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A TRAMA DO OLHAR ARTÍSTICO
RODRIGO DA COSTA ARAUJO

Resumo:
Olhar e ver: possíveis relações de semelhanças e diferenças entre esses pares. Educação do olhar.

     

RECEITA DE OLHAR
Nas primeiras horas da manhã
desamarre o olhar
deixe que se derrame
sobre todas as coisas belas
o mundo é sempre novo
e a terra dança e acorda
em acordes de sol

faça do seu olhar imensa caravela
Roseana Murray

                 A imagem nos acompanha, como pensantes que somos, desde que nos vemos refletidos nos olhos de nossa mãe. Neste estágio, somos imagens de nós mesmos.
     Todas as imagens, a partir dessa etapa, serão construídas como essa, pois nenhuma imagem é dada, mas reproduções do leitor que é produzido pela própria imagem. Nesse sentido, podemos ser considerados seres ativos (o olhar que procura responder nossas indagações sobre o mundo), quanto seres passivos (cegos para o que é ativo, nosso olho).
     Assim, como a música, a literatura e outras artes, a arte é uma linguagem universal. Ver uma obra de arte é sempre uma experiência estética agradável, inovadora, mas também um constate exercício para o nosso olhar. Por isso, podemos ter um olhar tanto ativo diante do que se olha, como passivo diante da imagem.
     Nesse caso, existe uma diferença fundamental entre ver e ter um olhar sobre a obra de arte – a diferença entre VER e OLHAR.Enquanto que ver surge como um processo mecânico diante do mundo, o olhar exige do leitor mais critérios, mais percepção do mundo sensível. Portanto, as pessoas vêem mais, mas não conseguem olhar o mundo com mais clareza, mais sensibilidade, por isso se sentem cegos, como se fossem proibidos de perceber “tudo”.
     O olhar para a obra de arte, nesse caso, exige que o espectador considere muitos elementos que o artista usa para criar efeitos, e que muitas vezes, passam despercebidos como miragens da vida, nas entrelinhas do olhar.
     O artista, neste ângulo, quanto maior a profundidade de pensamento, sentimento, técnica e inventividade que coloca em sua obra de arte, mais a sua obra se revela a um espectador atento aos detalhes.
     Talvez tenha sido por isso que a natureza das imagens tenha criado conflitos entre os gregos, por que enquanto Platão achava que as imagens não eram o resultado da percepção (aishesis) elas teriam origem na própria alma do ser, já Aristóteles afirmava que o pensamento seria impossível sem a imagem.
     A imagem, até hoje, opera uma cultura própria do fragmento, do mosaico. Vemos pedaços de informações misturados com signos de diversas formas. É nesse sentido, que a alfabetização visual é imprescindível ao olhar que procura.
     A recepção da imagem, ao contrário da palavra, no senso comum, é mais direta e exige menos esforço de penetração, criando a falsa impressão de que é necessário apenas ver.
     No esforço do olhar, é importante saber que toda linguagem tem uma lógica própria, um código a ser desvendado. A escrita tem uma sintaxe e estrutura próprias, os filmes uma armadura, com encadeamentos, com inter-relações entre as seqüências e os planos. As artes plásticas produzem um espaço diferente, tem textura e revela cores inesperadas aos olhos que só está acostumado a ver o mundo “real”.
     De qualquer forma, nesse passos da alfabetização do olhar, o que deve ser levado em conta é o imaginário do receptor. Tanto na linguagem escrita, como na visual, o que faz sua riqueza não é apenas o conteúdo da história, mas os seus interstícios na trama.
     Cabe ao leitor preencher os vazios, o mundo, as lacunas deixadas pelo escritor e pelo cineasta. Por isso, no trabalho com a leitura, o mediador da descoberta do olhar precisa possibilitar operadores para se entrar no texto, na obra de arte. Isso é válido para qualquer linguagem, não apenas a linguagem visual.
     Os filósofos também pensaram nisso. Para Platão apenas re-conhecemos o que já conhecemos, ele afirmava que a beleza de algo, não passa de uma cópia da verdadeira beleza que não pertence a este mundo. Já Aristóteles defende que o belo é uma criação humana, e resulta de um perfeito equilíbrio e uma série de elementos.
     Assim, brincando como os filósofos e com as linguagens, o leitor perceberá que o olhar artístico tem uma especificidade própria de acordo com o código e que entre essas linguagens podem-se estabelecer diálogos.
     Por isso que ver é um processo automático, passageiro, mecânico, ao acordar abrimos os olhos e vemos. Mas olhar, de forma artística para o mundo, produz emoção, exige contemplação, alteração dos sentidos, exige fechar os olhos para poder enxergar. É uma janela aberta para a vida que percebe o sensível, o nosso desequilíbrio interior. É a ousadia de se olhar e perceber-se caravelas, como disse a poeta Roseana Murray. É desamarrar o olhar das cruezas da vida e do real.
     De qualquer forma, tudo isso contribui para o exercício e a alfabetização do olhar, para dizer que apreciar arte é uma tarefa gradual e infinita.Por isso é que arte de todas as épocas ainda nos fascina e enriquece.
     Ela é signo do nosso devir, poço onde reflete nossa humanidade, como as imagens, em constante metamorfose.


Biografia:
Prof de Literatura da FAFIMA- Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé e Mestrando em Ciência da Arte pela UFF/ Niterói-RJ E-mail: rodricoara@uol.com.br
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