O pensar é dialógico e dialético
Neste primeiro momento vamos discutir as bases estruturais e tecer reflexões acerca do dialogismo e da dialética peirceana. É, pois, uma tentativa de buscar, na semiótica peirceana, contextos que sejam apropriados para exercitarmos ou, de uma certa forma, comprovarmos o raciocínio dialógico e dialético.
Não pretendemos, aqui, buscar a etimologia de cada palavra e acentuar o seu caráter histórico, por serem palavras que agregam uma certa potencialidade de interpretação; se assim o fizéssemos, estaríamos forçando este debate a percorrer uma trajetória distante de seu objeto de pesquisa. Sendo assim, tivemos o cuidado para não seguir em outra direção, a não ser a da semiótica cunhada por Peirce.
Dito isso, sem querer parafrasear Charles Peirce, mas já parafraseando, quando ele diz que a característica básica do signo é de poder representar as coisas ou objetos, então nos apoiamos nesse conceito para apresentar, ainda que superficialmente, uma observação que representa o objeto de nossa análise, observação esta que aglutina grande parte de nossas reflexões. Para isso, aproprio-me de uma citação de Santaella,L. (1993:19):
“Um homem dialogando com 25 séculos de filosofia ocidental”.
Tal afirmativa apresenta um grande poder sugestivo, pois contém concomitantemente a dialética (lógica e argumento) e o dialogismo (arte do diálogo). Com isso, este ensaio pretende buscar as influências, compilá-las e em seguida testá-las, procurando ser ele próprio dialógico, porque, se soube de onde partir e se os resultados propõem novas indagações, recobrirá, também, novas interrogações.
Desta forma, então, podemos verificar que, como dito, a abertura deste trabalho, ou o seu próprio escopo, já traz dentro de si uma relação dialética e dialógica, pois à medida que compilamos esses dados, para o exercício do debate, tais como os determinantes sociais, culturais, cognitivos e intelectuais, isto nos permite, de certa forma, acessar e trazer à tona informações que inferem a construção de possibilidades.
A cada mergulho nas camadas de um livro qualquer, ou até mesmo na obra peirceana, ou, ainda, porque não dizer, para elaborar este ensaio, estamos estabelecendo um diálogo, um diálogo com o plano primeiro -plano de criação-, a fonte onde fomos investigar a pesquisa para este debate; prosseguindo neste raciocínio e, na tentativa de esclarecer e exemplificar o dialogismo e a dialética, iremos perceber que o plano primeiro -plano de criação- já não é mais o plano primeiro, pois para ele se estabelecer, houve a investigação de outras fontes, então ele será o plano segundo e, se persistirmos neste mesmo raciocínio, teremos “n(s)” planos, uma cadeia infinita de planos. Logo, em cada momento, teve-se à presença, ou seja, só foi possível, o encadeamento devido ao dialogismo e à dialética.
Sendo assim, entendendo o debate como o objeto de reflexão, num ato de pensar, confirma-se a terceira divisão da lógica peirceana:
“(...) um pensamento produz outro pensamento”.
Ou seja, o próprio debate acabou produzindo outro debate, e para debater houve o pensar, e este pensar surgiu do pensar anterior mais o pensar (aqui-agora) que, conseqüentemente, irá gerar um outro pensar, um pensar ulterior. Portanto, podemos dizer que compreender e interpretar é traduzir um pensamento em outro pensamento num movimento ininterrupto, é o que explica Peirce:
” Da proposição de que todo pensamento é um signo, segue-se que todo pensamento deve se dirigir a algum outro, deve determinar algum outro, visto que essa é a essência do signo”.(Peirce,1995:269)
Para podermos entender um signo ou pensamento, temos de traduzi-lo em outro signo-pensamento. Um pensamento é sempre continuação de um outro para criar ainda outro pensamento e assim ad infinitum. Nesse sentido, a observação de Peirce é adequada, se confirma e reforça o entendimento de dialogismo e da dialética.
Como se pode notar, na tentativa de voltar nossas atenções para a defesa e a comprovação do dialogismo e da dialética, entramos de “carona” na semiose. Esta possibilidade é inevitável e viável, devido aos seguintes fatores:
a) Por a semiótica peirceana, ou ciência dos signos, e as implicações por ela envolvidas apresentaram um amplo espectro. Isso faz com que cada pensamento desta ciência do signo esteja perfeitamente ajustado a outro pensamento.
b) Também pela linguagem que, como se sabe, sempre trai a realidade, pois a linguagem não é capaz de representar por inteiro um pensamento. Nunca iríamos conseguir traduzir (interpretar) o significado das palavras dialogismo e dialética -sem a recorrência da pluralidade de outras palavras. Por mais que tentássemos condicionar ou selecionar palavras para esta finalidade, não seria possível, sempre iríamos esbarrar em outros conceitos, em outros termos. As palavras estão atravessadas de significados, significados que se deslocam, que se retiram num dançar incessante, estão em permanente estado de transformação. Um significado remete-se a outro significado de forma progressiva, dialética e dialógica.
Por isso, ao direcionar nossas energias ao viés dialógico e dialético, emergiu a semiose, que não é uma mera coincidência, mas é uma necessidade. Devido a esta emergência, focalizaremos, num outro ensaio, a semiose que é um dos conceitos chave para o entendimento da semiótica perciana.
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