FOLIA DE REIS
João Carlos de Oliveira
Madrugada do mês de Junho do ano de 1961, a noite transcorria em normalidade, a lua que tinha sido nova naqueles poucos dias, iluminava a terra como se o dia fosse, os três cachorros da fazenda, dormiam no terreiro de frente da casa sede, o velho La porte , nosso principal cão de guarda, como sempre, dormia na soleira da porta de entrada . Lá pela volta das três da manhã, ou pouco mais, sem que tenhamos ouvido quaisquer barulho, ou mesmo, latido dos cachorros, como por um ato de magia, de repente, minha esposa, eu próprio, e o nosso ajudante de vaqueiro, fomos todos despertados por um toque instrumental e cânticos de folia, cuja sonoridade e afinação dos instrumentos de cordas, jamais haverá de ser ouvido. Meus quatro filhos pequenos dormiam, aliás, o meu caçula, ainda não havia completado um mês de idade . O canto da porta ou de chegada, ou mesmo de louvação aos moradores, pedia licença para entrada dos foliões, foi entoado numa alternança de vozes tão sincronizadas e perfeitas, que mais parecia, o canto de um coral de vozes de um grande conservatório de musicas. Mesmo acordados, aguardávamos como era de praxe, o encerramento do canto, para que pudéssemos abrir as portas da nossa casa ao grupo de foliões. Percebi entretanto, que o canto de anunciação, estava demorando um pouco mais do que de costume, ao mesmo tempo, que confabulava com a minha esposa, o quanto estranho era a presença daquela folia de Reis naquela época do ano, afinal, não tínhamos ouvido qualquer notícias da presença dela na região. Concluímos todavia, tratar-se mesmo de uma folia temporona, organizada por alguém da região, destinada ao cumprimento de promessas, agradecendo aos Santos Reis, por graças alcançadas. Como era da nosso tradição, todas às vezes que éramos visitados por ternos de folia, ao recebê-los em nossa casa, fazíamos questão que fossem bem tratados, afinal, para nós, era sempre motivo de muita satisfação recebê-los em nossa casa. Nunca lhes faltávamos com um café bem quentinho, biscoitos de fubá, pão de queijo, e uma boa gamela de farofa de galinha bem apimentada para espantar o frio da madrugada . Como esta visita estava nos sendo feita de surpresa, minha esposa ficou preocupada, afinal, como deveríamos recebê-los? pois não fomos avisados da presença deles em nossa casa, entretanto lembrou ela, que muito embora não tivéssemos biscoitos prontos naquele dia, más que na nossa dispensa, tinha uns três ou quatro requeijões prontos, e que ela trataria logo de se levantar e fazer o café. Ao final da entoação do canto de chegada, já me encontrava de pé ao lado da porta na sala de visitas pronto para abrir a porta. Não sabia o motivo, más Intuitivamente percebia, que apesar da beleza e magnitude do som dos instrumentos de cordas e do cântico dos foliões, havia algo de estranho, não se podia ouvir o som de qualquer vozes das pessoas que tradicionalmente acompanham ao grupamento de foliões – os famosos fura sacos -, na verdade, tudo fora conduzido em um silêncio magistral. Como já estava mesmo de pé ao lado da porta da sala, imediatamente ao encerramento do canto de chegada e ao início do canto de louvação aos moradores, tratei-me, de abrir a porta da nossa casa. Enorme foi a minha surpresa, para minha decepção, não havia absolutamente ninguém na porta da minha casa, não tinha folião algum, nem mesmo, a presença de algum retardatário do grupamento de pessoas que os acompanhavam. O velho La porte, dormia sossegado como sempre na soleira da porta, e não viu nada.
Os outros dois cachorros, da mesma forma, dormiam num monte de cinzas no meio do terreiro. Reinava no ambiente um silêncio total, apenas se podia se ouvir, o soprado de um ventinho frio da madrugada vindo da direção leste oeste. A lua estava muito clara, mesmo sendo noite, podia-se , enxergar ao longe, observei , que não havia a presença de pessoas por ali. Não ouvi qualquer batido das cancelas de acesso ao pátio e aos currais da nossa fazenda. Também não pude ver, quaisquer rastros de pessoas no terreiro da nossa casa. Meio sem jeito diante da surpresa , bati na janela do quarto do nosso ajudante de vaqueiro, ele também que permanecia acordado, havia ouvido a tudo, e da mesma forma que eu, aguardava dentro do seu quarto, até o momento em que percebesse que eu haveria de abrir a porta da casa aos foliões. Minha esposa que estava na cozinha, ocupada que estava, nem mesmo poderia imaginar a magnitude dos fatos que estavam ocorrendo e nem percebeu a situação. Ligeiramente apreensivo diante do ocorrido, convidei ao meu ajudante de vaqueiro que me acompanhasse numa volta até a estrada. Saímos do pátio da fazenda, e percorremos pelo menos por uns 200 metros de estradas, que aliás, sendo cavaleiras, e como estávamos em pleno período seco do ano, estavam muito poeirentas, e seria verdadeiramente impossível, que qualquer transeunte que passasse por aquelas estradas, que não deixasse impresso na poeira as suas pegadas. Agora a minha grande preocupação era com a minha esposa, ela estava saindo de um resguardo pelo nascimento do nosso filho caçula, fiquei apreensivo pela forma com que a notícia lhe deveria ser dada. Ao mesmo tempo, pedi ao meu vaqueiro, que quando me ouvisse ser indagado pela minha esposa quanto a presença dos foliões, que ele reforçasse comigo a argumentação, dizendo para ela, que infelizmente, todos nós havíamos dormido muito, que acordamos tarde demais, que na verdade, o canto que tínhamos ouvido, já era mesmo o canto de despedida dos foliões, ao mesmo tempo, que deveríamos afirmar para ela, que as nossas estradas estavam cheias do rastro deles, e ainda mais, que havíamos ouvido um som de viola vindo do outro lado do Rio. De volta a nossa casa, já encontramos a minha esposa na porta, ela estava com o café pronto e tudo servido na mesa na sala de dentro, e onde estavam os foliões, se eu os havia deixado irem embora sem o café? Toda a argumentação combinada com o meu ajudante foi transmitida para ela, que num misto de inconformada, retornou para a cozinha para recolher as quitandas do café, e guardar mais alguma coisa. Como o dia já fazia barra, não mais voltei para a cama, os primeiros raios do sol não demoraram aparecer. O sol já se fazia altinho, quando já por volta das oito e meia da manhã, recebemos a visita do irmão mais velho da minha esposa, que de forma semelhante, passou a nos relatar detalhadamente, todos os acontecimentos que sucedera em sua casa naquela madrugada. Mais tarde, já por volta das dez horas da manhã, apareceu em nossa casa, a Sá Maria, esposa do agregado da fazenda da minha avó, que de forma semelhante aos demais , também passou a nos relatar, nos mesmos detalhes e semelhanças, a visita do terno de folia na sua casa. Coincidentemente, todos as três manifestações, ocorreram sempre no mesmo horário. Como sempre fui um homem crente em Deus, após alguns dias de reflexões , tentava buscar no meu inconsciente, explicações lógicas de origem mediúnica para os fatos ocorridos. Poucos dias após, cheguei mesmo a conclusão, que na razão das manifestações ocorridas, estava promessa feito por pessoa desencarnada, cuja promessa, não houvera tempo para ser cumprida nesta existência. Conclui então, que haveria de cumprir esta promessa, com a realização de uma bonita folia em oferenda aos Santos Reis, a ser realizada durante as festividades do mês de Agosto naquele mesmo ano, e que nenhuma casa daquela
comunidade, por mais humilde que fosse, deixaria de receber a visita da bandeira e do terno de folia dos Santos Reis. Que a devoção em Deus nosso senhor , estaria na raiz do meu compromisso.
João Carlos de Oliveira
E-mail: zoo.animais@hotmail.com
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