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SUSHIS YOKI
ANDRE MANSUR BRANDAO

Uma das piores semelhanças existentes entre médicos e advogados é a famosa abordagem imprópria que esses dois tipos de profissionais sofrem em festas. A coisa é tão absurda que um amigo médico parou de ir a festas, pois quando descobrem sua “identidade”, imediatamente inicia-se uma série de “consultas” gratuitas, que tiram o prazer de qualquer um. “Dr., o senhor é médico?”. A resposta afirmativa a essa pergunta é a senha para que todo tipo de chato comece a trazer seus casos pessoais (e de amigos, pois quando alguém quer consultar-se sobre algo melindroso, usa um amigo imaginário), como se em um consultório estivesse. E, principalmente, como se estivesse pagando pela consulta.
Sugeri a esse amigo uma solução paliativa, que o possibilitou voltar a frequentar eventos festivos. Disse a ele: quando descobrirem (como as pessoas descobrem isso?) que você é médico, confirme! Diga: “sou sim, sou PROCTOLOGISTA!”. Ponto final, ninguém quer conselhos de proctologistas. Não que os conselhos sejam inúteis, já que médico é médico, mas é muito embaraçoso para alguém ter “um dedo de prosa” com um proctologista. Assim, meu amigo pode ter de volta sua vida social.
Com os advogados, ocorre o mesmo. A diferença é que não temos a prerrogativa de usar uma das especialidades disponíveis como repelente a chatos, pois sempre – repito – sempre tem alguém que vai ignorar o fato e, de qualquer forma, perguntar o que deseja saber (ou contar o tal caso do amigo).
Nunca me importei em responder perguntas inoportunas (sempre começam assim: “sei que você não está trabalhando, mas …”). Na verdade, adoro tudo o que se relaciona com o Direito. Tenho casos tão interessantes que poderia fazer milhares de palestras seguidas, sem repetir o tema. Assim, realmente adoro contar casos e falar sobre minha profissão. Sem contar que isso costuma atrair clientes potenciais. E clientes são sempre clientes!
“Você defenderia aquela vagabunda?”. A pergunta, direta e repleta de ódio, partiu de um homem de pouco mais de 40 anos que nunca tinha visto, e veio em minha direção como uma flecha. Eu estava numa festa de criança, à qual compareci no fim de semana. Imediatamente, surgiram em minha cabeça duas certezas: a primeira, de que é que preciso urgentemente melhorar minha vida social, pois ultimamente só vou a festas de crianças. A segunda certeza era de que a “vagabunda” a quem o ilustre desconhecido se referia era a Assassina do Sushi, como tem sido chamada nas redes sociais a assassina confessa do principal executivo da empresa YOKI.
Diz um ditado popular que fração de segundo é o tempo decorrente entre a abertura do semáforo de trânsito (farol, para os paulistas) e o acionamento da buzina do carro pelo idiota que está no carro detrás. Naquela fração de segundo, tive de tomar uma decisão que poderia mudar minha vida para sempre. Minha resposta, afirmativa ou negativa, ensejaria, no mínimo, um interminável debate, que poderia até mesmo, dada à raiva com que a pergunta foi feita, provocar uma briga!
A primeira resposta que veio à minha cabeça foi: “SOU PROCTOLOGISTA”! Infelizmente, boa parte dos presentes sabia que eu era advogado. Sem contar que havia alguns clientes infiltrados no meio da platéia, que aguardavam como lobos numa alcatéia faminta, ao menor sinal de que eu defenderia a tal vagabunda.
O que fazer? O que dizer? Para mim, fugir de um debate nunca é uma opção. O problema é que,   apesar de adorar causas impossíveis (as fáceis, qualquer um defende), eu não podia ignorar que estava numa festa de criança (droga).
Eu já havia passado por uma situação muito semelhante, num clube. Na época, a bola da vez era o casal Nardoni. Eu estava sentado com meu filho, ainda muito novinho, na beira de uma das piscinas, quando uma mulher, devidamente bêbada e raivosa, começou a falar todo tipo de abobrinhas sobre advogados que tinham coragem de defender monstros como aqueles. Para não alongar muito, mas, também, para não deixá-los sem o fim da história, afirmo que após meu afável debate com a pinguça, nunca mais a vi no clube. Algumas pessoas são muito susceptíveis a críticas e parece que a mulher não gostou muito quando perguntei se ela, bêbada como estava, e com duas filhas pequenas, teria coragem de voltar dirigindo para casa. Pois, se fizesse isso, ela, sim, seria uma monstra e, como os Nardoni, necessitaria da ajuda de um profissional que lida com os lixos que os monstros produzem: o advogado!
Bom, em minha defesa digo que boa parte dos músculos que comandam a fala são de contração involuntária. Assim, infelizmente, não me contive e respondi, sem raiva, mas com o mesmo tom de voz em que a pergunta havia sido feita: CLARO! CLARO QUE DEFENDERIA!
Pronto, falei. Agora era só aguardar o massacre e a execração pública de minha pessoa. Meu filho nunca mais seria convidado para festas de seus coleguinhas. Eu seria sumariamente expulso da festa. O que, diga-se, não seria de todo ruim! Mas, para a minha total surpresa, nada disso ocorreu. E não demorei para perceber o motivo.
A grande maioria dos presentes em festas de crianças são mulheres. O crime, classificado de bárbaro pela mídia, talvez pudesse ser visto de um outro ângulo, por quem, historicamente, sentiu (e sente) na carne o peso de dois dos componentes muito presentes no caso: adultério e violência contra a mulher.
Não quero dizer, com isso, que as mulheres concordem ou sejam solidárias com a violência e a brutalidade deste crime. Mas, se retirarmos o “depois”, muitas pessoas, mulheres e homens, poderão entender o “durante” e, principalmente, o “porquê”!
Homens e mulheres não lidam bem com a traição. Ser trocado e preterido não faz parte da natureza humana, que prioriza o EGO, antes de tudo. As pessoas não se amam, apenas se possuem. E dentro desse conceito, se concentrarmos apenas no fato de que a esposa, descobrindo a traição pública de seu marido, e após ser agredida fisicamente por este, o matou, o crime não parece comum? Não seria um simples crime de paixão, o tão falado crime passional?
Alguns podem dizer: assassinar o pai, a poucos metros de distância da filha de um ano de idade? Isso não é algo que se aceite, não é mesmo? Ocorre que a principal característica de um crime cometido no calor da paixão é a perda do controle total da situação. O simples ato de tirar a vida de alguém já indica que a pessoa cruzou o abismo que separa o que se considera legal daquilo que é definido como crime. E nesse momento, o criminoso nada pensa.
Todo homicida, após o cometimento do crime, depara-se com um dilema: o que fazer com o corpo. E, é nesse momento que o crime do Sushi ganha contornos bizarros, que não somente chama toda a atenção da sociedade, mas coloca em discussão os próprios valores que alicerçam a natureza humana.
O esquartejamento nos faz lembrar dos filmes de terror. Dividir o corpo humano em partes é cruel, desumano, quase insano, não é mesmo? Ocorre que esse expediente, tão utilizado por traficantes de drogas, já foi amplamente adotado tanto pelo Estado, nas execuções de criminosos, como pela Igreja, na idade média, durante o período da Inquisição.
Mas, quando uma pessoa comum, uma pessoa que poderia ser qualquer um de nós, de nossos parentes, de nossos vizinhos, consegue efetivar uma prática tão cruel, a sociedade fica estarrecida. E o motivo é um só: esquartejar demonstra, além de maldade, frieza. Demonstra controle. O mesmo controle que se alega ter perdido durante o crime.
Em sua essência, nem homens nem mulheres podem concordar com este ou com qualquer outro crime. Como profissional do direito, consigo entendê-lo, sem julgar, e até mesmo defendê-lo, o que certamente desperta a raiva de muitos, que se acham donos da verdade, esquecendo-se do fato de que qualquer um pode cometer um crime. Qualquer um! Responda, honestamente, aquele que nunca pensou em cometer um delito, qualquer que seja.
Acho, todavia, que a sociedade deve direcionar sua ira, sua revolta, sua fúria e toda a sua indignação para os crimes bárbaros cometidos por corruptos que, desviando verbas destinadas a matar a fome e reduzir a miséria de nosso país, esquartejam sonhos e vidas de milhões de crianças pelo Brasil afora. Isso, sim, enoja!
Legalmente, há casos em que uma pessoa pode tirar a vida de outra, como ocorre no caso de legítima defesa ou nos casos de estado de necessidade. Moralmente, sou totalmente contra, mas digo que, apesar de condenar, não teria qualquer problema em matar para defender minha família.
O que peço é que as pessoas reflitam e saibam que existem circunstâncias que são tão importantes para o entendimento do comportamento criminoso como o próprio resultado do crime. E principalmente, quero que saibam que, mesmo que um crime tenha sido cometido de forma brutal e monstruosa, com requintes de barbárie, a pessoa a quem se imputa sua autoria merece ser defendida por um advogado.
E este advogado, longe de ser tão monstruoso quanto o crime que defende, é a garantia de que vivemos em uma sociedade de direito, uma sociedade em que não se admite o julgamento sumário, sem garantir aos acusados o pleno direito à sua ampla defesa. E posso garantir, que, se uma sociedade, através de seus honrados advogados, defende os direitos daqueles que se acreditam ser os piores, defenderá o direito de todos nós, no infeliz e improvável momento em que precisarmos de uma justiça que julga, e não que simplesmente executa seus cidadãos! Sem direito à defesa!

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