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A noite estava abafada.
Elsie abriu a geladeira e pegou de dentro dela uma lata de Coca-Cola, antes de rumar a varanda nos fundos da casa. Ocupou uma das cadeiras de praia que achavam-se esparsas pelo local e abriu o refrigerante, tomando um gole.
— Cruzes, que calor. — disse a mãe da garota, parando no batente da porta dos fundos. Ao mirar o horizonte negro, continuou: — Já é onze horas,filha.Não vai se arrumar para ir no aniversário da Poliana?
Depois de outro gole do refrigerante, sem olhar para a mãe, a outra respondeu:
— Não. E já avisei ela que não vou. — e fez-se um momento de silêncio carregado.
Então a mulher franziu a atesta e perguntou:
— É aquele rapaz, não é?
Elsie nada respondeu. Somente continuou a beber sua Coca-Cola, pensativa. No momento que a mãe fez menção de deixa-la sozinha,decidida a não interferir na vida da filha,a garota confirmou:
— É o Igor, sim. Aquele safado vai tá lá também... — e com raiva,bebeu mais um pouco do refrigerante.
— Óh, bem, mas é aniversário da tua amiga. Vai deixar de dar os parabéns pra ela por causa dele? Agora vai parar de sair, se divertir, sempre que esse Igor tiver no mesmo lugar que tu for? Acha isso justo contigo?
A filha amassou a lata com a mão e encarou a mãe.
— Já esqueceu do que houve? Eu peguei o cachorro no flagra, trepando com uma vagabunda, que nem sei quem é, no banheiro das mulheres, enquanto ele achava que eu tava lá na plateia olhando a Pitty. Se a Rafaela não tivesse lá no show também com o namorado, e não tivesse visto o cafajeste correndo para o banheiro com aquela vadia , até hoje eu não ia saber de nada.Vai saber lá quantas vezes o canalha já não me traiu antes daquela noite? E quantas vezes ia me trair se não tivesse sido pego! Só de pensar nisso eu fico cheio de ódio, louca pra arrancar os olhos dele. Imagina então no que vai dar se eu tiver perto dele? Não quero fazer escândalo na festa da guria. Por isso vou ficar em casa.
Dito isso, a jovem virou o rosto para o outro lado, a fim de esconder da mãe os olhos brilhantes por causa das lágrimas que ameaçavam brotar deles. Com o coração apertado por ver a filha tão triste, a mãe postou-se às suas costas e curvou-se sobre ela,abraçando-a pelos ombros.
Ao encostar o rosto no da garota,disse:
— Eu sei meu amor, não está sendo fácil pra ti lidar com isso. Deve tá doendo tanto. Sei como é entregar o coração pra alguém que só estava a fim de brincar com ele. Mas, acredite, ir na festa irá te ajudar a começar a superar essa traição. Já faz dois meses que vocês terminaram, já tá na hora de seguir adiante. Quem sabe lá no aniversário da sua amiga não encontra alguém que saiba valorizar teus sentimentos? De qualquer jeito, tu tem que mostrar pro teu ex que ele é passado, que não significa mais nada pra ti. Até porque quem pisou na bola foi ele, não tu. Então se tem alguém que deveria sentir vergonha de aparecer no mesmo lugar que você,é ele mesmo.
O silêncio novamente abateu-se entre as duas mulheres, só quebrado pelo farfalhar das árvores que circundavam a residência.
Então,passado um tempo de reflexão, a garota bufou e empertigou-se, afirmando com determinação:
— Tu tem razão. Não vou deixar de viver por causa daquele cretino. Vou ligar pra Poliana avisando que vou sim — após dar um beijo na bochecha da outra, concluiu: — Você é show, mãe!
Dito isso, disparou para dentro de casa para fazer o telefonema. Atrás dela a mãe sorria satisfeita por vê-la de ânimo renovado. Eis que, logo que ultrapassou o umbral da porta, tudo transformou-se em luz e Elsie acordou em sua cama.
Ainda era noite e estava quente.
Perplexa por tudo não ter passado de um sonho, ela permaneceu um momento deitada,confusa . Então mirou a mesa na cabeceira onde achava-se o porta-retratos com a foto da mãe abraçada a ela quando tinha seis anos. Um ano depois do dia em que aquela foto fora tirada, ela falecera em um desastre aéreo. Atualmente Elsie tinha 19 anos e era a primeira vez que sonhava com a mãe desde a morte dela.
— Obrigado... — agradeceu a jovem,emocionada,suavizando a expressão num sorriso.
Lembrou-se que antes de adormecer havia desejado que a mãe tivesse viva para poder pedir um conselho de como agir a respeito da presença do ex na festa de aniversário de Poliana. Embora o relacionamento com o pai fosse bom, naquele momento de dor mais o que ela desejava era a companhia da mãe. Era reconfortante saber que, mesmo longe, a mãe estaria olhando por ela.
Secou as lágrimas com as costas da mão e foi se arrumar para ir a festa. O despertador luminoso sobre a mesa de cabeceira marcava 23:06. A festa de aniversário da amiga começaria por volta da meia-noite, mas ela chegaria cedo. Apanhou o celular que encontrava-se ao lado do travesseiro e começou a teclar o número de Poliana.
Se Igor estaria lá ou não, já não importava mais.
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