles gozam a minha desgraça.
     Eu ouvia, de suas bocas podres, que me consideravam o premio máximo, o capitão desejava me conhecer pessoalmente. Por que logo eu? Mulher, negra, pobre, macumbeira e comunista, qual desses adjetivos os deixavam mais furiosos, eu não sei, o que eu sabia é, irremediavelmente, encontraria o capitão.
Meus ouvidos nada mais me informaram naquele trajeto, somente os uivos daqueles desgraçados vibrando com minha desventura.
Ele está chegando de novo, a sala é escura, não posso vê-lo com toda lucidez. Homem alto, cabelos longos, barbas claras e olhos azuis, deve ser europeu. Sempre usando uma espécie de túnica que deixa aparecer apenas seu rosto e seu pênis. O falo é seu símbolo, ele esfrega em mim, quer que eu me curve ao seu poder, nunca. Eu estou o tempo todo amarrada nessa cadeira, me tira daqui e me coloca direto no pau de arara. Acaricia-me, diz que: ele é meu único salvador, o tenho que aceitar assim, só ele pode me salvar. Beije minha mão, aquela voz doce diz, e eu cuspo nela.
Desde que cheguei aqui, a única coisa com que me alimentam é uma espécie de biscoito de farinha, uma circunferência sem gosto algum e que se adere ao céu da boca com enorme facilidade, para beber é sempre alguma bebida a base de uva, não sei se é vinho, o gosto de sangue e ferro em minha boca é constante.
O capitão sobe na cadeira e começa a esfregar toda sua masculinidade contra minha face, gritando: - Aceita-me, aceita-me, eu sou o seu salvador. Nem pensar, esse homem podre, como ele pode me salvar se eu não procuro ser salva, salvar-me de que? De ser mulher, de ser negra, sou comuna e sou Iansã. Carrego comigo o pegado original bem no meio de minhas pernas, Helena de Troia, Hécuba, Olga, Rosa........
Muita vezes, ele coloca sua mão gélida em minha vagina, e diz: - Essa chaga logo vai se fechar, operarei um milagre em vós. Chaga? Se, assim, for esse sofrimento é meu e dele me aproprio, ademais o gozo. Nada irá se fechar, o que posso fazer perante esse Homem?
A minha salvação e não ter salvação, espero em silêncio meu fim, apanhei e continuo a apanhar constantemente, mas meu sangue me nutre. Eu estou inteira quebrada, nunca mais vi a rósea manhã se levantar ou a penetrante luz do sol do meio dia. Quero ser somente eu e mais nada, mulher e negra, sem medo, vai em frente. Morro na cruz de meu salvador.


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