Baby, me disseram que este lugar te apagaria da minha memória. Estou deitada na cama do meu apartamento barato e há uma parafernália sobre a minha cabeça. Eles pediram que eu trouxesse pra cá as nossas coisas e tentasse lembrar do último dia em que eu te vi, e também do primeiro.
Eu estou no teu quarto e você me diz que vai embora mais uma vez. Os meus olhos baixos não seguem mais os teus pés andando de um lado para o outro, eu simplesmente escuto. Minhas roupas estão espalhadas pelo chão e eu estou vestida naquela tua camisa. Esse foi o ultimo dia em que eu sai pela sua porta. Esse dia começa a se apagar como todos os outros se apagarão. Sabe, baby, eu te quero há tanto tempo que não sei como seria ainda ter lembranças suas, não sei como seria não ter você e ficar sempre uma lacuna, um espaço com as tuas medidas. Por que você estragou tudo? Você, sempre o "evento". Como um caixeiro viajante, como um marinheiro, como um taxista. Sempre longe até sentir falta da minha mão por dentro da sua calça.
Agora nós estamos no parque. Você me compra um algodão doce rosa bebê. O vendedor olha para nós e sorri como quem acha muito bonito o que está vendo. Você me diz: "Moça, vamos na roda gigante?". Por muito tempo achei que "moça" fosse uma forma carinhosa de me chamar. Agora eu vejo nitidamente que eu era apenas uma moça como essas para as quais você pergunta o horário na rua. Uma moça quase sem rosto, igual a todas as outras. O parque também já não existirá nos meus pensamentos. Estamos sentados em frente à sua casa. Está quase anoitecendo e é domingo. Um bêbado lhe pede "toca uma música romântica pra essa moça bonita". Ele lhe pergunta "É sua esposa?". Você sorri de canto e diz "É, é minha esposa". Se a minha consciência pudesse falar, ela me diria que era só um bêbado. Mas ela emudecia perto do teu carinho. Eu me pergunto que horas são e mais quantas memórias eu vou reviver para que você não exista mais. Os homens que estão te apagando de mim comem uma pizza e falam sobre blues. Está frio e esses ferros estão gelados. Eu só quero que tudo termine logo. A minha campainha toca. Eu me assusto com você parado na porta quando deveria já ter ido embora para só voltar no outro mês. Suas mãos suam e você me pede "me deixar ficar essa noite?". Você foi o primeiro homem a deitar naquela cama. Era simples porque não haveria outra pessoa que tivesse esse lugar. Era complexo porque poderia ser a ultima vez. E foi. Os nossos bate-papos online passam em meio a uma tela escura. São frases soltas: "ei, você tá aí?", "sinto sua falta", "antes eu estivesse sentindo isso sozinha, talvez fosse mais fácil", "um dia eu me peguei sentindo ciumes de você", "eu te amo", "me escute, não vá embora", "entenda que eu não posso ficar", "é que as vezes eu demoro de aceitar coisas óbvias", "You cannot reply to this conversation. Either the recipient's account was disabled or its privacy settings don't allow replies".
Os acontecimentos passam mais rapidamente. Acho que porque talvez o processo já esteja quase no fim. Finalmente, não haverão mais vestígios das suas viagens em mim. Eu fui por muito tempo apenas mais uma dessas suas viagens em meio a fumaça do teu cigarro de maconha, dos teus porres loucos, das suas cheiradas insanas. Um alívio rápido, uma ilusão.
Essa é a primeira vez em que eu te vejo. A festa está animada e uma das minhas amigas me diz o seu nome gritando e também lhe diz o meu. Você diz "vamos dançar?". Nossos olhares se cruzam e eu fito o teu corpo que dança um pouco desengonçado uma baladinha da Legião Urbana. Sua mão toca a minha e eu arrepio. Tua barba mal feita roça o meu rosto e você me dá um beijo estalado no pescoço. A sua mão, o seu beijo, a sua pele. A primeira agora é também a ultima vez, baby. Eu estou indo embora. Não como um caixeiro viajante, não como um marinheiro. Mas como alguém que nunca mais irá voltar. Adeus, baby, adeus.
Referências filmográficas: Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
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