Solarengo e com uma suave brisa amena. Era assim que se encontrava aquele dia.
Um misterioso homem, pela qual passaremos a tratar por Indivíduo, estava a andar pelo campo. Não se reconhecia a sua feição, pois os intensos raios solares penetravam a vista de quem pudesse estar ali a observar.
Ao início, dava a entender que estava a tentar encontrar uma sombra onde pudesse resguardar do castigo constante que o Sol dava àquela paisagem, como se a quisesse punir por ser tão calma e natural.
Mas não. Andava como quem não tem rumo, passando por árvores repletas de frutos, pequenos lagos e até uma cascata altamente convidativa com água pura e cristalina que enfeitiçava quem por ali passasse, mas não a ele, esse Indivíduo que provavelmente nem olhou para aquela queda de água paradisíaca.
Os raios de Sol diminuíram e perderam a sua intensidade gradualmente, os animais resguardam-se nos seus abrigos, os pássaros cessavam o seu chilrear e agora as folhas das árvores moviam-se melancolicamente. Tinha anoitecido.
O Indivíduo continuou a caminhar, já aparentando ter destino. Agora era a escuridão que mergulhava a sua cara no mistério, sem ainda poder-se distinguir algum traço da sua feição.
Aos poucos, a paisagem mudava. O campo transitava para um deserto sem vida, seco e hostil. Nem sequer os homens mais valentes atreviam-se a atravessar aquela zona durante o dia devido ao intenso calor. Mas isso pouco interessava para o Indivíduo, pois a frescura da noite domava as altas temperaturas.
À medida que caminhava, começava a ser possível reconhecer as suas características faciais aos poucos. Quando a Lua já estava no seu ponto mais alto a refletir a luz do corpo celeste que há algumas horas atrás queimava impiedosamente quem por ali passa-se, o seu brilho permitiu notar-se que o Indivíduo usava um capuz, tinha uma cicatriz cravada na cara e quando mirava a Lua os seus olhos brilhavam um pouco. Esses olhos, outrora verdes e cintilantes, agora não passavam de duas circunferências que transmitiam um olhar vago, sinistro, obscuro... Diz-se que os olhos são a janela para a alma, e o Indivíduo confirmava essa expressão.
A viagem, que afinal sempre teve rumo, estava prestes a termina. A areia do deserto começava a desvanecer-se e a dar lugar a uma planície rochosa.
O principio do fim tinha chegado. Ouviam-se ondas a embaterem violentamente contra as ásperas rochas. O homem encapuzado tinha alcançado um precipício.
Começou a andar mais vagarosamente, talvez devido ao cansaço, ou então porque estava a aproximar-se da ponta do precipício.
Olhou para baixo. Não estava intimidado pelo facto de estar mesmo na ponta do precipício e parecia fascinado pela força brutal das ondas e a infinita resistência dos rochedos, como se estivessem numa batalha incessante que já durava milhões de anos.
Uma lágrima escorreu-lhe pelo rosto, contornando a cicatriz. Não era de tristeza, mas sim de alívio. O navegador sem rumo tinha chegado ao seu destino. Começou a lembrar-se de város momentos marcantes da sua vida, dando ênfase aos mais felizes, que lhe davam um aconchegante conforto.
Enquanto estava a meio desse processo nostálgico, começou a chover. O som da chuva abafava o das ondas, que revoltam-se ainda mais ao embaterem com uma força descomunal nos rochedos.
Todos aqueles acontecimentos passados eram inúteis. Para que serve memorizar se vamos acabar por esquecer? Porque é que existimos se vamos acabar por desaparecer? Essas eram algumas das questões retóricas que apoderavam-se da mente do Indivíduo.
Subitamente, estendeu os braços para os lados, o vento tirou-lhe o capuz e sorriu. Um sorriso doce mas ligeiramente insano. Cerrou os olhos e limpou a mente de todos os pensamentos.
Deixou-se cair para a frente aos poucos até que deixou de ter chão debaixo dos pés.
Desapareceu.
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