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DIA DE FINADOS
João Carlos de Oliveira

DIA DE FINADOS
            João Carlos de Oliveira

Dia de finados. Apesar da plena estação chuvosa na região, o dia havia amanhecido muito bonito e o sol brilhava intensamente desde o amanhecer. Como o dia era de feriado, até poderia ter dormido até mais tarde, afinal, como era solteiro e morava com meus pais, não tinha mesmo, tantas responsabilidades com a lida da fazenda. Ao me levantar, como de costume, tomei a benção dos meus pais, em seguida, me dirigi até a cozinha da nossa casa, onde me aguardava um bule de café bem quentinho, e um prato com alguns pedaços de queijo bem curado, além de alguns biscoitos de farinha que minha mãe havia acabado de assar. Apesar dos meus vinte e poucos anos, mantinha bastante fama na região, de ser o melhor acordeonista daquelas bandas, cuja fama, se estendia até os salões do cassino e dos bordéis da cidade de Montes Claros. Como morava na zona rural - cerca de dez km da cidade, freqüentava a cidade de Montes Claros com certa freqüência, sem no entanto, residir na mesma.Todo o trajeto, fazenda/cidade e vice-versa, era sempre realizado sobre o lombo da minha mula de estimação, uma besta de cor preta uniforme, com seus sete palmos de altura. Muito embora freqüentemente solicitado como musico afamado que era, não era sempre, que poderia estar em Montes Claros, pois mantinha um pequeno comércio de gado nas proximidades da propriedade do meu pai, que me permitia, viver sempre com algum dinheiro no bolso. Assim sendo, das minhas escapadas como musico, na maioria das vezes, era vida boêmia mesmo, ou para fazer algumas farras nos finais de semana, e não tinha como finalidade ganhar dinheiro propriamente. Como acordei de bem com a vida naquele dia, apesar do feriado de finados, arreei a minha mula, e me mantive no propósito de dar um pulo na cidade. No roteiro da estrada cavaleira, ainda na circunvizinhança da nossa fazenda, havia um cemitério, onde eram enterrados os mortos daquela região. O cemitério que era muito antigo, não era cercado por muros de alvenaria, más sim, por um estacado de lascas de aroeira, edificado de forma tal, que ao passarmos pela estrada, nos permitia visualizar os jazigos e sepulturas. Uma vez decidido a dar um pulo na cidade, quando resolvi mesmo sair de casa, meu relógio já marcava 9,15 horas da manhã, e no desenrolar da viajem, ao passar pelo dito cemitério, percebi que haviam muitas pessoas da região ou mesmo de regiões vizinhas, que rezavam e visitavam os jazigos dos seus parentes ali enterrados. Sem dar muita atenção aos fatos – que se repetiam todos os anos na mesma data -, mantive a minha mula no passo viageiro, e prossegui na minha viajem. Sai de casa com o propósito de dar uma escapada mesmo, e não foi sem razão que fui parar no cassino, e mais tarde, em alguns bordéis da cidade, e uma vez já de sangue quente, e com alguns goles na cabeça, acabaram por me conseguir uma sanfona, onde acabei mesmo, foi por fazer um bruta de um baile num dos bordeis visitados. Como as horas passaram - nem mesmo percebi -, o baile prosseguiu até altas horas da madrugada, havia tomado alguns conhaques, o certo é, que a certa altura da noite, mesmo diante da insistência de alguns companheiros e namoradas, resolvi que deveria voltar prá casa, inclusive porque, mantinha minha mula arreada e amarrada numa ponta de rua, nas proximidades da praça de esportes. Foi assim meio atordoado, que resolvi
voltar para casa. Não me lembro da viajem, recordo apenas, que quando ao me aproximar do cemitério, observei que o seu interior estava todo iluminado e que havia muita gente rezando no seu interior, muitas mulheres com seus véus negros na cabeça. Ao ver todo aquele movimento, acabei por dar uma encostada, e fiz apoiar um dos meus pés em uma madeira qualquer do estacado. Acho que adormeci. Não sei mesmo por quanto tempo ali permaneci, sei apenas, que após algum tempo acordei, e ao dar uma olhada em minha volta, percebi que as pessoas continuavam rezando. Foi ai, que num ato de esbravejamento, acabei por dar um grito para que todos ouvissem, cuja frase, me recordo ainda, dizia: gente! Gente!, que diabos está acontecendo aqui? Vocês não vão mais parar de rezar? passei por aqui pela manhã e vocês já estavam rezando. Volto agora, nestas altas horas da noite, e vocês ainda continuam rezando? O que está mesmo acontecendo? Feito isso, uma das senhoras de véu na cabeça e que rezava sem parar, voltou a sua cabeça para mim, e me disse: Moço! As pessoas a quem o senhor viu rezando aqui pela manhã, já foram todos embora para as suas casas. Todas estas pessoas que o senhor está observando e que permanece aqui rezando, não são pessoas desde mundo não, são sim, almas de uma outra existência. Acho que me encontrava em um estado de atordoamento e de sonolência tal, que ao ouvir as palavras da mulher, me despertei de uma só vez, meus cabelos ficaram totalmente arrepiados, e quiseram lançar o meu chapéu fora da cabeça. Creio também, que num misto de cansaço e sono, a minha mula também havia cochilado, e como num estalar de dedos acabou também por despertar, e num assopro de tal magnitude, deu uma derrapada lateral comigo, que quase me lançava fora da sela. Foi assim, que depois desta marcante noite, que prometi a mim mesmo, que nunca mais haveria de desrespeitar o feriado de finados, e na medida do possível, passei a evitar transitar pelas estradas que davam acesso ao cemitério, após as dezoito horas.
Montes Claros, MG, 19/07/2010.

João Carlos de Oliveira
E-mail: zoo.animais@hotmail.com






Biografia:
Nem mesmo cairá uma unica folha de uma árvore, se caso não exista uma razão para tal!

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