Ah, essas siglas! Já repararam como ficou praticamente impossível manter um diálogo, sem que, inopinadamente, esse inimigo oculto ataque? Muitas vezes nem reparamos, tamanho é o poder desses atalhos do pensamento. Em várias profissões, por preguiça, instados pela pressa, ou querendo ostentar um saber superior, por obra dos participantes dessas confrarias, as malsinadas letrinhas se fazem presentes. Não há quem escape. Às vezes há invasões multidisciplinares, outras vezes serão xiboletes cujo entendimento ratifica, melhor que uma carteira de sócio, que fulano é integrante de determinado grupo. Exemplos? Nada mais fácil: “Ao constatar que o GPS forneceu uma informação incorreta, teve um AVC”.“ O HDL em níveis satisfatórios garante um ECG normal” . “A falta SOX comprometeu o IPO”. E por aí, vai.
Já que é impossível combater esse poderoso inimigo, resolvi aderir.
Todos sabem o que é TPM, e se não souberem, não contem comigo para explicar. Nesses últimos dias tenho padecido de TPL. Explico — por tratar-se de sigla razoavelmente nova. Trata-se nada mais, nada menos que de Tensão Pré-Lançamento. Depois de vários meses, conclui mais um volume de contos. Para que não seja identificado, usarei... uma sigla: DV . Com a proximidade do lançamento do DV, a tal TPL passou a infernizar-me a vida. Por que a angústia? Para encontrar a explicação, basta passar por uma livraria e divisar as estantes cheias de “concorrentes”. Sendo “otimista com restrições”, já imagino meu livro perdido no meio daquele mar de capas tentadoras. Por qual mágica, o leitor desavisado irá apanhá-lo, folheá-lo, adquiri-lo? Supondo uma total igualdade de condições, seria apenas um fenômeno estatístico. Se há 100 títulos, a probabilidade de o DV ( é tão mais cômodo usar a sigla, não? — e eu que me insurgi contra essa prática!) ser escolhido gira em torno de um por cento. Para que TPL?
Em primeiro lugar, algumas obras vêm precedidas de críticas, resenhas, comentários ou até dispensam esse aparato, por pertencerem à aristocracia livresca. O enésimo Harry Potter já era desejado antes de ser lançado.
Em segundo lugar, quem disse que o DV (já não peço mais desculpas) estará presente nas estantes das livrarias? Trata-se de empresas, cujo objetivo primordial é vender. Para tanto, colocam os best-sellers com muito mais destaque que outros, cuja fama ainda – otimismo, otimismo! — não se firmou. O livreiro é antes de mais nada um homo economicus. Por causa disso, aceitará o canto de sereia de um distribuidor, tão ou mais homo economicus, .e salvo honrosas exceções, não pretenderá aumentar a entropia do Universo, leia-se: esquentar a cabeça com desconhecidos, podendo fornecer obras de autores consagrados.
Em terceiro lugar, supondo que os obstáculos anteriores tenham sido superados, fruto da sorte ou da teimosia, imagine, caro leitor, onde colocarão meu DV? Quem disser: na terceira estante de cima para baixo na quarta fileira do fundo tem uma chance enorme de aceitar. Só estará errado caso a livraria seja bem pequena.
Desde quando um leitor desavisado irá colocar em risco sua preciosa coluna vertebral, praticar gestos de contorcionista para localizar e extrair da massa empoeirada a pepita mágica? Ah sim! É preciso lembrar que a corajosa editora que publicou o DV — e que se tornará uma unanimidade, após o DV estourar em vendas — não é uma celebridade... ainda. Duro ser apenas uma Companhia das Letras... minúsculas!
O evento que, se não mudará o curso da história, ao menos, terá o mérito de aplainar o caminho rumo à fama — do DV e do seu autor — é o lançamento. Por sorte, o patrocinador do evento, o ****** é conhecido, mas será isso suficiente? A exemplo de um banco que constitui sua PDD, provisão para devedores duvidosos — melhor traduzir—, terei de arbitrar uma PCR (provisão para convidados relapsos)? O sonho dourado do autor é ver dezenas, centenas, um exército de convidados acotovelarem-se no evento, prenúncio do que serão os dias subseqüentes, na tentativa de conseguir um exemplar autografado. Com a aproximação da grande noite, a emoção aumenta. O fantasma de um salão vazio tira-me o sono. Sei que essa hipótese é absurda, mas o “otimista com restrições” tem seus momentos de pessimismo agudo. O que sucederá no dia D? E depois?
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