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O Deus desconhecido
Fa Olivera

Resumo:
Conto desenvolvido a partir da passagem de Lucas Evangelista Cap 7 vs 2-10

As fracas claridades da tarde brincavam no céu tingindo as nuvens de um rosa avermelhado, as ruas de pedra se apertavam entre os casarios de mármore, liteiras passavam carregadas por fortes escravos que pareciam apressados para por aliviar o sofrimento, e nestas derradeiras impressões do dia em que o crepúsculo se insinuava anunciando a noite próxima observamos a frente de um dos casarios Diodoro Cornélio lendo a mensagem que lhe foi entregue por solicitação direta de Gaio Sevérus, mensagem na qual o tribuno chefe se expressava nos seguintes termos:

“Respeitável Sr. Cornélio, é de meu conhecimento que reside em nossa amada Roma os motivos de vossa ventura, não obstante também tenho comigo a certeza de que és o mais fiel membro de nossa coorte, por isso és convocado para liderar vossa centúria em expedição a estas províncias.
São dias agitados, aqui e acolá se levantam boatos de revolta, este povo é cheio de superstições e de uma fé misteriosa, falam de profecias e de um messias que seria enviado de seu Deus para libertá-los, e embora as autoridades se mostrem incrédulas é de desejo de Tibério o Augusto que a paz seja mantida a qualquer custo e Pilatos acredita que a vinda da coorte irá acalmar os ânimos por aqui, da chegada de meu mensageiro as embarcações deverão sair dentro de três semanas...”

No restante da carta o Tribuno descrevia detalhes da convivência na Judéia explicando um pouco da cultura e costumes que havia aprendido ao longo dos últimos seis anos. Quando terminou de ler o centurião guardava em seu coração uma angústia indescritível, sentia que após embarcar não mais voltaria a ver seu velho pai e só o pensamento já lhe fazia sentir indescritível tristeza, aquelas viagens duravam anos, e com noticias de uma possível rebelião o que de certo estenderia o prazo para retorno, talvez não mais conseguisse ver seu pai em vida. Despediu-se do tabellarii agradecido e entrou em sua casa dirigindo-se aos aposentos de seu pai, o velho Flávio Cornélio encontrava-se recostado sob uma cama, olhar perdido, a respiração pesada parecia lhe exigir enorme esforço, as faces pálidas e os lábios brancos se moveram balbuciando algumas palavras e após ouvir de seu filho a noticia de que em breve viajaria para longe era possível notar que em seu intimo guardava certo desconforto, pediu ao filho buscasse o melhor vinho para beberem juntos, ao que foi prontamente atendido.

Enquanto o filho se retirou do quarto, Flávio se pôs de pé com alguma dificuldade apesar da ajuda dos criados, caminhou até a janela mais próxima e pode ver a luz da tarde ser vencida pelos limites do horizonte em que o sol se deitava, as estrelas subiam ao céu e uma sensação de nostalgia invadiu seu coração, o velho Cornélio teria ficado ali ainda algum tempo até que seu filho retornou com o vinho e duas taças de ouro, ambos encheram as taças e em seguida deitaram-nas em libação num gesto de agradecimento aos Deuses, e ali ficaram por algumas horas acertando os detalhes da viagem, parecia já uma despedida na qual os corações de pai e filho se perdiam em tristeza e saudade, mas um e outro tentavam disfarçar seus sentimentos para não agravar a situação. Já era alta noite quando o Flávio dirigiu-se a seu filho quase em suplica:
-Meu filho querido não te sinta incapaz diante do dever que lhe cabe cumprir, nem tão pouco se demore em lamentações por minha causa, sou velho mas sou ainda muito forte, tenho também sob minhas ordens servos fiéis que poderão me auxiliar em caso de alguma necessidade que meus velhos ossos cansados me impeçam de conseguir sozinho.
O jovem Centurião nitidamente emocionado não só pelas palavras de seu pai, mas também pela vibração daquela voz rouca, fez menção de responder e foi interrompido pelo velhinho que continuou:
-Não tenho a intenção de despertar em vosso coração alguma inquietação, mas quero filho amado que ajude a aliviar as vozes da consciência que reclamam em minha alma o resgate de minhas dividas, não me julgues nem te surpreendas quando ouvir de meus lábios que não sou tão perfeito quanto imagina, pois que por muitas vezes me perdi na inconseqüência de meus atos impensados.

Sem entender direito, agora surpreso e curioso Diodoro perguntou:
-Que é isso papai? Não creio haja no mundo alguém mais dedicado que o senhor a família, mamãe o amava e sempre o respeitou e admirou pelo homem que é, assim também procede entre o patriciado e a sociedade romana pela qual o senhor sempre batalhou, não entendo o que queres com isso.

O Jovem mal terminara a ultima palavra e Flavio sem pestanejar respondia:
- Ah Diodoro, Diodoro, não sabes o quanto me custou guardar por toda a vida os segredos obscuros que agora trago a seu conhecimento, sua mãe era muito bondosa e ela sim era uma enviada dos Deuses para me guiar em minha jornada, não obstante as injustiças que cometi contra ela, sempre a tive a meu lado, dedicada e abnegada ao nosso amor, ela presenciou minhas falhas e como eu nunca a ouvia os Deuses me castigaram e levaram-na de mim, de que adiantava ter uma estrela guia se meus olhos estavam cerrados para as claridades divinas que ela irradiava? Eu estava cego por que o fogo do egoísmo havia queimado minha vista, mas agora despertei e ainda que seja tarde confio a você um ultimo esforço na tentativa de concertar os meus erros...

- Papai, pelos Deuses, sabe que podes contar comigo para o que for necessário, mas o que poderia ser de tão grave para te afligir de tal forma? Perguntou o Centurião.

-Filho, eis o relato de minha desventura.
Há aproximadamente 30 anos quando tu eras ainda um recém nascido, eu e tua mãe compramos um escravo Grego de nome Alexandro, o achamos maltrapilho e mal cuidado, mas era muito culto e Inteligente, conhecia de nossa cultura e poderia ser um bom professor para ti. Com o passar do tempo, tua mãe se afeiçoou muito a ele, e por mais que eu confiasse nela o ciúme me transformou e eu não conseguia ver nada além dos pensamentos perniciosos que me invadiam a mente, diversas vezes eu os vi em conversas e quando surpreendidos por mim ambos se mostravam inquietos como se escondessem algo.

Flávio fez uma pausa como a colher a impressão que causava no filho, Diodoro sentia os olhos se encherem de lagrimas e o coração apertado prevendo o desenrolar da história.

- Quando questionei Cláudia e fiz saber de minhas inquietações com a situação, ela me disse que Gregório estava ensinando uma nova fé que havia aprendido em convivência com Judeus, era algo inaceitável para mim que nossa crença seja uma mentira, que apenas um Deus governe o mundo, a ira invadiu meu peito, guardava a certeza de que ele tentava corromper minha querida esposa na tentativa de arrastá-la para as garras perniciosas da fornicação. Pelos quatro cantos da cidade começaram os comentários, aqui e acolá um e outro se dirigiam a mim com desrespeito, e eu não pude suportar.

Diodoro sentia escorrer pelo rosto uma lágrima quente enquanto o velhinho continuava:
- Até que um dia tomado de ira e ódio, atravessei o saguão desta casa e quando alcancei o jardim, saquei minha espada e desferi um golpe pelas costas de Alexander, ele mal pode perceber ou mesmo mencionar qualquer palavra, e quando virou os olhos para mim curvando o corpo, pude perceber para minha surpresa que ele segurava uma criança que chegou a sofrer um corte pelo fio da espada que atravessou o corpo de Alexander. Depois disso filho, afastei sua mãe para sempre, disse que aceitaria ela em meu lar unicamente para educá-lo, mas não mais como esposa, e foi ai que começou a definhar para a morte em que lentamente se entregou.
Dei liberdade a meu escravo Marcus Tarquínius e pedi que cuidasse do menino mandando os dois para as províncias do oriente. É um mistério para mim qual a origem do garoto, mas quero hoje que você o encontre e de a ele tudo o que precisar, e consiga dele meu filho as desculpas que por covardia jamais consegui.

Diodoro estava chocado, deu alguns passos cambaleando e caiu sentado tentando expelir por suas lágrimas a dor que sentia por lembrar sua mãe quando viva, e por saber que nunca compreendeu a situação deixando ela sozinha com os pesares que devia carregar, lembrou-se do dia da morte de Cláudia em que seu mundo parecia ter desabado. Ficou algum tempo ali, depois se levantou e foi consolar o pai que também derramava suas angústias em tristes lágrimas de arrependimento.

Os dias que se sucederam seguiram sem grandes acontecimentos dignos de menção, somente com os preparativos para a longa viagem.
    Três semanas depois Diodoro estava a bordo da embarcação que zarpava de Ostia.
Os primeiros dias da viagem foram vazios, Diodoro se perdia admirando as paisagens da tarde, lamentando os acontecimentos e se perguntando em seu intimo se seria possível depois de tantos anos encontrar alguém de quem não sabia sequer o nome, tinha apenas a orientação do criado Tarquinius a quem iria procurar.
Uma noite os Tripulantes foram surpreendidos por uma forte tempestade, todos se esforçaram para ajudar, Diodoro se desdobrara e após o tremendo esforço caiu de cama sentindo-se muito mal, a situação piorou e no terceiro dia a febre se alastrava, o suor escorria por sua testa, seus cabelos estavam molhados e ele delirava em pesadelos, gritava alto o nome de sua mãe, de seu pai e de Yahweh que seu pai dissera ser o nome do Deus desconhecido sobre o qual se desenvolveu o drama de sua vida.

Nas primeiras suspeitas de que Diodoro fora contaminado por uma peste contagiosa, foi trancado em um quarto e um escravo foi designado para cuidar dele. O escravo para a surpresa de todos foi muito abnegado, não demonstrava medo da doença e se portava com muita presteza e solicitude, amparando o então convalescente Centurião, e quando Diodoro abriu os olhos apresentou-se a ele como Avshalom, sim era Judeu e fora seqüestrado para depois ser vendido a servidores romanos no porto de Atenas, certamente seria designado as galeras, mas por força da ocasião não foi assim, pelo menos por enquanto. Avshalom esclarecera muitas dúvidas sobre Yahweh, Diodoro ouvia e interpelava e Avshalom respondia com muito gosto e eloqüência. Apesar de não conseguir contra argumentar a posição religiosa do escravo, era muito difícil concordar com aquilo tudo, e quando então Avshalom falou de um Nazareno que vinha praticando milagres em nome de Deus, curando leprosos, dando visão aos cegos e pregando a todos a soberania espiritual dos miseráveis de todos os caminhos em relação aos ricos e poderosos, o Centurião de imediato assimilou-o a figura de um agitador, seria certamente ele de quem Gaio Sevérus deveria ter falado na carta que enviou a ele. Como podia ser diferente? Os poderosos o eram por determinação dos Deuses, era realmente um perigo aquelas pregações, mas Diodoro ouviu calado em respeito ao homem que salvara sua vida.

Apesar da dificuldade de aceitar, o jovem romano não era de todo estranho a esses sentimentos, seu coração era extremamente generoso e ele sempre fizera tudo que era possível para auxiliar os pobres, dentro é claro dos limites impostos pela cultura de seu povo, foi ai que lhe veio à idéia de libertar aquele escravo com quem tanto simpatizara, não poderia ver o homem que salvou sua vida ir depois para as galeras e morrer contaminado pelas doenças que os ratos por lá costumam espalhar. E assim o fez, no instante em que se levantou, tomou as providências necessárias para tê-lo sob sua custódia, comprou o escravo e o libertou três dias depois que desembarcaram em Tiro, oferecendo a Avshalom um emprego de administrador de suas finanças, tornaram-se então grandes amigos e foi Avshalom mais uma vez que lhe ofereceu o ombro amigo quando Diodoro recebeu o papiro com a breve nota de falecimento de Flavio Cornélio.
   Diodoro com profundo sofrimento no coração sofreu grande transformação intima, ao se deparar com as condições em que viviam a grande maioria do povo naquela região passara a se dedicar aos necessitados, sentia o anseio de ajudar e tudo o que fazia por caridade aliviava seu coração flagelado, encontrando então o povo rural necessitado de tudo na Galiléia onde estagiava agora, ajudou muita gente e mandou edificar uma sinagoga em Cafarnaum onde o povo aprendeu a gostar e respeitar o Centurião. Nesta cidade Diodoro ficara de encontrar Marcus Tarquínius, e este chegou bem no dia em que Avshalom caíra doente, e estava mesmo muito mal, ficou dois dias inconsciente, sua pele perdera a cor e suas mãos estavam frias.
        Tarquínius estremeceu, quando viu o rapaz deitado, sua pele empalideceu, as feições do rapaz haviam mudado um pouco mas a cicatriz que notou nas costelas não deixavam engano, aquele era o garoto a quem Diodoro tanto procurou, ele havia se perdido em um Naufrágio quando saíram de Roma a pedido de Flavio, mas ali estava o garoto.
        Diodoro ao tomar conhecimento da situação caiu de Joelhos gritando:

-Yahweh, então é assim que me trouxe a ti? Eis me aqui, fazei de mim segundo a tua vontade, perdoe a minha cegueira que não permitiu ver a ti como senhor do mundo mas poupa este que sempre teve temor a ti.

O jovem romano então entrou em desespero e de Joelhos orava pela primeira vez a Yahweh suplicando sua interseção milagrosa, até que um amigo o procurou e fez saber que o Nazareno estava na cidade.

- É nossa única esperança Diodoro, Avshalom só tem piorado e talvez não haja muito tempo.


O Centurião não se sentia digno, não depois de ter negado esse Deus por tanto tempo, estava arrependido por não ter se convertido antes, mas foi então que encorajado por um sentimento de esperança que lhe brotava ao coração que o rapaz respondeu:

- Não quero me afastar do meu amigo, por favor, vá por mim Gamaliel, diga a este homem que não sou digno de que entre em minha morada, mas sei em meu coração que basta ele dizer uma só palavra e Avshalom será curado, pois também eu tenho sobre minhas ordens homens que digo venham cá e eles vem, e digo vão e eles se vão, sei que a ele que é filho do senhor do mundo bastará mandar a doença que ela se vá.

Mais tarde Gamaliel retornou e encontrou Diodoro e Tarquinius abraçados ao jovem rapaz que estava plenamente curado, ele deu muitos detalhes sobre o Nazareno explicando a doçura de suas palavras quando disse: “Jamais encontrei tamanha fé em Israel”

Fim

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