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O Primeiro e o Último
Vanderlei Antônio de Araújo





José era relojoeiro e trabalhava numa loja no centro da cidade. Morava sozinho num quarto de pensão. Era conhecido como Zé do Relógio, pois sabia concertar como ninguém estas maquinas. Nasceu com saúde perfeita mas antes dos seis anos sofreu paralisia infantil que mudou radicalmente sua vida. A doença deixou suas duas pernas parcialmente atrofiadas passando a andar com dificuldade, valendo-se de uma bengala.
Todo o dia, ele saía cedo para o trabalho e só voltava ao anoitecer. Quase sempre preferia ficar no seu canto. Naquela noite, depois que chegou do trabalho, tomou banho, vestiu-se a sua melhor roupa e decidiu sair. Estava diferente. Sentia uma vontade quase louca de ir ao cinema. Queria ver um filme, qualquer um que fosse. Pegou um agasalho para se proteger do frio; apanhou sua bengala, e saiu.
No cinema, sentou-se numa poltrona da fileira do meio e, como se fosse um convidado ilustre, esperou o filme começar. Havia pouca gente. Passou um rabo de olho pelo recinto. Na ponta da fileira de trás, do lado direito, avistou uma moça de blusa azul. Ela, estava a alguns metros da poltrona dele. Era uma moça loira de bela aparência. O cabelo brilhava, os olhos eram grandes. A moça viu que ele estava olhando e sorriu, era um sorriso tímido, sincero, quase infantil.
Ficou encantado. Não conseguiu se conter e respondeu a aquele sorriso com outro e fez-lhe um aceno com a cabeça e a mão. Ela respondeu com um aceno de cabeça, como se dissesse sim. Embora encantado com a moça, envolveu-se em um pensamento desestimulador. Como poderia sentir algo, que nunca sentira antes, por uma estranha, uma desconhecida, que por acaso do destino sentara-se logo ali ao lado. Seria possível gostar de alguém que estava vendo pela primeira vez. Olhou novamente e ela sorriu.
De repente, lembrou da sua deficiência física. Então, foi invadido por um pessimismo atroz, aliado ao medo de sofrer uma grande desilusão. Teria que tomar cuidado! Recuou em seus pensamentos. Nunca poderia namorar uma moça como aquela. Por sorte, as luzes do cinema apagaram-se e o filme começou.
Pensou na moça o tempo todo. Não via o filme, estava com o pensamento grudado nela. Não conseguia parar de pensar, no seu sorriso nos seus olhos. Atentou-se ao filme, mas ficou pensando..
Quando o filme terminou e enquanto os créditos subiam na telona, ele olhou para a moça que lhe sorriu. Não se sentia confiante. Pensou na sua deficiência física. Por isso não iria falar com ela, nem pretendia se levantar,só quando ela saísse.. As luzes se acenderam, olhou novamente, e viu que ela continuava sentada.
Esperou que ela se levantasse e saísse. Alguns minutos depois não havia mais ninguém na sala, só eles dois. Mas nenhum deles queria se levantar. Nisso, uma moça entrou na sala, se aproximou dela e a chamou, dizendo que iriam apagar as luzes, pois aquela foi a ultima sessão. Ela se levantou e caminhando pelo corredor se dirigiu a saída. Foi aí que ele percebeu que ela também sofrera poliomielite. Trazia uma bengala na mão direita e tinha uma das pernas mais curta que a outra.
Criou coragem e se levantou. Como um robô, foi se arrastado seguindo-a. Na sala de espera do cinema, ela encontrou uma amiga e parou para conversar. Ele passou, observando seus cabelos dourados e lisos que balançavam suavemente, enquanto ela falava. Vestia uma blusa azul, saia branca e sapato baixo. Ficou o tempo todo admirando sua beleza.. Como era linda!
Por um instante ficaram frente a frente. Entreolharam e sorriram. Depois, ela se virou, deu o braço a amiga e se foi. Nunca mais esqueceu aquele olhar, aquele sorriso. Nunca mais a viu. Foi o primeiro e último encontro.


Biografia:
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