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O erótico, o pornográfico e o vulgar.
Dudu Oliveira


A sexualidade é fundamental no modelo natural de preservação e evolução da espécie; e como tal, nos aproxima nos seus aspectos gerais com os demais seres na luta pela evolução e auto preservação. Entretanto, cabe caracterizar a sexualidade como ato e conceito; de aspecto amplo e geral.
Particularmente, a sexualidade é abordada dentro de tópicos específicos que visam um enfoque sobre as minúcias que compõe o tema. Portanto é necessário caracterizar dentre os objetos da nossa atenção as definições acadêmicas para que sejam feitos os devidos ajustes as distorções conceituais na sua relação objetiva.
Vejamos tais definições:
Erótico – sexual, carnal, sensual, lúbrico, voluptuoso, lascivo;
Erotismo - é o conjunto de expressões culturais, artísticas humanas referentes ao sexo;
Sexo – definição de gênero e o ato sexual propriamente dito, composto de suas etapas (preliminares e ato sexual) e finalidades (obtenção de prazer, reforço de elo emocional e reprodução);
Pornografia – é a representação, por quaisquer meios, de cenas sexuais ou objetos obscenos destinados a ser mostrado para um público e também expor práticas sexuais diversas, com o fim de instigar a libido do observador;
Obsceno – que fere o pudor;
Vulgo – plebe, ralé, gentalha, populacho;
Vulgar - relativo ou pertencente ao vulgo, aquilo que é do conhecimento de todos, que é vulgar;
Colocada as definições é possível ponderar sobre o tema e dentro deste curso confrontar interpretações equivocadas sobre as relações destas definições dentro do exercício artístico literário.
A primeira deformação óbvia diante da conceituação apresentada é a constatação que pornográfico também é erótico, logo parece distorcida a idéia de segregar pornográfico de erótico.
Será, então, que o erótico é pornográfico?
Para abordar esta questão é necessário observar que o erótico que discutimos decorre da expressão cultural, que é dinâmica, permeável e vai se moldando dentro do contexto social. O que neste momento representa uma característica platônica, subjetiva, e se opõe à explicitação ostensiva ora dominante na pornografia. A fronteira entre o erótico e pornográfico é sutil, não comporta leniência ou se apresenta de forma gratuita a qualquer olhar.
A complexidade da matéria está no conflito do estamento moral onde constituímos nossa consciência e desenvolvemos nossa sexualidade. A assimilação de conceitos que se modificam com o avanço das relações, potencializou as angustias de gerações que viveram épocas de maior repressão na expressão da sua sexualidade, de modo bastante evidente nas culturais ocidentais e nas religiões cristãs.
Esta realidade gerou uma consciência sexual culpada e reprimida, muito preocupada em se livrar das compulsões carnais, das conceituações heterodoxas e das práticas incomuns, logo definidas como tara.
Torna-se oportuno observar que a pornografia tem também abordagens menos explícitas, o que não a transforma, de forma alguma, em erótico. Esta dualidade fica evidente quando o material apresentado, ainda que não mostre ou demonstre o sexo, orienta-se para a obtenção de estimulação sexual, sem qualquer outra finalidade.
A cena literária é um dos ambientes onde a relação erótico-pornográfico mais conflitam, seja por oposição, seja por equívocos. Concentrando a atenção exclusivamente neste aspecto é necessário fazer uma pequena analise historiográfica da literatura erótica-pornografica para situar as observações aos aspectos da evolução e aceitação desta expressão artística.
O ponto de partida dentro da literatura ocidental para esta apreciação é Satiricon de Petrônius Arbiter que representa o período de dominação cultural do império romano. Sobre seu autor, recomendam-se as anotações de Tácito nos Anais, discorrendo sobre a personalidade do Árbitro da elegância na corte de Nero. O que Petrônius nos apresenta é uma crônica dos costumes daquela sociedade, em particular, da corte de Nero em sua forma de expressar a sua sexualidade. Considero crível a base desta obra, uma vez que ela tenha sido criada por um membro de posição considerável dentro da sociedade romana e pelo fato de tal obra ter resistido aos expurgos que são comuns na dinâmica das sociedades.
O outro marco de nossa amostragem é Decamerão de Giovanni
Boccaccio. Decamerão é uma obra do período medieval que confrontou de modo inequívoco a moralidade religiosa, questionou abertamente a representação espiritual do amor e inaugurou o realismo na literatura. O resultado deste confronto foi à censura, a repressão e a perseguição mais a obra que propriamente ao autor, uma vez que Boccaccio era uma personalidade proeminente em Florença.
Para sintetizar esta relação vou apenas citar autor e obra, que merecem uma atenção mais demorada a respeito da obra, do autor e do contexto onde ela foi produzida.
Século XVIII
Fanny Hill – John Cleland;
Justine – Marques de Sade;
Memórias – Casanova;
Minha Vida Secreta – Spencer Ashbee.

Era Vitoriana
A Vênus das Peles –Von Saacher-Masoch

Século XX
A História do Olho – Bataille;
Trópico de Câncer – Henry Miller;
A História de O. – Pauline Réage;
Delta de Vênus – Anais Nïnn.

Diante desta amostra é possível tecer considerações sobre a trajetória da literatura erótica e da pornografia.
Inicialmente observemos seu conflito permanente com a censura, que deriva da tutela, que a moral da parte dominante da sociedade tenta impor para, em seu proveito, moldar a cultura através da tentativa de controle da manifestação artística, qualquer que seja ela.
A derrocada do amor espiritual deu-se com Boccaccio na publicação do Decamerão; a trajetória da sexualidade seguiu a manifestação dos gêneros, a expressão das vontades e a libertação das tutelas morais oriundas do anacronismo medieval e sua visão confessional da sexualidade. Logo não cabe a dicotomia virtude/vício sobre o erótico e o pornográfico, sob o risco de cair na falácia das questões de gosto.
O exercício literário cobra um posicionamento maior que a consideração moral, que para tanto não exige mais que a assimilação dos valores locais num ritual de aceitação. O deslocamento que pontua o exercício empático na troca entre artista e arte exige um apuro no trato com a matéria, um elaborado manejo da informação, seja ela objetiva ou não, que permita ao autor e ao leitor conviver e descobrir dentro da obra criada. A opção moral do artista não é o elemento principal neste modelo, apesar de ser parte integrante.
Restou da nossa proposta inicial, agrupar os valores morais que sustenta os preconceitos derivados dos axiomas e dogmas da idade média.
É possível encontrar na cultura oriental desde manuais até textos de valor científico registrando a importância e a naturalidade com que estas representações culturais manifestaram a sua sexualidade. Kama Sutra, Jayamangala, Pao Pu-Zhi, O Jardim Perfumado, Beleza e Tristeza e Confissões de Uma Máscara estão num conjunto de obras de valor cultural e artístico inquestionável e passam ao largo das questões de gosto.
O que de fato resiste em algumas abordagens é a vocação para desvalorizar o que não foi compreendido, o que não foi assimilado e o objeto com o qual não houve identidade. A confusão de pornografia com obsceno é clássica, tem fundamento moral na suposta agressão ao pudor, que é um valor moral e se funda na coerção social das camadas de maior poder representativo.
A idéia que pornografia é vulgar reafirma este preconceito, pois como sabemos, o vulgar é o que é do conhecimento de todos e não a corrupção de um conceito como a moral tenta ajuizar.
Para tratar deste tema se faz necessário observar intimamente as nossas posições diante das possibilidades que o mundo conhece; diferente não significa ruim, incompreensível não é o mesmo que feio e normal significa, textualmente, dentro das normas, dentro das regras; que é o que vale para os ditadores de comportamento.
Um artista lê e a sua representação da arte deriva desta leitura, desta abordagem sensorial, intelectual e dialética. A exposição a esta matéria é a síntese com o seu mundo, o diálogo com o seu tempo. As tentativas de aplicar elementos semânticos com finalidades didáticas deram origem às escolas, que servem ao estudo acadêmico, e seccionou a arte em simplificações estanques.
O que antes acontecia nas praças, no cotidiano, ficou confinado em estudos, cátedras e museus. A sexualidade em seu estado natural seria parte da experiência de construção da identidade do indivíduo, desenvolvendo sua vertente emocional, a sua busca da felicidade projetando uma realização do prazer e do reconhecimento.
Apartado disto temos uma sexualidade ideologizada, confessional e culpada que traz em si concepções puras e falácias morais, que nem podem ser considerados paradoxos.  






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