Aquela mulher, de olhos tristonhos
que vende sortes de loteria,
fala em riqueza, promete sonhos,
com "prémio grande", que tem na mão...
E assim (contraste feito ironia!)
numa indigência, que mal encobre,
fala em riqueza com quem é tão pobre!
Promete ouro quem não tem pão!
De rua em rua, na amarga luta,
com o olhar sumido, que o pranto molha,
e a voz tão baixa, como uma prece...
Passa um banqueiro, que não a olha;
passa um soldado, que a escuta;
passa um poeta, que ela entristece.
Se a chava cai, não lhe importa a roupa,
que até se lava com a chuva forte.
Só os bilhestes é que ela poupa!
Nem a doença lhe dá cuidados,
pois a pobreza não teme a morte...
A noite chega. E ela, vencida
do ingrato ofício na luta em vão,
retorna a casa, desiludida,
depois de haver, por um dia inteiro,
vendido aos outros tanta ilusão!
(Do Livro: CANTOS SEM GLÓRIA)
|