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ALEGREMENTE, EM DEZEMBRO
Cesar D

Chegou Dezembro, mais um ano se encerra. Na rua Quintino Bocaiuva, tradicional local de compras no centro de sampa, a proximidade das festas de fim de ano deixa o local com ares mais festivos, mais sorrisos nascem dos rostos dos passantes, dos puxadores sempre dispostos a indicar aos potenciais e hoje em dia raros clientes em busca de novidades em joias em Ouro e Prata os melhores locais para suas compras, e as sacolas dos magazines e lojas estão mais evidentes nas mãos das famílias, com os indefectíveis panetones de variadas marcas e procedências, camisetas, tênis, sandálias, alguns celulares, e muitas, muitas caixas de bombons, que o chocolate é mais doce nesta época, além de ser relativamente mais em conta, afinal esse é o tempo de cobertor muito curto da crise econômica brasileira. Mais nada abala o chamado apelativo e constante dos animadores com suas caixas de som tocando músicas da moda irritantemente altas, contando piadas duvidosas, fazendo um carinho em toda criança que passa na rua, tirando selfies com quem se permite e dançando a todo momento, enquanto fazem a propaganda das ofertas das lojas que contratam seus serviços. Repare nos rostos, nos gestos, nos passos das pessoas, nos homens, mulheres, famílias...eles estão mais dispostas, mais solícitas. É o espirito natalino...presente na pobre, porém adequada, decoração temática instalada pela prefeitura, que criou eventos em todo o centro tentando trazer um dinamismo a uma região que a muito sofre a diminuição de uma parte significativa da clientela de classe média, que trocou suas ruas e seus evidentes problemas pelas ilhas de fantasia e a falsa sensação de segurança dos Shoppings da cidade. Mas vejam, as pessoas estão aqui, os trabalhadores estão no centro, nas lojas de joias e nas lanchonetes, nos restaurantes de comida popular e nas lojas de 1,99, nas óticas e lojas de calçados, nas de produtos ortopédicos e de artigos esportivos. As pessoas, essa gente, os trabalhadores sub ou pouco qualificados e os funcionários públicos de 4°escalão e suas famílias, com sua renda diminuta, com seus direitos trabalhistas e previdenciários suprimidos, eliminados, que ainda estão empregados num país de 13 milhões de desempregados, muitos deles que votaram em Bolsonaro, fazendo o gesto da arminha e dizendo "melhor Jair se acostumando...", tentando guardar alguma pequena parte de seus rendimentos ou se endividar em cartões de crédito para esse grande momento de júbilo e redenção, chamado apelo emocional para as compras, ela está aqui, fazendo o que se espera dela, como todos os anos, como todo fim de ano, atendidos por uma gama de trabalhadores informais, puxadores, seguranças, carregadores, que ganham assim alguma grana para comprar sua ceia de Natal, o pernil do ano novo, comprar suas camisetas nos camelôs de marcas esportivas, de clubes europeus e times de basquete, bermudas, bonés e fazer girar a roda que os transforma em outdores ambulantes, mercadoria e consumidores, fazendo o que deles se espera, consumir...consumir...consumir...E nesse tempo até se admite a "excentricidade" dos tipos que vão surgindo, do maluquete apelidado "Wood e Stock" que não fuma um cigarro de Orégano, mas come in natura, com uma vasta cabeleira e todo de preto, carregando uma bolsa para um instrumento de percussão tentando vender sua obra registrada em CD,"A nona maravilha do mundo, apenas 10 reais", ele diz, enquanto toca seu atabaque invisível quando ouve alguma música, o dançarino apaixonado Michael Jacksom quase careca, que não importando qual ritmo musical esteja tocando começa a imitar os passos consagrados do seu ídolo ou o senhor negro e baixo que rege sua orquestra imaginária composta por uma caixa de som, garboso e elegante em seu chapéu Panamá e no seu terno todo preto, com gestos rápidos e seguros apesar da idade avançada, se transformando no maestro de composições clássicas de renome e outras desconhecidas, e que garante o riso do casal e das meninas que passam ao seu lado, comentando e fazendo o gesto de maluco, e no qual o homem, impávido colosso, não se deixa abalar e conclui sereno a sua arte. No fim da tarde, o fluxo de pessoas vai caindo junto com o fechamento de uma boa parte das lojas, e o movimento dos moradores de rua, os que são indesejados porque não consomem, é mais intenso, pois fazem das coberturas dos prédios e das lojas pousada temporária para o sono inseguro das noites violentas da região da Sé, e barracas de camping baratas e muitos papelões, uma solidariedade inconstante e frágil que os leva a dormir próximos uns dos outros e que não é garantia de noites tranquilas entre eles, além dos corotes de pinga vendidos nos bares das redondezas a preços módicos favorecem a passagem dos dias, a indiferença do povo majoritariamente cristão, o fardo pesado da invisibilidade e do ódio, a vida a esperar o fim sem tempo de ser passada a limpo. É dia 24, e a pequena Vitória, filha do Maranhense Jesualdo e da Mineira Tereza faz 4 anos, e entre os convidados rindo e enlouquecendo de cachaça que fizerem o rateio pro bolo Pulmam e as esfihas, um fósforo faz as vezes de vela, e o parabéns a você desorganizado traz um sorriso no rosto da menina que assopra e ganha abraços da mãe, e é erguida pelo pai em seus braços, fazendo a alegria de todos os que estão ali naquela noite, numa rua do centro velho de São Paulo

Feliz Natal.



Biografia:
De sampa, zona norte, mas a muito morando no centro...me formando em história num país sem memória..é isso, esse sou eu..
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