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Situs Inversus
Doenças 1
Anderson F. Morales

Vejo minha vida diante dos meus olhos.


     Nasci ao contrário.


     Não quero apenas dizer que nasci de bunda invés de cabeça. Isso também aconteceu, mas não foi somente em relação que nasci ao contrário. Sofro de situs inversus, todos meus órgãos situam-se conforme um espelho de um organismo normal. Sofri um pouco até descobrir isso. Meu coração, estando do lado direito do peito, causou susto quando fui a um médico pelo que me lembro pela primeira vez. Eu tinha treze anos, nunca tinha ido a um médio, era um menor abandonado, ainda sou abandonado, apenas cresci. Ele fez alguns exames de rotina, língua, garganta, aaaaaaaaa. Tremi quando ele encostou pela primeira vez aquele estetoscópio gelado nas minhas costas. Tremi quando o encostou no meu peito, continuava gelado. Tremi quando vi a cara de pavor do médico. Ele guardou o estetoscópio e me olhou com uma cara estranha. Não sabia o que acontecia comigo. Um certo sentimento escorria – que muito mais tarde descobri ser pena – por seus olhos, algo que não entendia. Achou que eu estava fadado a morrer jovem, de uma doença desconhecida.

     Nada mudou, continuei na rua. Entrei para o crime, como todos os garotos da minha idade. Mas a imagem daquele médico sempre me acompanhou. Decidi que iria viver cada dia como se fosse o último, já que qualquer dia poderia o poderia ser. Virei o melhor marginal do morro do osso. Como a morte não vinha e eu já estava chegando aos trinta anos, resolvi me aquietar. Assumi uma boca de fumo e fiquei vivendo tranqüilamente. Tinha até vontade de sair do crime. Com o dinheiro que tinha podia abrir um bom negócio honesto. Sempre quis ter uma padaria.

     Um dia, muito mudou. Sentia fortes dores do lado direito da barriga. Fui parar na emergência de um hospital público. Apendicite, estourou, vamos operar logo, disse alguém. Abriram, mas não acharam nenhum apêndice e as dores eram provenientes de cólicas intestinais. Não sei quem foi, talvez um médico mais aplicado descobriu que eu fazia parte de um seleto grupo de pessoas, 0,01% da humanidade mais precisamente, que tinha essa particularidade chamada situs inversus. Tudo fez sentido. A incompetência do médico que me examinara aos treze anos, talvez tivesse sido um presente, que me fez prosperar na vida.
A vida continuou e eu não abri meu negócio. Continuei vivendo da boca de fumo, até que alguém viu que o lucro estava grande e resolveu que queria aquilo para si. Bang, bang, bang três tiros no meu peito, lado esquerdo, onde seria o coração. No meu caso sofri apenas perfurações no pulmão esquerdo, o que dificultou por algum tempo minha respiração e ocasionou algumas pneumonias, mas tudo recuperável. Minha fama aumentou. Diziam que eu tinha o corpo fechado, pacto com o demo, talvez o próprio coisa-ruim. Aproveitei e aumentei meu domínio. O morro do osso ficou pequeno, assumi todo o império das drogas da capital. Virei figurão. Contato com políticos, conta na Suíça, viagens para o exterior.

     Tudo isso passando em frente aos meu olhos neste momento enquanto estou em uma praia da riviera francesa deitado na areia, sufocando com água e um salva-vidas fazendo massagem cardíaca do lado errado.


Biografia:
Escritor em nível de formação desde 2000. Estudioso de Borges e partidário deste mestre, tenta, em vão, escrever obras de literatura fantástica na linha borgiana. Além da influência platina, apresenta uma personalidade heterônima, postando contos com outros nomes. Atividades complementares como professor de literatura e técnico em perícias criminais.
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Outros títulos do mesmo autor

Contos Nossa Senhora de Todos os Dias Anderson F. Morales
Contos Engolindo Navalhas Anderson F. Morales
Contos Consciência Anderson F. Morales
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