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Senatus Circus apresenta: PL do aborto
Flora Fernweh

Na última segunda feira, no pior de todos os dias da semana, o espectador brasileiro, que já está acostumado a acompanhar a política assim como acompanha jogos de futebol com todas as suas baixarias e que frequentemente encontra em nosso poder legislativo um legítimo alvo de chacotas, antro da politicagem, deparou-se com a encenação de uma parlamentar que só faltou ser laureada não apenas com o Oscar, mas também com o merecido Nobel da “Pró-vida” contaditória.

Digo que se deparou, porque o brasileiro já nem se surpreende mais com as piadas oriundas do Congresso. Se o episódio tivesse ocorrido na câmara dos deputados, talvez ainda fosse um pouco mais aceitável, considerando a fraude que é nosso legislativo sem prejuízo a todas as críticas que igualmente levanto contra os Poderes Executivo e ao Judiciário. Mas o fato aconteceu no Senado, onde toda a parafernalha política deveria, em tese, prestar-se minimamente à seriedade.

Adianto aos que não tenham acompanhado: o show foi bastante perdível, nada comedido, porém fraco, importante à bancada BBB, mas desnecessário à gente sã. Claro que não se pode negar a inclinação teatral da atriz, que com tanta magnificência incorporou um feto em um roteiro bem escrito que culmina no aborto, com todo o drama que lhe é indissociável. Encenável para se dizer o mínimo, de forma que decerto não poderia ser ensinado por outra via, precisava mesmo ter escandalizado o Brasil e os abortistas.

Apenas para contextualizar, o Projeto de Lei 1904/24 em trâmite nas nossas casas legislativas encontrou calibragem necessária em uma extrema direita que se corrompe em cada proposta infundada para a qual lança sombras (nem luz pode ser), de forma que o PL equipara o crime de aborto ao crime de homicídio simples após passadas 22 semanas de gestação, de modo que está incluído nesta hipótese a gravidez decorrente de estupro. Isto é, a pena prevista à mulher que cometer o crime de aborto nas condições que o projeto prevê, superará em muito a pena do próprio estuprador que lhe tiver violentado.

Esse anteprojeto legislativo tem em vista a equiparação do crime de aborto ao crime de homicídio, de forma que esvazia em larga medida o tipo penal previsto ao crime de aborto. Assim, o espetáculo presenciado está para além de qualquer ideologia, e quem o apoiou não se sustenta no conservadorismo, mas sim no mal. Isto porque foi terrível tanto aos que defendem a legalização do aborto quanto aos que se opõem.

Além de tudo isso, não se olvida que o PL incorre em flagrante inconstitucionalidade, vez que há previsão legal e expressa das situações que se autoriza a realização do aborto, sendo uma delas no caso de estupro, para o qual não restam discussões quanto à procedência e à legalidade do procedimento ante tal crime que viola a dignidade sexual.

Se é para acidificar o pensamento, não deixo de igualmente exprobrar todos os impropérios da esquerda hipócrita e mal-estudada que tenta imperar neste florão tropical, pois é ingenuidade concluir que a legalização significará fim à clandestinidade e que o livre arbítrio sobre o corpo é sinônimo de liberdade… vejam a contradição, liberdade é princípio basilar de direita, se dizem revolucionários e iluministas… o movimento secular veio da direita. A esquerda é inconsequente e não sabe ao certo pelo o que pugna. O conceito mais primário de liberdade: “a minha liberdade termina onde começa a do outro”, a minha escolha finda onde se inicia a liberdade do outro para viver, resguardado o seu direito ao nascimento.

Não tenho nenhuma pretensão neutralizadora, mas é certo que esse debate e toda a palhaçada recaem na disputa política já tão polarizada e batida em nosso país. O ponto é que independentemente da posição que se escolha, é inatacável o absurdo que reveste o referido projeto de lei, tão insustentável quanto inapropriado, munido da mais baixa ponderação de valores e beneficiado pela própria torpeza em mudar radicalmente um dispositivo de 1940, o Código Penal já tão emendado… e ainda se dizem conservadores, quando na verdade estão revolucionando na mira do retrocesso.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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