A FLORESTA MISTERIOSA (Autor: Ismael Monteiro)
Longe, bem longe, quase lá no fim do mundo, ficava a Floresta Misteriosa. Era um local ermo, com árvores centenárias e vegetação abundante. Os raios de sol quase não chegavam ao chão e por isso, o local era úmido.
Muita gente falava que nesta floresta, quem entrava não voltava mais. Haviam seres misteriosos, ouviam-se ruídos ensurdecedores ao cair da noite, uivos de animais desconhecidos, tudo enfim, contribuía para que o local fosse dito maldito e temeroso.
Numa outra floresta próxima dali, moravam vários animais, como leões, coelhos, aves, ursos, tigres, dentre outros. Um animal muito corajoso que também morava lá era o coelho Peri, que segundo os outros animais enfrentava todo e qualquer perigo.
Peri sempre se interessou em entrar na Floresta Misteriosa e ver o que tinha por lá. Mas sempre era alertado pelos coelhos mais velhos que jamais entrasse lá, pois arriscaria não voltar nunca mais.
Porém, Peri não se intimidava, pois tinha coragem de sobra, pensava. Numa manhã de Sexta-feira, ele resolveu entrar naquela Floresta. Levava junto uma pequena arma e víveres que dariam para passar alguns dias. Eu vou com muita coragem, pensou.
Sua família, no entanto, não se conformava com a idéia. Achava que era perigoso tal viagem. No entanto, ele não ouviu as recomendações e foi em frente.
Nas primeiras horas da manhã ele chegou à entrada da Floresta. O sol era intenso, as primeiras árvores parece que se curvavam com a chegada de Peri. Alguns pássaros estranhos cantarolavam, porém não dava para vê-los. Um perfume suave e estranho era percebido por Peri, possivelmente de algumas flores. Ele ouvia ao longe as águas correndo de um pequeno rio, sendo que a cada passo parece que elas paravam, dando continuidade mais tarde.
Estranhamente ele não via nenhum animal, mas sentia-se observado. De repente, ouviu alguns toques que pareciam de alguém cortando lenha, mas por mais que se aproximasse o barulho ficava mais longe.
Como o solo estava liso, num dado momento, Peri escorregou e caiu, mas sem maiores problemas. Quando levantou sentiu uma brisa soprando pela sua face, dando-lhe uma sensação de bem-estar. Tudo parecia colaborar com a sua chegada. Peri não sentiu-se influenciado e seguiu sua viagem.
Ao encontrar uma bela árvore frondosa, ficou impressionado com o seu tronco que era muito grosso. Seus galhos iam muito além do que seus olhos podiam ver. Para abraçar tal árvore seria preciso uns trinta coelhos, pensou.
Numa das extremidades da árvore, havia uma pequena portinhola que estava fechada. Não agüentando a sua curiosidade, ele bateu na porta. O som que ouviu foi de deixar qualquer coelho surdo. Porém, ninguém abriu. Ele percebeu que a porta não estava trancada e entrou. Havia ali uma espécie de escadaria, que levava não se sabe onde. Peri subiu a escada e saiu num amplo salão todo verde brilhante. De repente, ouviu um grande barulho e no fundo da sala apareceu um pequeno ser, totalmente diferente de tudo quanto o coelho já tinha visto. Era uma espécie de menino, com uma veste toda preta, sapatos e pequeno chapéu também pretos, com uma intensa luz sobre a sua cabeça.
Muito sorridente, o menino lhe falou:
- Peri, eu sou o guardião da entrada desta floresta. Aqui você começa a penetrar num mundo magnífico e talvez não queira nunca mais voltar prá sua casa. Mas veja, é preciso muita coragem, porque na floresta vivem animais terríveis, prontos para atacar qualquer visitante. Você só poderá vencê-los se tiver muito amor no coração! É esta força que vai torná-lo invencível, nada mais. Ainda você tem chance de voltar e esquecer tudo que viu, mas se quiser continuar você vai ver também seres maravilhosos, dotados de uma energia celestial e o seu contato com eles será muito gratificante. Você quer prosseguir, ou vai embora?
- Eu quero prosseguir, falou Peri!
Descendo a escadaria, Peri chegou a porta da entrada e seguiu caminho. Depois de caminhar algumas horas, viu por entre as árvores um grande castelo, todo cercado de cactos. O castelo parecia vazio. Um treilor que passava por ali, advertiu:
- Cuidado, coelho, no Castelo mora o dragão da ira. Ele tem muita raiva e consegue comer todos os que ali chegam. Você poderá virar espetinho!
Mas, Peri não se intimidara. Puxa, pensava ele, se eu tenho o amor no coração posso vencer a todos. Que venha o dragão, vou acabar com ele.
Não tardou para que Peri penetrasse no castelo. Ao chegar no salão principal viu o imenso dragão que estava dormindo. Era uma criatura feia, com feridas. Seu corpo todo vermelho escuro revelava que era um bicho muito ruim. Seu nariz parecia um foles expelindo fumaça. O ambiente parecia uma fornalha de quente.
Ao perceber o coelho, o imenso bichano se levantou e deu aquele grito ensurdecedor, esbaforindo toda a sua intensa chama pelas ventas.
- Quem é você coelho? O que fazes em meu castelo? Eu sou o irado? Aquele que tem raiva de todos. Nunca tive pena de ninguém. Quero que todos sejam infelizes. Vou matar a todos. Você vai sofrer toda a minha ira.
E dizendo isso, ele começou a expelir todo o seu fogo sobre Peri. E, o que aconteceu, meu caro leitor?
Veja a situação: Peri ficou envolto numa nuvem de fogo, mas não sentiu nada. Ao mesmo tempo que o dragão expelia seu fogo, Peri sentia-se extremamente bem, nada parecia atingí-lo. Ao que o dragão ficou possesso! Urrava sem parar, maldizia todos! Ninguém poderia escapar à sua ira, pensava!
- Quem é você coelhinho ridículo, que ousas me enfrentar? Quais são suas armas? Vamos, tente alguma coisa!
Peri lhe respondeu:
- Eu sou Peri, o coelho do amor. Não tenho armas para poder te enfrentar, só o meu amor! Por que você sofre tanto, dragão? Como posso ajudá-lo? Porque vive tão solitário? Não acha que já fez maldades demais? Enquanto você joga fogo, eu jogo amor. Não acha que todas essas suas feridas pelo corpo não foram por causa das maldades que fez? Você ainda poderá ser um dragão muito feliz e ficar sadio se não se irar.
- Mas, quem é você prá me dizer tudo isso? Eu vou matá-lo e fritar você no rolete com temperos e queijo parmezão!
Sentindo-se já um almoço de dragão, Peri respondeu:
- Ao invés de você soltar fogo pelas narinas querendo matar a todos, porque não tenta curar suas feridas. Não me mate, porque a tua ira só te deu feridas, e eu que sei amar, nunca sofri!
- Mas, como? Você acha que o amor vai me tornar feliz? Eu sou um infeliz. Por isso, sou ruím. Não adianta vim com conversa, pois vou te fritar!
Peri já se sentia na barriga do dragão. Mas não se preocupou. E falou ao dragão:
- Se você me comer vai se encher de feridas e poderá até morrer! Se você fizer apenas um ato de amor, acredito que suas feridas começarão a desaparecer.
- Tá bom coelho, não vou te devorar! Você me convenceu.
E dizendo isso se afastou de Peri que lhe falou:
- Olhe, dragão, quero ajudar você a curar suas feridas. Em cada uma delas vou fazer curativos, se preciso vou levar você a um hospital! Você tem plano de saúde?
- Não, coelho. Mas não vou mais fazer maldades. A partir de hoje vou semear o amor! Mas e o meu fogo que precisa ser expelido? Como vou fazer?
- Ora, dragão, arrume um emprego numa panificadora, você dará um ótimo forno! Ou numa caldeira de um cortume!
E assim, o dragão regenerou-se e Peri pode continuar a sua jornada. A seguir ele avistou um belíssimo jardim! Ali, muitas flores exalavam um perfume divinal!
Na entrada, haviam 12 roseiras. Uma delas lhe disse:
- Olá, coelho, que bom que veio nos visitar. Aqui é o jardim da paz. Todas as flores florescem dando vivas ao criador. Nenhuma flor aqui é triste. Quando elas morrem é por velhice, ou porque perderam a capacidade de amar. Venha para junto de nós, contar suas experiências! Afinal, você não está aqui por acaso!
O ambiente era de puro enlevo celestial. Ao longe uma cotovia cantava. Seus gorjeios melodiosos eram ouvidos por todo o jardim. Nada havia ali que mostrasse tristeza.
Peri encantou-se. Pensou: puxa, isso aqui é um paraíso! Nunca vi nada igual em toda a minha vida!
Três cravos entreabertos lhe falaram:
- Olá, coelho, que bom que você está aqui! Estamos contentes com a sua vinda! Quando você quiser que o amor se multiplique pense nas flores!
Duas orquídeas saudaram Peri:
- Muito bem coelho. Você mostrou que é digno de estar aqui! Cada vez que você ver uma orquídea, pense na humildade!
Uma margarida falou:
- Você coelho foi enviado por Deus. Somos alegres porque amamos o nosso próximo.
E assim foi a passagem pelo jardim. Cada flor que via Peri lhe passava uma mensagem de amor.
Saíndo do jardim, Peri ouviu um barulho. Au, au, au, bam, baram, bambam! Au, au, au, bam, baram, bambam! Au, au, au, bam, baram, bambam!
Peri olhou assustado! – Que será isso? – Era um cachorro que estava passando. Ele ia a passos largos, ofegante! O animal era todo preto. Olhos tintos de sangue! Suas unhas estavam sempre para fora!
– Quem é você? – Indagou o cachorro!
– Eu sou Peri, o coelho do amor!
– Você sabia que eu sou um cachorro louco, e quero morder todo mundo? Você não está com medo?
– Não, não estou, disse Peri. Porque você quer morder todo mundo?
– Porque eu me satisfaço com a dor alheia! Vejo filmes de terror toda noite! Prá mim é o que há de melhor! Estou louco prá cravar meus dentes em suas orelhas que parecem apetitosas! Mas não vou comer você! Faço tudo isso alegremente!
– O quê? – Disse Peri! Você teria o desprazer de me morder? Veja só, sou um coelho magro, fedido, não lavo os dentes, nunca troco de roupas, nunca tomo banho, pareço mais uma carniça ambulante! Acredito se me morder, vai morrer doente!
– Pois é, coelho! A minha missão é morder os outros! E dizendo isso, chegou perto do coelho, que estava atônito, pronto para levar uma mordida.
– Mas, veja lá, cachorro! Se me morder ou não, pouca diferença faz! Além das doenças que vai pegar, você vai continuar a morder por ai, sem que ninguém fique contente com você! Você não acha que é um peso morto para a humanidade!
– O quê? Eu tenho raiva! Eu não quero paz! Nem amor! Tudo é balela! Se apronte para receber a maior mordida de sua vida! Você vai virar tapete!
– Nunca! – Disse Peri! – Eu posso virar um tapete mas você não vai ser infeliz! Me mordendo você não vai sofrer mais! Ao me morder você não poderá explodir de insatisfação!
– Daí eu vou ser feliz! – Pensou o cão! – Não, não quero, eu não vou morder você! Minha vida de cachorro louco acabou!
E a partir dali, o cachorro nunca mais mordeu ninguém! Dizem que ele foi trabalhar numa fábrica de peneiras, onde podia morder industrialmente.
Como se vê, cada personagem que Peri encontrava ia mostrando todo o seu amor, e os bichos aceitavam mudando de vida. Mas, sua jornada terminaria? – Não, caro leitor. Ele ainda não conhecera todo o desamor que permeia a humanidade.
Peri continuou caminhando. A esta altura a vegetação da floresta foi ficando menos densa. Num pequeno morro ele avistou uma casinha, toda cinza. O chaminé fumegava insistentemente. À entrada da casa havia algumas herbívoras venenosas. O cheiro de enxofre pairava no ar. A porta estava toda escancarada. Ao fundo, uma mulher toda de preto mexia uma grande panela com vários produtos que Peri não conhecia. Ao ver Peri, a mulher perguntou!
– Quem é você? Que fazes aqui? Sabes que eu sou uma fada que só prega o amor? Tudo aqui exala a bem-aventurança. Você foi abençoado ao entrar aqui.
Peri achou estranho que uma fada tivesse a roupa toda preta! Além disso, sua cara era toda enrugada, nariz longo, um dente só, fedida, parecia uma morta-viva. Pior do que um zumbi, daqueles que a gente assiste na televisão.
A fada-falsa convidou Peri a entrar numa gaiola enorme, dizendo-lhe: – Eis aqui as suas novas acomodações. Você receberá comida até se fartar. Chocolates, doces, bolos, tortas. Tudo porque eu amo você!
A princípio, Peri assustou-se, mas como acreditava nas pessoas, não achou mal nenhum em entrar na gaiola. Foi uma fartura, todo dia Peri comia muito e engordou. A fada-falsa vinha sempre vê-lo. Um dia ela lhe falou: – Sabe, coelho, na semana que vem vai fazer muito frio e você não poderá ficar aí fora. Vou colocá-lo num grande tacho em cima de um fogão com água morna para você não se esfriar! Tudo para seu deleite!
Peri, começou a desconfiar. Como uma fada poderia vestir de preto? Por que ela o estaria engordando? Tudo vinha-lhe à cabeça e ele concluiu: - ia virar banquete!
O dia fatídico chegou. O tempo estava frio. A fada-falsa chegou cedo com um olhar maligno e assustador, falando: – Vamos lá, meu coelho. Vou livrar você do frio! Hoje você vai sentir-se numa praia, cheia de calor, com lindas coelhas. Prá variar vou colocar alguns sais de banho para você relaxar!
Peri arrepiou-se! Mas, apelou para o seu bom-senso: – Ora, fada, se você é realmente uma fada e quer me livrar do frio, porque sendo velha como você é, com muito frio, não senta primeiro no tacho sobre o fogão?
De repente, parece que ia cair a máscara da fada-falsa, que se conteve. – Ora, amigo coelho, eu quero ver você feliz primeiro, depois eu vou sentar dentro do tacho.
Porém, os argumentos da fada-falsa não convenceram Peri. Ele avisou: – Olhe fada, não posso ficar num ambiente quente, pois sofro de hipertensão! O médico me falou que é para ficar sempre num ambiente mais ameno! Ao que a fada-falsa respondeu: – Mas ali você não vai sentir tanto calor! Para isso vou jogar em cima de você: alho, cebola, vinho branco, e outros.
Cada vez mais Peri assustava-se, agora estava convencido que iria prá panela virar assado. Mas não desistiu: – Eu aceito ir para o tacho, aceito seus argumentos, sei que você quer a minha felicidade, sei que você tem boas intenções, é honesta, correta, mas posso caprichar mais no molho? Se você não mente prá mim, o molho será incrível, você sentirá o gosto do amor!
- Sim, respondeu-lhe a fada-falsa.
E lá foi Peri preparar o próprio molho. Adicionou tudo: alho, cebola, vinho branco, queijos, ovos, condimentos franceses. O molho ficou gostosíssimo. Ao terminar, Peri pediu à fada-falsa que experimentasse. Ela louca de vontade de comer o coelho, tomou logo meio copo do molho. Devia estar delicioso, pensou.
– Socorro, querem me matar! Estou pegando fogo! Estou queimando! Tragam um extintor! Vou me jogar no lago! Socorro, chamem o delegado! Chamem os bombeiros! Quero ajuda! Corra coelho! Vá pedir ajuda!
O coelho prontamente saiu e foi correndo pedir ajuda. Ligou para os bombeiros pedindo que mandassem um caminhão com muita água. Aproveitou o embalo e fugiu. A fada-falsa ficou longe do coelho e foi direto para a UTI de um hospital. Embora o molho estivesse gostoso, a maldade da fada-falsa não deixou ela sentir o verdadeiro gosto e por isso, lhe fez mal.
Livrando-se da bruxa, Peri prosseguiu sua caminhada. Estava cansado. Dormiu embaixo de uma árvore. Lá pela meia-noite, ouviu um barulho de vozes! – Que será? O coelho viu um clarão enorme vindo detrás de uma árvore. Foi lá prá ver. Ele viu seres transparentes, pareciam fantasmas, todos de branco. De repente, um homem aproximou-se do coelho e falou:
– Olá, coelho, hoje nós estamos reunidos para promover a paz. Você pode participar, pois tem amor em seu coração. Nesta assembléia todos falam um pouco de suas vidas, ressaltando o que fizeram pela paz. Você também poderá falar!
O primeiro a falar foi um burrico. Ele disse: – Hoje eu fiz um ato bom, livrei meus amigos de virarem churrasco!
O cavalo falou: – Eu levei várias pessoas doentes na minha carroça.
A vaca disse: – Eu forneci leite para várias crianças doentes!
O elefante: – Hoje eu livrei várias pessoas de serem afogadas, coloquei-as todas nas minhas costas!
E assim, cada um foi falando de seus casos. Peri também falou:
– Hoje eu converti um dragão ao bom caminho, livrei um cachorro de sua loucura além de outros casos.
Quando terminou a estranha assembléia, todos se saudaram e foram embora. Peri, sozinho, permaneceu um pouco parado e logo após começou a caminhar.
De repente percebeu que estava frente-a-frente com a árvore da entrada da floresta. Ficou perplexo! Quer dizer que andara, andara e chegou novamente ao início do caminho? Não se conteve e entrou pela mesma porta que há dias antes houvera penetrado. A mesma cena se repetia: o ser que o saudara na sua entrada agora também estava lá! E falou-lhe:
– Olá, Peri, como você viu toda a sua caminhada foi coroada de sucesso, você realmente tem um bom coração. Você já pode voltar para casa, tudo isso foi uma prova. Você agora vai ser muito feliz, Deus está contigo!
E assim, Peri voltou para sua casa. Estava feliz, uma felicidade como nunca tinha conquistado antes. Jamais falou nada para ninguém, porque ao sair da floresta misteriosa havia esquecido tudo. Por isso, até hoje a floresta ainda continua lá, esperando aqueles seres iluminados que mostrarão os seus bons valores. Você não quer se aventurar a entrar nela, meu nobre leitor?
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