Eu queria que minha primeira crônica fosse diferente. Egocêntrica, maluca, cheia de bizarrices e esquisitices. Queria que ela fosse acima de tudo estranha. Uma crônica que pudesse fugir totalmente da realidade, que te contasse uma piada e logo após te desse um soco na barriga. Que te desse um problema e mil soluções. Ou o contrário. Afinal, quanto mais estranho fica, mais espetacular chega.
Mas como escrever uma crônica de realidades cotidianas, se nossa protagonista não sabe o significado de cotidiano? Como contar sobre pessoas reais, tangíveis e táteis, se nossa protagonista não tem muitos relacionamentos fora de sua cabeça? Afinal, como escrever sobre histórias engraçadas, bizarras, talvez tristes e fora do comum, se a protagonista não tem experiência com algo fora de sua vida pacata e sem sentido?
Assim começa – e termina - essa crônica: sem sentido.
Nossa protagonista tinha a mesma personalidade que nossa crônica idealizada. Era bizarra e maluca. Não tinha muitos amigos, e não era por falta de tentar. Era porque achava as pessoas dentro de sua cabeça bem melhores que as da realidade. Não gostava de festas, nem de coisas comuns do cotidiano. Tinha seu jeito de vestir, seu jeito de falar, seu jeito de andar e seu jeito de amar.
Amava acima de tudo a música. Tocava mil e um instrumentos e queria aprender mais. Passava suas tardes tocando e ouvindo, sentindo e apreciando. Ouvia melodias, harmonias, batidas e ritmos como ninguém mais.
Porém, sua vida por si só não poderia ser chamada de uma vida completa. Passava seus dias dentro de casa e não construía narrativas no seu dia a dia.
Era o que todos pensavam.
A menina engolia livros. Um atrás do outro, todos de maneira abrupta e sem noção. Todos de realidades distantes e ficções maravilhosas. Afinal, que mundo não é mais bonito dentro de nossa mente? Procurava matar os seus dragões, lutar suas batalhas, desvendar os seus mistérios, fazer justiça com suas mãos. Tentava matar seus demônios e tentava mais ainda voar para longe.
E ela conseguiu. Voou pra bem longe. Experimentou a emoção de uma guerra travada. Participou de assassinatos e mistérios. Conquistou seus amores. Morreu de dores. E foi lindo. Leu sobre pessoas que nunca ia ser, em aventuras que nunca iria ter.
E assim viveu uma parte de sua vida. A menina completou 18 anos e foi para a faculdade. Para a surpresa de todos, ela continuou a mesma. Lendo, tocando, fugindo da sociedade. Porém, havia uma diferença: começou a escrever. E tudo começou a melhorar, porque agora ela poderia viver as aventuras que quisesse, poderia amar quem quisesse e sentir o que quisesse.
Terminou a faculdade, arrumou um emprego, juntou dinheiro. Publicou suas histórias. Conseguiu tanto dinheiro que decidiu viajar. Comprou passagens para França, Inglaterra, Espanha, Canadá, Havaí, China, Austrália...Todos os sonhos possíveis. Arrumou uma pequena mala, e pegou o avião.
Agora poderia participar de suas próprias aventuras. Ia conhecer o mundo. Estava finalmente livre.
|